Alguém tem que ceder

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Catarina Sanches

Sabe aquela sensação de anestesia depois de chorar por horas? É como me sinto agora, provavelmente deveria surtar de raiva ou chorar muito por causa de toda essa história, mas só me sinto tranquila, sinto-me sem peso algum. Eu realmente entendo o Pedro por não ter contado, eu provavelmente faria o mesmo afinal não estávamos juntos e não era sua obrigação me dar satisfação, mas a sua declaração com juras de amor depois de ter feito (no caso, achar te feito) tudo aquilo com a Carolina, só posso definir como uma puta sacanagem. A Carol é minha amiga, se fosse o contrário eu também não contaria por esse motivo mesmo,  mas ele deveria ter dito antes de falar palavras bonitas, ele não teve escrúpulos, mas não vou ficar estressada com isso, cada um faz o que quer e na hora que quer, pelo menos foi da boca dele que ouvi a verdade, mesmo que tenha sido tarde, foi ele quem me contou primeiro e não vou julga-lo então. 
E sobre a Carolina? Eu não sei nem o que achar ou pensar, o mal que fiz a ela é inigualável, não sei se lidarei bem com o fardo de ter a transformado em uma pessoa parcialmente ruim. Eu fui a pior parte de uma infância que poderia ter sido normal e boa, só que a realidade é diferente e cruel, ela não foi feliz porque eu tentei ajudar e sempre que tenho boas intenções arrumo problemas. Mas os erros dela me magoaram muito também e de uma forma que não será possível esquecer, pois olho no espelho e vejo marcas, fecho os olhos para dormir e encontro meus traumas, não há o que fazer a não ser lidar com tudo e esperar o tempo encontrar uma saída, tudo serviu de aprendizagem e isso é o importante, certo? Eu não quero ficar sendo a boba da história e vê coisa boa onde não tem, vou fazer isso só agora pois acredito na sinceridade da Carol, e espero um retorno agradável ou que pelo menos, não doa muito como todo o resto.

- Concorda comigo, Catarina? _ Professora Luara pergunta algo sobre sua matéria, provavelmente por me ver tão área em sua aula. Depois de resolver nossos conflitos, eu e meu grupo de amigos entramos na biblioteca para assistir a aula de literatura, Rodrigo até queria matar aula, mas eramos maioria. 

- Desculpe professora, o que disse?_ Não vou falar qualquer coisa e fingir que tenho algum conhecimento sendo que não sei do que se trata sua pergunta.

-Existiriam heróis sem os vilões?_ Luara repete sua pergunta.

_Não. _ Digo com convicção. _ Os heróis só existem por causa dos vilões, é preciso os dois para saber definir quem é quem, o que é o bem e o que é o mal.

_ Correto. Existe uma criança e essa criança tem um pai ou uma mãe que lê para ela todas as noites antes de dormir, e em todas as histórias contadas tem o vilão e o herói, sabem o motivo disso? _ Luara pergunta e toa a turma continua em silêncio para ouvi-la. _ Os pais só fazem essa leitura para mostrar que as escolhas nos define, através da história podemos vê o final daquele que escolheu ser bonzinho e final daquele que escolheu ser o malvado, então a criança consegue ver que o melhor caminho a seguir é a do herói. Porém, entretanto, todavia... Todos nós somos os dois, como é possível isso?

_ Porque podemos escolher a todo tempo. Somos os dois, mas nós somos capazes de pensar e praticar, a pessoa ruim faz coisas ruins, mas a pessoa que é boa pode fazer sempre coisas boas e pensar em coisas ruins porque somos os dois._ A Carolina responde, sinto que essa aula está tomando um rumo muito pessoal na minha concepção.

_ E isso nos faz pensar em coisas maiores não concordam comigo? Como saberíamos que estamos em paz se não tivesse acontecido as guerras? Como saberíamos que amamos se não tivéssemos odiado antes, ou vice versa? É possível ser o amor da sua vida se você não pensou em atear fogo nele nenhuma vez? _ Luara brinca e todos riem.

- E se você pensou em jogar fogo mais de cinco vezes?_ Questiono mais alto do que queria, é tão difícil deixar as perguntas apenas dentro cabeça, Catarina? Eu ein.

- Ai nesse caso, os vilões externos estão atrapalhando demais, não acha?_ Luara responde calmamente. Pelo visto estava certa em achar que essa aula iria criar um rumo pessoal demais, que maravilha.

- É, Catarina... Se não deixar os vilões atrapalharem, os mocinhos viveriam bem._ O Pedro rebate, como eu disse ficou pessoal demais e essa era a última coisa que eu precisava, ouvir indiretas não estava nos meus planos hoje.

- Não sei, eu sou a vilã._ Digo tentando mudar o rumo dessa conversa e pelo visto meu comentário foi engraçado até demais, posso deduzir isso pois deixei a turma inteira dispersa, rindo e conversando entre si. Sibilei para professora um pedido de desculpas e saio da biblioteca buscando um ar limpo e tranquilo que lá dentro não é possível, e em preciso respirar um pouco. A professora Luara é extremamente flexível em relação a saídas e liberdade em geral, temos total permissão para entrar e sair de sua aula, mexer no celular e até conversar, mas o último ela não gosta muito, mas no fim todos assistem suas aulas e aprendem o conteúdo pois ela faz com que as matérias interajam com nossos problemas, e na vida em geral.  

Caminho em direção à pracinha da escola e sento-me em uma das mesas e acabo deitando sobre elas. Depois de uns 5 minutos pensando em absolutamente nada, ouço o barulho do salto batendo sobre o chão oco da escola, só pode ser a diretora Morgana. "Me escondo ou penso em uma boa desculpa para estar aqui em horário de aula?"
Minha dúvida vai embora quando vejo atrás dela o topo de um cabelo ruivo que sei bem a quem pertence.

_Lis! _ Corro até minha amiga. A diretora me analisa e como eu imaginava, pergunta o que estava fazendo fora de sala.

_ Eu mandei mensagem avisando que estava aqui, desculpe._ Melissa responde rápido ao ver minha cara de desespero.

_ Celular em sala de aula, Catarina?_ Lis arregala os olhos, sempre tentando ajudar e deixando passar alguns detalhes crucias, como dizem por ai tudo que da errado só acontece porque alguém teve boas intenções.

_ Tudo bem, dessa vez deixaria passar._ Diretora Morgana diz e sai andando me deixando com a Lis que cai na gargalhada.

_ Desculpe por isso, afinal se eu não cometesse alguma mancada não seria eu. E ai? Como você está? _ Lis pergunta.

_ Você apareceu na hora certa._ A abraço e nos sentamos nas mesinhas da pracinha. Conto a ela toda situação que engloba a situação da sala e todos seus antecedentes como a história da Carol e minha enorme culpa em relação aos seus problemas,minha confusão de emoções com Pedro, as declarações e as omissões, e não pode faltar meu trauma por causa do Miguel e ainda a culpa por ele ter a machucado também, afinal o que o Miguel fez não machuca apenas fisicamente, mas acaba com a dignidade, que é bem pior.

_ Eu posso te ajudar com toda essa bagunça. _ Lis sorri de orelha a orelha e só quero ouvir a sua solução magicamente impossível para minha situação.

_ É possível isso?_ Dou um sorriso fraco.

_ Tenho trabalho em São Paulo, três dias pra da um tempo em tudo e abstrair. Fora daqui pode pensar melhor e decidir o que quer fazer, seus problemas estarão te esperando quando você voltar. Por favor, Catzinha, não invente desculpas. 

_ Opa, calminha...Você está me chamando para ir viajar com você?

_ Não diria viagem porque é rápido. E não tem desculpas, não pense tanto só diga que irá me acompanhar.

_Tenho desculpas sim, meus pais não deixariam porque mal conhecem você. _ Agradeço por isso porque não tenho coragem de abandonar tudo mesmo que seja só por três dias.

_ Nisso que você se engana... Já deixaram afinal você precisa de um tempo pra você e eles sabem disso. Vamos, por favor? _ Lis súplica com as mãos juntas como em uma oração acompanhada de uma feição de cachorro sem dono.

DestinadaOnde histórias criam vida. Descubra agora