XXIV. A Morte

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Música indicada: Already gone

Os olhos se abriram lentamente, desfocados, e seus ouvidos mal escutavam algo além de uma nota de piano constante.

— Vamos, Lorenzo! — sussurrou a voz rouca e dispersa. — Temos que sair daqui. Por favor! Lorenzo! — A mulher gritava. Ela segurou sua cabeça, ansiosa, e seus olhos claros estavam arregalados de pavor.

Tudo veio de uma só vez. Focou nela e ouviu sua voz com nitidez, se sentou quase no mesmo instante. Respirando fundo pela boca, ofegante, ele a olhava nos olhos familiares. A mulher estava sentada à sua direita naquele piso gasto e sorriu.

— Pensei que não fosse conseguir trazê-lo — disse em um tom quase agradecido, engoliu em seco, e assistiu ele passar, desesperadamente, as mãos por seus braços, pernas, pescoço, como se quisesse ter certeza de que estava realmente inteiro. Lorenzo ainda estava em pânico.

— Tudo... era como o inferno. — Sua voz tremia e suas lágrimas caíam enquanto ele tocava seu corpo. — E-eu sentia as dores de novo...— Olhou ela confuso — Era tão real.

A mulher de cabelos longos o olhava com dó e suas sobrancelhas franziram antes de abraçá-lo tentando o acalmar. Sentiu o coração de Lorenzo tão acelerado que o seu acabou tomando o mesmo ritmo. Não só porque odiava vê-lo daquela forma, mas também por senti-la. A Morte.

Ele falava tudo rápido demais, a mulher se afastou com os olhos preocupados.

— Você está bem agora — pôs a mão sobre a dele, mas Lorenzo a afastou com um susto. Ele fechou os olhos. — Precisamos sair daqui — disse então, começando a se colocar de pé.

Ele assentiu sem questionar. Enzo tinha aprendido isso. Quando alguém diz: vamos sair daqui, apenas saia. Sem perder o tempo em discutir o porquê, sabe exatamente qual o porquê de todas as vezes. Recebeu ajuda para se erguer e manteve a mão segurando a dela.

— Quanto tempo? — Perguntou, olhando para os lados. — Está sentindo isso?

Ela assentiu preocupada e seus lábios continuaram descolados pelo nervosismo.

— Não sei... minutos, talvez nem isso — sua voz era preocupada. — Eu... O que ela faz? — Ele lhe lançou um olhar angustiado, incerto de uma resposta.

As mãos suavam uma na outra enquanto um silêncio se formava e só se ouvia seus passos apressados pelos corredores escuros e vazios. Um estrondo foi escutado segundos depois, os dois pararam no mesmo instante. Ele apertou forte a mão da mulher.

— Estão aqui...— disse ela, com voz de choro. Ela apertou sua mão de volta, mas não era um terço do quão apertado estava o coração dele. — Mais rápido — finalizou, soltando sua mão e correndo sozinha.

Ele também, correndo rápido, e sem olhar para trás, deixando apenas o medo guiá-lo. Mais um estouro, dessa vez eles não pararam, correram ainda mais rápido.

— Lorenzo! — A voz rouca e fora do tempo soou por todos os corredores.

A dona era aquela de quem fugiam sem saber ao certo o motivo. Os demônios não eram os únicos buscando por Lorenzo, ele sabia disso, mas nunca esperou a Morte chegar tão perto para questionar o motivo dela. Afinal, Michael havia dito que ela destruía os demônios perto do prédio, por quê?

— Corra! — Gritou para a ela, deixando seu passo cada vez menos acelerado, sabendo que não havia tempo para os dois.

A mulher parou alguns metros à frente, se virou em sua direção preocupada e viu quando a sombra preta desceu do teto atrás de Enzo. A morte. Mais do que traiçoeira, vingativa. Muitos demônios caçavam os fugitivos, mas nenhum se comparava à própria ceifadora. Fazê-la buscar a mesma pessoa mais de uma vez era quase como pisotear o próprio satã. Ela nunca sentiu tanto medo na vida.

— Teodora! — Gritou Lorenzo, tentando tirá-la de seu transe, mas ela não se movia.

Os olhos coloridos da mulher piscaram, deixando que caíssem lágrimas de cada um com urgência e medo. Era a primeira vez que via a morte e nunca se esqueceria daquela visão tão familiar e assustadora, perguntava-se se Lorenzo veria o mesmo que ela caso olhasse para trás. A Morte é um espelho? Perguntou-se.

Três segundos, a sombra cobriu parte das paredes e do chão do corredor.

— Teodora! — Gritou novamente. Ela não se mexeu.

Dois segundos, a sombra começou a comer tudo à volta deles. A janela estava a menos de dez metros. Milésimos de segundo, era o que tinham. Os dois se salvariam, ou nenhum. Os passos pareciam pulos, ele podia ouvir o tic tac nos ouvidos. No último suspiro, um pulo certeiro e forte que fez os dois ultrapassarem a janela de vidro e caírem mais de dez andares em queda livre.

Os dois com os olhos abertos, nem perto de estarem mortos. Enzo por cima de Teodora. Não queira saber o estado que o rosto dela ficou naquele instante pós impacto direto ao chão. O sangue se espalhava. Era 1979 e os fugitivos permaneceriam na terra.

Há muitas coisas sobre a Morte e uma delas é que ela não é uma condição. A morte tem um papel e traz o equilíbrio entre a terra e o inferno. Ela é um ser de elo, o tudo, e mais importante do que isso. A Morte nunca pretendeu levar os fugitivos de volta para o inferno, mas eles nunca saberiam disso.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora