Revelações

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Fico sem chão quando ele profere aquelas palavras. O que poderia o Circulo ou o Valentine ter a ver com os meus pais? E por quê ele só me está a contar isto agora?

Sinto os olhos a ficarem mais embaciados pela ansiedade que sinto.

- Os meus pais? – A mágoa toma-me a voz por completo.

- Acho melhor falarmos num sitio mais sossegado. – Diz-me ele e, pela primeira vez, não o afasto quando ele coloca uma das mãos nas minhas costas.

Deixo-me ser guiada por ele até uma das poltronas que se encontram em frente da lareira. Em cima da pequena mesa, que se encontra no meio dos sofás, está um livro parecido com um álbum de fotografias.

O Hodge faz-me sentar e segue-me depois o exemplo. Ele está chocado com a minha reação. Também, quem não ficaria? Acho que a ultima vez que isto me aconteceu foi quando os meus pais morreram.

Ele agarra o livro e saca de uma foto antiga do meio dele. Foca-a durante um tempo e depois, com os olhos cheios de compreensão, entrega-ma virada para baixo.

As minhas mãos estão a tremer mas isso não me impede de agarrar a fotografia. Quando a viro para cima, os meus olhos embargam-se e sinto o meu interior a desmoronar-se. Ela é antiga, vê-se pelas marcas do tempo que se encontram nas bordas, e está a preto e branco retratando um grupo de jovens mais ao menos da minha idade, talvez mais velhos. Consigo distinguir uma rapariga que parece ser a mãe da Clary, Jocelyn. Ao seu lado encontra-se um rapaz esbelto que está abraçado a ela, calculo que seja o tal de Valentine. Um outro rapaz está do lado direito de Valentine, e este eu demoro mais tempo a reconhecer como sendo o Luke. Dos outros jovens são poucos o que reconheço. A Maryse e o Robert estão também na fotografia com o Hodge do lado oposto. E depois, ao lado de Maryse, encontra-se um casal: uma mulher com o cabelo negro entrançado e olhos azuis que está às cavalitas de um outro rapaz com os cabelos castanhos e os olhos cinzentos.

Começo a hiperventilar. Os meus pais eram aqueles dois jovens, eu reconhecia a beleza da minha mãe e a feição do meu pai. Mas se eles estavam naquela foto, isso só significava uma coisa: os dois tinham pertencido ao Circulo, o responsável pela morte de vários Caçadores das Sombras e Habitantes do Mundo-à-Parte.

- Eu temia como podias reagir se eu te mostrasse isto. – A voz do Hodge parecia-me distante, como se eu estivesse a quilómetros dele. – Os teus pais quiseram proteger-te dos erros que cometeram no passado.

A mágoa que sinto dentro de mim começa a revolver-se no meu estômago, subindo-me depois até à boca.

- Por quê? Os meus pais? Porquê eles estavam neste grupo? – Sinto os soluços a formarem-se na minha garganta mas consigo conte-los.

- Nós não fazíamos ideia em como o Valentine nos estava a enviar para o fundo de um poço. – Ele mira um pouco a foto e a seguir volta a falar comigo. – Naquela altura ninguém percebia que o ideal do Valentine era um completo extermínio desnecessário.

Acaricio a imagem dos meus pais, felizes por estarem um com o outro e com os amigos. Já pouco me lembrava de ver essa expressão nos rostos, desde que eles tinham morrido.

- Os teus pais saíram a tempo e conseguiram avisar a Clave de um possível plano do Valentine, mas a Clave não acreditou neles. Por tanto eles acharam que era mais seguro que crescesses no mundo dos mundi até que o Circulo se desvanecesse e tu pudesses tornar-te uma caçadora.

A voz dele transmitia pesar, e então ele levantou-se da poltrona indo até à janela, sempre seguido pelo meu olhar, recebendo os raios solares no cabelo já grisalho e nas penas lustrosas de Hugo.

- Hodge. Tu não me escondeste isto só por causa de os meus pais me quererem proteger. – Ela virou-se para mim, com o olhar espantado, e o Hugo levantou voo. – Há algo mais. Algo que tu não queres que eu saiba porque pensas que eu vou fazer um disparate.

Cidade Dos Ossos - Vista Por Outros OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora