Capítulo 1 - Uma visitante inesperada

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Ela se sentou no banco da praça e olhou as folhas mortas caídas no chão. O dourado outonal resplandecia e as folhas tornavam-se avermelhadas confundindo-se com o poente. Soprava um vento leve e fresco, quase frio. Havia muitas pessoas na rua, mas ninguém percebia sua presença. Nem mesmo um morador de rua, que passara muito próximo a ela, sequer dirigiu-lhe um olhar insinuando o desejo de receber alguns trocados. Provavelmente, ele tinha o pensamento distante dali, pois seu semblante trazia uma expressão de languidez que não deixava claro se era preguiça, tristeza ou melancolia. Ela o acompanhou com os olhos enquanto ele caminhava vacilante pela praça. – Talvez estivesse alcoolizado – o que ela não estranharia, pois, muitos moradores de rua recorriam ao vício para suportar o abandono no qual viviam, enquanto outros eram levados à mendicância justamente pelo vício, que os fazia perder tudo: o emprego, os bens, a família, os amigos, a dignidade e, finalmente, a esperança. Ele trazia um enorme saco pendurado às costas, tão sujo quanto suas roupas e ele próprio. Os pés descalços estavam imundos, assim como seu cabelo que, pela falta de asseio, havia se tornado um grande emaranhado de fios negros e acinzentados embolados entre si. – Dificilmente seria possível pentear novamente aquele cabelo – ela pensou –, mesmo que fosse lavado com muito xampu e massageado com um tubo inteiro de creme de pentear! – Em seguida, ela reparou que a pegada do pé esquerdo dele deixava uma pequena mancha de sangue e que ele mancava com esse pé. – Então, esse deveria ser o real motivo pelo qual ele andava cambaleante. Era provável que tivesse pisado em algum objeto cortante e que, talvez, ainda estivesse com ele ou parte dele enfiada no pé – concluiu. – Ela continuou a observá-lo e à medida que o homem se distanciava, tentava imaginar os motivos que o teriam levado a viver nas ruas. – Teria ele nascido assim, embaixo de uma marquise? Será que nunca tivera um lar de verdade? Uma cama quentinha? – Questões como essas começavam a incomodá-la. Seus pais eram dedicados às causas sociais e durante toda a sua infância e adolescência ela se rebelara pela ausência deles, considerava-os omissos, achando que não se importavam com ela e que amavam muito mais aos estranhos do que à própria filha. Olhando, agora, aquele homem, que já se encontrava do outro lado da praça e que mais parecia um cachorro sarnento abandonado do que um ser humano propriamente, sentiu-se ingrata e imatura. Durante muitos anos comportara-se mal e magoara muito seus pais que, apesar de tudo, nunca lhe dirigiram palavras que não fossem amorosas. Sentindo os olhos marejados e o coração apertado pelo remorso, tentou desviar o pensamento.

Ela estava agora reparando na revoada de pássaros que ruidosamente buscavam os galhos das árvores a sua volta, sinalizando que o final da tarde chegara e que, logo, logo, seria noite. Tentou se concentrar, mas a própria paisagem se misturava ao turbilhão de sentimentos que disputavam a prioridade de seus pensamentos e dificultavam qualquer decisão. Não podia definir o que sentia, assim como não podia saber o que fazer. Olhou as folhas movendo-se numa coreografia ensaiada desde o início dos tempos. Cada folha seca sabia o seu passo, a sua hora de mover-se e com qual ou quais outras folhas deveria contracenar. Desejou ser uma delas, continuar sua vida sem ter que tomar decisão alguma, apenas entregar-se à natureza que se encarregaria de conduzi-la em seu papel.

Não sabia há quanto tempo estava sentada ali, nem mesmo como chegara até ali, mas sabia que precisava procurar um lugar aonde ir. Que não fosse a sua casa, nem a casa de nenhuma pessoa conhecida. Abriu a bolsa, pegou a carteira e contou mais uma vez quanto dinheiro tinha. Aquele era todo o dinheiro que possuía. Havia acabado de sair do banco, de onde retirara até o último centavo. Mesmo assim, não havia o suficiente para sustentar-se por um mês ou, pelo menos, para manter o mesmo padrão de vida por um mês. Lembrou-se, então, que estava em uma movimentada metrópole, em um bairro com altos índices de violência e que já havia sido assaltada três vezes naquelas redondezas. Olhou em volta, tensa, procurando pistas de alguém que pudesse estar lhe observando. Ao mesmo tempo, guardou apressada a carteira dentro da bolsa e a colocou no colo, abraçando-a como se ali estivesse a única saída para a decisão que não conseguia tomar.

O Portal de Anaya - Livro 1 - A OrigemOnde histórias criam vida. Descubra agora