Capítulo VI

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Eu não deveria utilizar o computador do trabalho para pesquisas que não tivessem relação ao mercado imobiliário. Ou ao menos isso era o que o código de conduta dizia. Recentemente eu vinha fazendo tantas coisas moralmente duvidosas que nem me importei em ultrapassar ainda mais a linha entre certo e errado.

Várias abas sobre amor verdadeiro e casamento foram abertas durante o dia, mas nenhuma delas fez com que meu coração se aquietasse. Havia uma confusão grande demais dentro de mim e nada do que eu fazia era capaz de acalmá-la.

Sonhar com o Padre O'Callaghan também não fora de grande ajuda. Em minhas fantasias não havia inibições de nenhuma das partes. Tudo era calor, toque, energia se mesclando entre nossos corpos, ruídos ecoando e emoções se avolumando, tudo tão bom e certo que parecia real.

E então eu acordara e havia um post it no despertador com um simples "eu te amo" que fez com que a culpa, por meu inconsciente me levar a sonhar tais coisas, aumentasse vertiginosamente.

Esta era a razão para que eu estivesse dirigindo sem pensar pelas ruas de Seatle, esperando que o trânsito e a vida seguindo o seu rumo me ajudassem a acalmar meus pensamentos. Desde os dezesseis anos, quando eu recebera a minha carteira de motorista, aquela era a forma mais eficaz de fazer com que eu relaxasse e pudesse organizar meus sentimentos da maneira mais objetiva que eu fosse capaz.

No entanto, quando me vi estacionando em frente à Igreja de São Germano, vi que seria impossível colocar ordem num caos daquela proporção. Eu deveria estar escolhendo flores, experimentando pela última vez o meu vestido, fazendo decisões que levariam o meu casamento a ser o mais maravilhoso que todo o estado de Washington já vira. O que diabos, então, eu estava fazendo ali?

Meu corpo coordenava a minha mente. Essa era a explicação plausível para que eu descesse do carro e andasse em direção a maravilhosa construção de pedra. Eu nem poderia dizer que estava ali para discutir detalhes com Candice porque todos os pormenores haviam sido resolvidos por email naquela manhã.

Então o que eu estava fazendo ali?

A igreja estava silenciosa como eu gostava, destoando completamente do meu interior. O céu nublado impedia os vitrais de mostrarem todo o seu esplendor, mas ainda assim, eram maravilhosos e davam àquele espaço uma sensação de conforto que era impossível explicar a alguém que jamais colocara os pés na Igreja de São Germano. Era algo que ia além de fé, além de arte. Era ainda mais profundo.

No primeiro banco, na fileira do meio, bem em frente ao altar, estava a figura vestida de negro. A razão não mencionada para que eu estivesse ali. Seus lábios se mexiam sem parar, ainda que nenhum som deixasse sua boca, era possível saber que ele estava rezando mesmo de longe. Suas mãos estavam postas diante de seu rosto, seus joelhos estavam no chão. A contrição era obvia e ao invés de me encher de culpa, me encheu de admiração.

Vi-me ali, parada diante do banco, observando a forma como seus lábios pronunciavam palavras às quais eu era surda, observando sua testa se vincar enquanto ele dava tudo de si em sua oração, pedindo ou agradecendo, conversando com o seu Deus. E ele nunca me parecera mais bonito.

Era como observar um artista a pintar uma tela, um escritor diante de folhas com sua caneta em punho. O talento era perceptível, o chamado era latente. Aquele homem havia nascido para aquele propósito. Eu o havia visto no dia anterior, eu vira como ele era um instrumento da fé, como era perfeito como padre. E ainda assim, ali estava eu, pronta para corrompê-lo se tivesse a chance, pronta para errar e pecar ainda que soubesse como isso era terrível.

Observá-lo, admirá-lo à distância como eu estava fazendo, não tinha mais nada a ver com o desejo, não eram os resquícios do sonho que me levavam a encará-lo com ternura. Era ver o quão dedicado ele era ao seu chamado. Algo que eu nunca sentira ao ouvir Jared falar sobre o direito.

Forgive My SinsOnde histórias criam vida. Descubra agora