Capítulo 16 - Na aldeia das fadas

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Na aldeia das fadas

A Rainha Zerda estava sentada à cômoda, alisando suas longas orelhas diante do espelho, enquanto sua criada terminava de arrumar seus cabelos cor de areia em um penteado montado sobre sua cabeça. As mãos da criada tremiam e percebia-se o suor em sua testa. Só naquele ano, ela era a quinta criada da rainha. Todas as outras haviam sido mortas de forma cruel por terem-na desagradado em algum momento. A última, uma jovem órfã, foi decapitada em praça pública depois que uma mecha do cabelo da rainha desprendeu-se do penteado enquanto ela fazia compras em um dos mercados mais badalados de Wicnion.

Além da criada, havia mais três escravos no quarto para cuidar dos enormes baús que a Rainha Zerda trouxera com seus pertences pessoais. Era a segunda vez que o Rei Rufus a convidava para uma temporada em seu castelo. Na primeira vez, o episódio com a fada, que despencara sobre a mesa durante o jantar, deixara-a profundamente irritada, mais do que o normal, levando-a a cortar a língua de uma escrava que a ajudara a se desvencilhar do vestido sujo de vinho, somente porque a infeliz criatura declarou que seria muito difícil remover a mancha escura do tecido claro.

Percebendo que uma gota do suor da criada caíra sobre o dorso de sua mão, a Rainha Zerda preparava-se para determinar o castigo de sua serviçal, quando, para alívio da aterrorizada criada, a porta do quarto se abriu abruptamente surgindo a figura ruiva e de olhos amarelados do Rei Rufus.

A Rainha Zerda levantou-se derrubando a criada no chão, passando por cima dela e pisando-a como se fosse um tapete, sem se importar que o salto fino de seu sapato a furasse dolorosamente.

- Rei Rufus, como ousa entrar em meu quarto sem se anunciar antes? É assim que trata suas visitas, negando-lhes o direito à privacidade? E se, por um acaso, eu estive em trajes inapropriados para uma rainha ser vista em público? Considero sua postura uma ofensa e uma invasão, como se eu estivesse em meu próprio castelo! – A rainha se virou para aumentar a distância entre ela e o rei e percebeu sua criada no chão. Dirigiu-se, então, a ela, descarregando toda sua indignação com o comportamento inadequado do Rei Rufus, chutando-lhe o rosto com a ponteira de metal do seu sapato. – Levante sua inútil! O que acha que está fazendo aí no chão criatura estúpida?

A criada se arrastou sentindo o sangue quente correr-lhe do nariz e esforçando-se para sugá-lo com a própria boca, pois sabia que se a rainha visse gotas de sangue no chão, isso a deixaria ainda mais propensa a surrar-lhe.

O rei, ignorando a cena, mas tentando acalmá-la para o bem dele mesmo, reverenciou-a e, de cabeça baixa, dirigiu-lhe a palavra com a voz mansa e gentil:

- Rainha Zerda, peço perdão pela invasão aos seus aposentos. Reconheço minha falta de educação ao roubar-lhe a privacidade. De modo algum, eu quero que pense que este é o tratamento que dou aos meus convidados, especialmente a uma nobre e elegante dama. No entanto, é do seu conhecimento que lhe direciono os mais profundos sentimentos e que tencionava pedir-lhe em casamento durante nosso último jantar. Por esse motivo, assumo a culpa do constrangimento que lhe causei por conta daquela criatura inferior que lhe colocou em uma situação tão desagradável e lhe imploro que me dê uma chance para que eu possa me redimir.

- Uma chance para se redimir? De que forma? – A rainha caminhou até a cômoda e sentou-se novamente diante dela.

- No dia seguinte àquele jantar, – disse o rei erguendo-se – ao perceber sua ausência durante a refeição matinal, imaginei o tamanho de sua decepção e que, possivelmente, teria regressado ao seu reino sem me dar sequer um adeus.

- Foi exatamente o que eu fiz. – ela disse com desprezo.

- Por isso, convidei-a novamente, para que pudéssemos ter uma nova chance. Aceite os presentes que escolhi, pessoalmente, para lhe agradar. Veja!

O Portal de Anaya - Livro 1 - A OrigemOnde histórias criam vida. Descubra agora