VI-Zoe

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A primavera oferecia sua beleza à contemplação, como delícias em uma bandeja! Por toda parte haviam novas flores que desabrochavam durante a noite, pequenos arbustos cobertos de frutinhas doces e pássaros...muitos e variados pássaros, que inquietos, faziam ninhos à espera de seus filhotes!

Mas, sempre consciente de que a qualquer momento algum predador pudesse, também vir matar a sede no rio, mantinha minha mente em alerta enquanto caminhava em direção à cachoeira.

O sol deixara a água morna e naquele refúgio, onde havia uma linda lagoa, as pedras em volta formavam a barreira ideal contra olhares curiosos, o que possibilitava um banho tranquilo. Na lagoa da nascente, os animais não vinham, era um terreno mais elevado que o curso do rio de difícil acesso pra eles, geralmente preferiam a parte mais baixa, o vale. Mas não se descuidar da possibilidade de visitantes inoportunos ainda era necessário, afinal, todos em Haloway conheciam e apreciavam a lagoa. Por isso tomava o cuidado de deixar minhas roupas, e meu arco e flechas dentro da gruta que ficava por trás da queda d'água, assim em caso de aparições inesperadas, era só mergulhar e estaria longe de intrusos.

De repente era exatamente o que acontecia, um intruso se aproximava. Zofar acabava de se colocar às margens da lagoa e parecia não ter percebido que não estava só, ou fingia convenientemente, pois começou a tirar suas roupas e estava prestes a se despir por inteiro quando tive que tomar uma decisão rápida. Se o alertasse da minha presença teria que aguentar seus olhares...se eu mergulhasse e fosse pra gruta, me vestiria, mas ainda teria que passar por ele na volta...
_Raios! Intrometido!_disse baixinho antes de mergulhar. Mais que depressa me vestir sem me importar em secar-me. Havia uma pequena passagem pelas pedras que saia na margem esquerda da lagoa sem ter que voltar à água e foi por onde saí.

_Agora que cheguei vai embora?! _disse ele deixando claro que a avistara. _fique não me importo em ser visto por uma linda donzela._brincou sorrindo.
_Não estou interessada em vê-lo, estava muito bem antes de aparecer.
_Hei! Calma...a lagoa pertence a todos!
_Mas, se percebeu que eu estava aqui, poderia ter tido um pouco de bom senso em não se enfiar nela, ainda mais...assim...!
_Rsrsrs...sinto muito, não costumo tomar banho vestido e quanto a vê-la, foi uma pena, mas não vi nada! Pena mesmo...
_Não sabia que desprezava o código. O que acharão do seu comportamento, ele está tirando o meu direito, será que agora uma mulher halowee terá que temer seus próprios guerreiros?
_Eu jamais pensei, nem cometeria tal infâmia contra você... ou qualquer outra mulher!
_Está impondo sua presença...e sendo inconveniente, devo levar isso ao conselho?
_Não será necessário. _disse ele sinceramente._ Se me excedi, peço que perdoe-me, não tive a intenção de ofendê-la.

Deixando para trás um Zofar envergonhado,segui de volta à aldeia.
Todos já estávam de pé e ocupados em seus afazeres. Tudo funcionava como um formigueiro, cada um sabia e executava sua própria função. E no fim do dia o resultado era contabilizado. Mais um dia de vitória sobre os obstáculos naturais da vida.

Não reclamei ao conselho, nem falei a meu pai o ocorrido na cachoeira. Talvez, de agora em diante, Zofar guardasse distância de mim, e pelo menos por um tempo, eu não o teria no meu encalço.

_Você ainda não nos revelou o que deseja como prêmio pela caçada, sabe que pode pedir quase tudo, com tanto que não interfira no direito de outro.
_Pai, vou pensar com cuidado, afinal, tenho tudo que quero bem aqui, você, mamãe...eu poderia até pedir um irmão?_brinquei, dando uma piscada._mas, gosto de como está, ser filha única tem suas vantagens...
_Hum...não sabia que pensava assim...eu e seu pai só não tivemos outros filhos porque não nos foram enviados, mas gostaríamos deter tido.
_Não falo sério mamãe...rs..sim,eu adoraria ter um irmão ou dois...
_Só não posso garantir conceder esse pedido, se o fizesse...rs...não tenho controle sobre a vida.
_Fique tranquila dona Zaira, ainda não sei o que quero.

Minha rede nunca me viu tão inquieta, geralmente dormia muito bem, mas essa noite o sono resolveu criar pernas velozes e bater em retirada!
Já que não conseguiria dormir, resolvi descer e ver se mais alguém estava sofrendo de insônia.

Passei pela sala e a casa estava silenciosa, meus pais dormiam. Abri a janela e o ar da noite trouxe o aroma das flores que enfeitavam o pequeno canteiro cultivado por minha mãe.
Olhei em volta e avistei uma luzinha no estábulo. Quem poderia ser àquela hora?

Destranquei a porta e pegando uma capa, segui o caminho que dava na lateral das cocheiras, assim pegaria desprevinido quem quer que fosse.
Estava frio, apesar de ser primavera, devido a hora, fechei melhor a cumprida capa feita de peles e pus o capuz sobre a cabeça.
Ao entrar, a luz que vi da janela, revelou-se uma pequena lamparina pendurada numa das baias de onde também vinha sons estranhos...como se algum animal estivesse em sofrimento para dar à luz! Será que alguma das éguas estava parindo? Mas, que me lembrasse, nem ao menos havia alguma prenhe!
O barulho esquisito persistia, até que ouvi um risinho e deduzi que não poderia ser um animal.

Estava pronta para dar meia volta e sair dali, quando fui surpreendida por Zofar, que pelo visto, também viera conferir a tal luzinha...
_Shiiii !..._fiz sinal pra fazer silêncio, mas já era tarde demais, como sempre Zofar tinha a sensibilidade de um javali.
_O que faz aqui a esta hora? Com quem estava?

Provavelmente quem quer que estivesse se divertindo na baia, nesse momento desejava abrir o chão e esconder-se.
_Em primeiro lugar, sou livre e vou aonde desejar, em segundo, vou lhe dizer que se estivesse com alguém não seria da sua conta.
_Acho melhor não ter ninguém nessa baia, ou eu deixarei a cara dele amassada...
_Você realmente não tem noção! Acha que tem o direito de me vigiar?!
_Alguém tem que fazer isso, já que pensa que pode tudo, nem todos são como eu, nem todos levam a sério as tradições, o código.
_Escuta aqui, eu sou grandinha, não preciso de babá e muito menos de um guardião da moral. Deixe-me em paz, e volte à sua ronda, que ainda é necessária...

Eu sabia que minhas palavras acenderiam ainda mais o fogo dentro de Zofar, ele ardia de raiva. Mas, foi necessário...
_Acho melhor saírem agora. Vão pra casa e não aprontem outra vez.
Duas cabeças se colocaram pra fora da baia, e com sorrisos desajeitados se desculparam e agradeceram. Eram Lucy e Gabriel, dois adolescentes se descobrindo apaixonados, e pelo visto, apressados também. Se seus pais soubéssem, estariam em apuros.

O Despertar da LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora