A verdade

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- Lauren? Lauren, és tu?

Não respondo a quem quer que me chama, nem me dou ao trabalho de reconhecer a quem pertence tal voz. Em vez disso, gatinho até ao meu pai, em meio de soluços e dores na nunca e no ombro, acariciando-lhe a face áspera e pálida

- Papá... - Murmuro, permanecendo ao lado dele e ensopando a minha roupa com o sangue que ainda escorre abundantemente da chaga onde o perfurei com a espada. Ela, por outro lado, mantém se ereta, como eu sempre deveria ter ficado em relação á minha decisão de libertar os meus pais desta maldição. Se eu tivesse feito isso, então provavelmente, agora, não estaria a passar por tamanho sofrimento.

- Lauren, eu sei que estás aí. – As palavras de quem fala parecem transmitir nervosismo. – Se não me deres uma estela para partir esta porta, eu arranco-a das dobradiças e levas com ela na cabeça!

Os meus sentidos começam a querer despertar do sono em que se colocaram quando eu desferi o golpe no meu pai. Não consigo deixar de olhar para o cadáver dele, de me lembrar das suas últimas palavras antes de começar a perder o controlo de novo. Suponho que nunca, no resto da minha vida irei-me esquecer de tais imagens.

- Lauren! – O grito que se segue é o que finalmente faz com que eu acorde para o mundo real, que não parece tão agradável como aquele em que a minha mente se tinha enfiado.

Levanto-me mas sinto as pernas entorpecidas e a visão embaçada por tanta perda de sangue, embora consiga ir até à porta para traçar a runa do fogo que derrete a fechadura da porta de metal em menos de um segundo, fazendo com que um buraco do tamanho do meu pulso permita à Briana abrir a porta. Ela apenas empurra a porta com alguma brusquidão e entra um pouco aos tropeções antes de se deparar com a minha cara, que deve estar assustadora pelo modo como ela fica chocada.

- Lou...o que aconteceu... - A loira leva uma das suas mãos ao meu pescoço, onde está tudo manchado do líquido espesso que é o meu sangue, mas eu afasto-me, virando-lhe as costas.

Há um pequeno silêncio da parte dela, calculo que a Wayland ainda não está a compreender porque eu estou num estado tão lastimável e com as marcas das lágrimas indisfarçáveis na minha pele, recuando até mesmo ao toque dela com repugnância de mim mesma. Ela coloca-me uma mão no cotovelo e eu fujo de novo, soltando-me da mão dela e procurando, com muita dificuldade, reprimir os soluços que quase me impedem de respirar.

- Não me toques. – As lágrimas voltam-me a embaciar os olhos mas tenho a breve sensação de que não é só culpa delas.

Uma tontura repentina é o suficiente para me fazer fraquejar e bata com os joelhos no chão, levando as minhas mãos ao chão. Tenho pontos de todas as cores a incomodarem-me a visão e depois começo a sentir um leve formigueiro no meu antebraço, o qual reconheço como sendo o de uma estela a queimar-me a pele. O efeito que ela têm é que reprime as poucas dores e o cansaço que tenho, parando também o sangue da minha ferida na cabeça, mas ainda me sinto um traste.

- Pronto, agora Lou conta-me o que aconteceu. – Ela está bastante séria comigo mas não lhe digo nada.

Em vez disso, desvio o olhar e aponto com o braço para o corpo inanimado de forma grotesca que se estende ao comprido do outro lado do pequeno e escuro corredor, o resultado da minha luta. A Briana observa a direção para qual o meu dedo indicador está e então para de respirar por uns segundos, apercebendo-se por fim porque eu estou tão desanimada.

- Oh, Lou. – Espero que ela apenas me esfregue os braços como às vezes faz, nas raras vezes em que estou nervosa, mas desta vez ela abraça-me com força. – Já passou. Ele agora não sofre mais.

Cidade Dos Ossos - Vista Por Outros OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora