[Louis] Car Radio

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twenty øne piløts
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car radio

Silêncio. Um banheiro escuro. O chão frio de azulejos azuis marinhos em contato com meus pés descalços. Minhas mãos tremiam. Eu as fechava e abria nervosamente em um gesto desesperado em busca de calma. Fui idiota por achar que aqueles pensamentos não apareceriam. O mesmo silêncio violento. O mesmo silêncio que existia no meu carro estava naquele momento entre aquelas quatro paredes, gritando em meus ouvidos. O mesmo silêncio que arrancava minhas angústias quando eu sentava na frente do volante, tentando com todas as minhas forças manter a calma. Era o mesmo silêncio que eu costumava preencher quando o rádio do meu carro não tinha sido roubado. Era o mesmo silêncio que seria inexistente se algum som chegasse aos meus ouvidos.

Porém, lá eu estava. Encolhido com medo daquele silêncio violento. Ele me trazia lembranças, das quais eu preferiria não lembrar. Ele me trazia sonhos, nos quais eu preferiria não acreditar. Ele me trazia pensamentos, os quais eu gostaria de ignorar. Ele me fazia estremecer. Tanto quanto soluçar e levar as mãos ao rosto em um gesto aterrorizado. Ele fazia com que minhas mãos tremessem. Fazia com que a realidade me encarasse diretamente nos olhos. Fazia com que eu quisesse sumir. Aquele silêncio me rodeava porque alguém tinha roubado o rádio do meu carro e eu apenas estava sentado em silêncio.

Mordia os lábios de maneira nervosa enquanto minha mente tentava encontrar a razão da minha existência, tentava entender o que era a vida, tentava achar sentido em meio àquele caos. Estar acordado naquele silêncio significava estar vivo e estar vivo era tentar achar meu espaço no mundo. Porém, que parecia não existir, porque nada fazia sentido quando o silêncio gritava em meus ouvidos. Engoli em seco, me encolhendo contra a parede. Minhas costas estavam pressionadas contra a porta do armário, tão diferente do estofado do carro, no qual eu costumava passar horas quando meu rádio ainda não tinha sido roubado. A parede fria fazia com que o calor se esvaísse do meu corpo aos poucos.

Meu corpo. Era simplesmente um amontoado de células. Um conjunto de sistemas lutando a cada dia para me manter vivo. No fim, seria aquilo que explicaria minha existência, minha essência, sequer ela existisse. Apenas um conjunto de células, estruturas microscópicas. Apenas mais um conjunto de células dentre outros bilhões. Um ser insignificante no meio de tantos outros. Um ser cuja essência era massificada. Alguém que, por alguns poucos anos, usufruiu do oxigênio. Alguém que inalou as bases de uma sociedade problemática. A minha existência não fazia sentido quando a única certeza que eu tinha era de que eu seria reduzido a pó. Matéria orgânica. Minhas células não seriam mais as responsáveis por me fornecer matéria orgânica para me manter vivo, já que eu mesmo me transformaria nela.

Era patética a mesquinhez humana. Era patético o ponto a que a sociedade havia chegado. Era inútil discordar da doença que afetava a mente humana. A doença que me obrigava a levantar todos os dias e produzir. Produzir em troca de papéis impressos com um valor neles. Vender minha força para que produtos alimentassem as vitrines e, consequentemente, a sede por consumo. Produzir. Fazer dinheiro. No meio daquele caos, tinha certeza de que minha essência havia se perdido. Tinha certeza, porque quando me perguntava, em meio àquele silêncio violento, quem eu era ou por que estava naquele mundo, não conseguia achar nenhuma resposta. Eu não tinha pedido para estar vivo. Ninguém tinha me perguntado se eu queria fazer parte daquele mundo doentio.

Minha mente dava voltas em torno daqueles pensamentos, que eu preferiria ignorar se eles não explodissem na minha mente, se eles não insistissem em existir. Se o rádio do meu carro não tivesse sido roubado, eu não estaria sentado naquele silêncio. Um soluço escapou dos meus lábios. Levei as mãos à garganta ao notar o quanto ela doía por eu ter engolido meu choro tantas vezes. Notei, naquele momento, o quanto a dor era o que me definia como ser humano. A dor física. A dor na minha garganta. A dor nos meus ouvidos surdos pelo silêncio. A dor nos meus lábios por tê-los mordido tantas vezes. A dor nos meus olhos por tê-los apertado em tentativas falhas de enxugar lágrimas que nunca escorreram. A dor nos meus dedos do pé causada pelo frio. Engoli em seco. Assim como as dor física, a dor emocional era incontrolável. E tomava conta do meu corpo. E fazia com que eu estremecesse. E quisesse chorar. E gritar. Gritaria se o silêncio não me impedisse de emitir sons. Gritaria se o silêncio violento não me ensurdecesse. Gritaria se eu ainda tivesse garganta para aquilo. Gritaria se alguém fosse me ouvir.

Ninguém iria me ouvir. Porque o rádio do meu carro tinha sido roubado e eu estava apenas sentado em silêncio. O silêncio que me consumia de todas as maneiras. Puxei minhas pernas para perto do meu corpo, apertando-as contra meu peito. Eu não queria estar ali. Queria ter forças suficientes para me controlar. Controlar meus pensamentos e me livrar daquela angústia. Queria que aquele silêncio violento se transformasse no silêncio calmo das horas dormidas. Queria poder dormir sem a ajuda de remédios. Queria não ser tão problemático em um mundo já tão problemático. Porém, em um mundo como aquele, o destino da sociedade era preestabelecido e totalmente evidente. Éramos programado para nascermos problemáticos, para sermos insignificantes perante tantos outros, para sempre nos preocuparmos com a opinião dos outros. Nunca nos ensinavam a ser nós mesmos e sim, apenas mais um elemento das massas. Nos ensinavam a consumir. Nos ensinavam a sempre desejar ser o outro. Nos ensinavam a nos desvalorizar. Porém, apesar de tudo, insistiam em nos ensinar a crescer sem medos, quando, na verdade, crescíamos apavorados com o que poderíamos vir a ser se não seguíssemos padrões. Nos ensinaram que crescer era evoluir, porém, tudo que eu via ao meu redor não tinha sinal de evolução algum. Eu era inseguro. Era estressado. Era triste. Fraco. Ao mesmo tempo que não era nada. O ser e o não ser entravam em constante conflito dentro de mim, travando batalhas em minha mente, às quais eu tinha desistido de tentar controlar.

-- Insignificante... -- minha voz rouca arranhou minha garganta.

Fechei os olhos, apertando as pálpebras quando mais um soluço escapou dos meus lábios. Sentia a raiva subir pelas minhas veias, gritar dentro de mim. Passei as mãos pelo rosto, respirando fundo. Entrelacei os dedos no meu cabelo, puxando-o com força. Queria ser forte. Solucei mais uma vez. Não queria viver. Outro soluço. Precisava do rádio do meu carro de volta. Um choramingo abafado. Queria sumir. Mordi os lábios. Um grito estava preso na minha garganta. Ela doía impossivelmente. Minha cabeça latejava. Solucei novamente, descontroladamente.

Gritei.

Gritei até que meus pulmões não aguentassem mais. Gritei até que ficasse tonto. Gritei tão violentamente que sentia minha garganta sangrar. Gritei até que toda a angústia deixasse meu corpo, assim como a raiva. Me encolhia impossivelmente contra a parede enquanto o grito estrangulado saía de dentro de mim. Enfiava o que restava da minhas unhas com força nas minhas pernas, as quais eu abraçava desesperadamente, como se fossem minha única esperança no mundo. Meus pulmões doíam. Minha cabeça latejava. Eu ofegava e chorava. Minha garganta queimava e o gosto metálico do sangue estava impregnado na minha boca. E o rádio do meu carro havia sido roubado.

Tremendo, me levantei de onde estava sentado havia horas. Soquei o espelho à minha frente com tanta força que não foi necessário mais do que aquele golpe para que ele se partisse e cortasse meus dedos. Meu reflexo desconfigurado mostrava exatamente meu interior. Mostrava o caos dentro de mim. E o silêncio violento novamente me ensurdecia. Olhei de relance para o vidro com comprimidos em cima da pia enquanto sentia o sangue quente escorrer pelos meus dedos já um pouco inchados e vermelhos. Arranquei a tampa violentamente do frasco e tirei dois comprimidos de dentro. Encarei-os sobre a palma da minha mão. Era patético. Patético o fato de que remédios eram o que me controlava, eram a única coisa que me fazia dormir e me livrar daquele silêncio agonizante. Com a mão livre, sequei algumas lágrimas que tinham escorrido pelo meu rosto enquanto eu soluçava silenciosamente.

Engoli em seco e coloquei os comprimidos embaixo da língua, dirigindo umas das mãos até a torneira. Respirei fundo, deixando que a água gelada escorresse pelos meus dedos. Esfreguei-os de leve para limpar o sangue que as sujava, estremecendo quando tocava nos machucados. Em seguida, juntei minhas mãos, enchendo-as de água, levando-as até minha boca. Engoli os comprimidos com dificuldade, porque minha garganta não os aceitava. Tudo ardia dentro de mim. Olhei meu reflexo mais uma vez no espelho. Eu não queria estar ali. Aquele silêncio violento me destruía cada segundo a mais que eu encarava meu reflexo distorcido. E tudo aquilo porque o rádio do meu carro tinha sido roubado.

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