Capítulo I

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Às três da tarde, conforme Candice dissera em seu email, eu entrava na igreja, segurando a minha bolsa com força contra o corpo, como se tivesse medo de ser roubada, mesmo ali, na casa do Senhor. Eu estava nervosa por encontrar o padre sozinha, uma vez que eu não sabia como a nossa conversa se desenrolaria. Afinal, eu era uma pessoa bem cética no que dizia respeito à religião. E se eu me desentendesse com o padre e ele se recusasse a celebrar o meu casamento?
Jared jamais me perdoaria.
A igreja estava vazia, silenciosa e parcialmente escura, o que fazia com que parecesse até mesmo mágica. Os poucos raios de sol que brilhavam por entre as nuvens iluminavam os vitrais, fazendo a cena parecer algo retirado de um filme. Era bonito e trazia uma sensação de paz pela qual eu não estava esperando.
Apesar de haver me passado o local e o horário, Candice não havia me informado exatamente onde encontrar o padre O'Callaghan e por isso me vi ocupando um dos bancos mais pertos do altar, observando as figuras de anjos e o enorme crucifixo diante de mim, enquanto perguntava a mim mesma a que eu devia aquela sensação que fazia com que todos os meus nervos se acalmassem e me permitia fechar os olhos e apenas sentir, sem precisar de muita racionalidade.
- Srta. Samuels. - uma voz calma chamou ao meu lado e me levantei rapidamente, pronta para cumprimentar o padre que celebraria o meu casamento.
E finalmente compreendi o que a minha pesquisa queria concluir.
Houveram, no breve momento em que me coloquei de pé, sorrindo à guisa de cumprimento, todos os importantes sinais que eu tanto ouvia falar e desejava tão ardentemente sentir. Coração acelerado, borboletas no estômago, mãos suadas, pés formigando. E tudo isso apenas ao olhar nos olhos azuis esverdeados do homem à minha frente.
Suas vestes negras e o seu colarinho clerical branco não me permitiam confundi-lo com quem quer que fosse. Porém, ele não era, nem de longe, quem eu havia esperado.
Estereótipos de Hollywood haviam me feito pensar em padres como homens velhos, com cabelos brancos, com expressões pacientes e calmas, prontos para fornecer bons conselhos ou praticar exorcismos terríveis. Todos os filmes que eu já assistira jamais haviam me preparado para alguém como ele.
Com seus cabelos escuros e grossos despenteados, seu rosto jovem e simpático, atraente de uma maneira que chegava a ser pecaminosa e aqueles olhos que continuavam prendendo os meus, desafiando-me a desvendar todos os mistérios que aquela cor esverdeada escondia.
E então, quando finalmente consegui desviar os meus olhos dos seus, sua boca fina foi o novo alvo da minha perdição, fazendo com que eu me sentisse boba por ficar o observando daquela maneira tão pouco respeitosa. Eu tinha de parar de encarar, mas não conseguia, ele tinha sardas pelo rosto e elas eram tão adoráveis que eu era incapaz de me controlar.Por Deus! Aquele homem era sim maravilhoso, um dos homens mais bonitos que eu já havia visto pessoalmente, mas não deixava de ser um padre.
Um padre.
Era quase absurdo ver aquele homem sensualmente alto, certamente com mais de um metro e noventa, com o traje de um padre.
- Eu sou o Padre O'Callaghan e é um prazer conhecê-la.
Incerta, estendi a minha mão, aceitando a que ele oferecia para que o aperto finalmente acontecesse. E como se para fazer-me ter certeza, meu corpo evocou todos os sinais novamente, fazendo com que eu desse um passo para trás, no mesmo minuto, tentando dar a mim e o delicioso padre um espaço necessário.
- Podemos... podemos começar?
Ele sorriu, tomando o caminho e pedindo que eu o seguisse, o que prontamente fiz, dando a volta pelo altar até chegarmos a um espaço que certamente era reservado apenas para os clérigos e me vi diante de um pequeno escritório, cheio de livros religiosos diversos e com um cheiro misto de incenso e algo mais que meu olfato pouco apurado não era capaz de distinguir.
O Padre parou à porta, deixando que eu entrasse primeiro, cavalheiresco. E assim eu consegui perceber qual era o outro cheiro que dominava aquela sala. O cheiro de homem que emanava dele de uma forma apelativa que não ajudava em nada.
Eu deveria começar a me comportar. Eu era noiva. Ele era padre.
O que diabos eu estava pensando?
Uma cadeira alta, almofadada em vermelho escuro foi apontada para mim e me sentei, sem cerimônia, sabendo que precisava sentar-me o mais rápido possível antes que minhas pernas, já trêmulas, falhassem de vez.
Após fechar a porta silenciosamente atrás de nós, o Padre sentou-se diante de mim, do outro lado de sua escrivaninha de madeira maciça, observando-me com atenção, esperando que eu começasse a falar, provavelmente. O que seria bem difícil fazer com aqueles olhos tão azuis observando os meus com tanta firmeza.
- Então, senhorita Samuels, ansiosa para o casamento?
A palavra "casamento" foi o bastante para que a minha observação sobre como o padre de olhos azuis únicos tivesse que ser interrompida. Eu deveria estar ali para discutir detalhes sobre o meu casamento e não cometer pecados luxuriosos ao imaginar como aquele padre ficaria com jeans e camiseta, sem aquele traje negro e sisudo que eu nem ao menos sabia como se chamava.
- Poderia se dizer que sim.
Assim como eu poderia dizer para que ele me chamasse pelo nome, mas não confiava em mim mesma se por algum acaso ouvisse o som do meu nome pronunciado por aquela voz tão rouca. Melhor que ele continuasse se referindo a mim pelo sobrenome, apesar de eu odiar aquele tipo de formalidade.
- Jared é um antigo membro dessa igreja. Foi batizado e confirmado naquele altar. - disse apontado para a direção onde supostamente deveria ficar o altar. - Apesar de ser novo na paróquia, estou muito feliz por realizar mais uma etapa sacramental na vida de Jared.
Assenti, olhando para o relógio, depois para as pilhas de livro na estante que ficava mais perto de mim, decidida a prestar atenção em qualquer coisa que não fosse o padre à minha frente e a sensação completamente nova que começava em meu interior. Como eu poderia lidar com algo que eu sempre esperara sentir e me viera justamente no pior momento? Eu ignoraria.
Certo. Eu só tinha de ignorar.
Eu só deveria não prestar atenção ao fato de que o homem tinha malditas sardas perto do nariz e que elas o faziam parecer adorável ao mesmo tempo em que seu maxilar anguloso o fazia parecer másculo, num contraste que era digno de ser reproduzido artisticamente.
- Candice disse-me que você é agnóstica, tem certeza de que quer realizar o seu casamento em uma igreja católica?
Honestamente, eu não acreditava nem mesmo de que realmente gostaria de me casar. Eu não tinha a mínima idéia do que deveria fazer em relação àquele casamento. Existiam vários fatores favoráveis a ele. Eu deveria me casar com Jared, sim, ele era seguro, confiável e se importava comigo. O que mais eu poderia querer?
Um amor verdadeiro?
- É o que o Jared deseja. É importante para ele, então não vejo nenhum problema nisso.
Padre O'Callaghan sorriu e senti o meu peito se apertar de uma maneira inédita, fazendo com que eu abaixasse a cabeça para não permitir que ele visse a reação que um simples esgar de lábios havia me proporcionado.
- Ouvi dizer que as noivas geralmente faziam desse dia o mais especial possível para elas.
- Será especial para mim, contanto que Jared esteja feliz.
Um novo sorriso me fez prender a respiração enquanto ele apoiava as duas mãos em cima da mesa, levando meus olhos a se focarem naqueles dedos longos onde um rosário, ou ao menos era como eu achava que se chamava aquela infinidade de contas unidas, estava preso em seu pulso e aninhado entre seus dedos grandes.
- É maravilhoso que pense dessa forma, Srta. Samuels e é exatamente por isso que marcamos esse encontro. Uma vez que não é praticante da religião católica e provavelmente não tenha comparecido em nenhuma celebração da santa missa, Candice demonstrou um pouco de insegurança quanto ao andamento da cerimônia.
Seria uma surpresa se Candice não estivesse insegura com nada. Na verdade, o fato de meu celular não haver vibrado nenhuma vez dentro de minha bolsa se devia apenas ao fato de que ela sabia que eu estava me encontrando com o Padre O'Callaghan e jamais seria capaz de importunar uma reunião com um padre. Do contrário, a minha futura sogra me ligava ou mandava e-mails sobre qualquer vão detalhe da cerimônia.
Apesar de as escolhas supostamente terem de ser feitas por mim, Candice fazia questão de ter uma palavra sobre qualquer coisa, não importando quão ínfima fosse. Evidente que ela teria algo para dizer sobre a cerimônia.
- Creio que ela tenha razão, não me recordo de haver participado de uma missa antes.
Nem a qualquer tipo de celebração religiosa, na verdade. Minhas crenças diziam respeito a uma força maior, que poderia ser Deus, Alá, Buda ou fosse como preferiam nominar, e eu acreditava que essa tal divindade era responsável por todas as mudanças e realizações em nossas vidas. Sem desrespeitar, em qualquer momento, qualquer outra religião, até admirava as pessoas que acreditavam e seguiam dogmas que eram basicamente vitais para eles mesmos.
- Por esse motivo, Candice teme que algo dê errado por você não conhecer os ritos de uma missa.
Suas mãos se moviam em cima da mesa e eu tentei desviar o olhar, tentando desesperadamente não prestar atenção nelas. Aquelas mãos eram grandes, compridas, perfeitas. E o arrepio que me percorria ao admirá-las poderia se classificar como várias coisas, exceto como decente.
- Estou disposta a aprender o que for necessário, Padre. É importante para Jared e sua mãe que essa cerimônia seja perfeita.
- E é importante para você, Srta. Samuels?
Deveria ser. Era o meu casamento. O momento mais importante da vida de uma mulher, segundo haviam me dito. Um rito de passagem da vida de solteira para a de casada, onde várias coisas mudariam, a começar pelo meu sobrenome. E eu tinha tanta sorte em me casar com um homem bom como Jared. O meu casamento deveria ser importante para mim. O bom andamento daquela cerimônia deveria ser a minha maior preocupação.
No entanto, ao invés de pesquisar sobre flores e cores de batom que combinariam com o meu véu, eu estava procurando sobre estágios do amor e realizando testes online para descobrir se havia a possibilidade de eu vir a me apaixonar por Jared ainda no primeiro ano de nosso casamento.
- Sim. - menti, já sentindo a consciência ficar ainda mais pesada.
Não bastava desejar o Padre. Não, eu ainda tinha de mentir para ele. Dentro da igreja. O meu lugar no inferno, se este realmente existisse, já estava garantido e assegurado.
- Gostaria então que viesse para a missa deste domingo, Srta. Samuels. Não como uma fiel. - algo no som da sua voz fez com que meus olhos traidores se levantassem para o seu rosto e seu sorriso aberto e sincero estava ali mais uma vez para mexer com todas as minhas estruturas. - Compreendo que possua suas próprias crenças e as respeito, mas seria uma ótima oportunidade para observar a dinâmica da celebração antes que eu lhe explique sobre ela mais a fundo.
- Seria ótimo.
Minha resposta acompanhou uma olhada insistente em meu relógio, querendo deixar claro, ainda que discreta e educadamente, de que a nossa reunião já havia tomado muito do meu tempo. O que era uma mentira. Trabalhar no setor imobiliário garantia horários flexíveis, mas as minhas reações às palavras e o simples respirar do Padre O'Callaghan estavam me deixando desconfortável o bastante para querer sair daquela igreja tão rápido quanto possível.
- Sinto que esteja tomando muito do seu tempo, não?
- Eu sinto muito, Padre, mas realmente preciso comparecer a outro compromisso.
- Eu compreendo, senhorita Samuels. Eu a levarei até a entrada, na esperança de que realmente venha à missa. Gostaria muito de vê-la entre os fiéis.
E eu adoraria vê-lo uma vez mais, mesmo sabendo que esse era o último pensamento que eu deveria ter. Eu sabia o quão errado e pecaminoso era o rumo que minha imaginação tomava, no entanto, não havia nada que eu poderia fazer enquanto o padre abria a porta e deixava, mais uma vez, que eu passasse em sua frente.
O seu cheiro me cercou uma vez mais e dessa vez, a sensação foi ainda mais forte. O seu corpo não estava posicionado como antes e por isso nossos corpos praticamente se roçavam, os tecidos de nossas roupas realmente se tocavam e naquele momento foi como se uma descarga elétrica abalasse todo o meu ser. De cima a baixo. Por inteiro.
Porém, eu não havia sido a única afetada.
Os olhos do Padre, aqueles olhos únicos e esplêndidos estavam fixos em mim, um tanto arregalados e brilhantes, sua respiração, até então normal, estava alterada, eu via o seu peito subir e descer tão rapidamente quanto o meu. Nossos rostos estavam corados e estávamos tão próximos que era possível avaliar de perto o que aquela atração desconhecida e completamente indevida nos proporcionava.
- Srta. Samuels... - meu nome saiu como uma prece de seus lábios e fechei os olhos, por instinto. Era errado, era completamente e totalmente descabido, mas ainda assim, aquelas sensações eram boas demais para que eu pudesse abrir mão delas. Ainda mais agora que eu podia sentir que não era a única que estava passando por aquele momento tão surreal. - a senhorita... deveria...
Meus lábios se entreabriram. Ainda que fosse vários centímetros mais alto que eu, o rosto do Padre se encontrava tão perto que quase podia sentir o seu hálito de encontro à minha pele.
- Eu deveria ir.
As palavras deixaram a minha boca de repente e me apressei a atravessar a porta, tomando uma distância segura para que aquela química que parecia tão avassaladora, parar de nos atrair daquela maneira.
- Acredito que deva, sim.
Sua voz estava ainda mais rouca e seus olhos quase se prenderam nos meus mais uma vez, mas minha consciência decidiu finalmente se mostrar mais forte que meus desejos e fez com que meus pés me levassem para a nave da igreja, onde olhei mais uma vez para o enorme crucifixo em frente ao altar, com um ar de pesar.
Se era ao Deus católico ou às minhas divindades sem nomes que eu deveria creditar o fato de que eu finalmente sentira a atração que eu sempre desejara sentir, eu não sabia. Mas precisava descobrir logo, para direcionar minhas orações e avisar que o homem escolhido era completamente errado.

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