XI-Kalel

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_Luzes!... Preciso alcançar...as luzes...tem que haver alguém...uma aldeia..._Kalel dizia consigo mesmo, voltando a ter esperança, mas sua visão estava ficando turva, o ferimento em seu abdômen lhe fizera perder muito sangue, havia feito uma cauterização improvisada, queimando a superfície da ferida para suportar a viagem, mas o esforço certamente  comprometera ainda mais seu estado. Não sabia por quanto tempo resistiria sem desmaiar.

Há quase quatro dias deixara Hagnamar, sua cidade fora totalmente destruída, a última visão das torres do castelo que abrigara sua família, era das chamas que consumia tudo. Todos, homens, mulheres e crianças...ninguém foi poupado.
O exército inimigo chegou repentinamente, como um enxame de gafanhotos, não houve tempo para defesa, os valentes de Hagnamar lutaram até a última gota de sangue, mas sucumbiram ante a magia negra do terrível exército invasor.

Seu pai, Hassan El Shalim, fundou a leste da planície de Áven, a bela e próspera cidadela de Hagnamar, e era por todos considerado um rei bondoso e sábio. Reinava em paz ao lado de sua esposa Selena e seus dois filhos, sobre trezentas e cinco famílias de origem árabe. Sua filha, a princesa Quéren, de doze anos, e seu primogênito, o Príncipe Kalel El Shalim, que liderava o exército de seu pai, como um grande guerreiro, respeitado e amado por toda Hagnamar.

Mas, ninguém poderia imaginar que um desejo sinistro de ganância nasceria no coração do rei do norte, dominado pelas trevas...Mahlek, atacou sem piedade, enviando suas hordas infernais sobre Hagnamar.

Após ser ferido e cair no canal que circundava a cidadela, sobreviveu à terrível calamidade. Mas, com o coração cheio de ódio mortal, jurou vingar-se de Mahlek, por todos os inocentes mortos naquela noite.

Kalel sentia que já não suportaria por muito mais tempo, seu cavalo, um corcel negro, também estava cansado. Se aquelas luzes não fossem uma aldeia, certamente estaria perdido.
Estava com muito frio, seu corpo parecia estar entrando em choque.

A festa estava animada,todos se divertiam, contentes por tudo estar indo bem, como planejado! O muro seria logo logo uma realidade. _Mas então, por que essa inquietação não passa...?_pensava Zoe, enquanto ouvia o som melodioso da flauta.
Resolveu afastar-se um pouco sem que notassem, precisava de quietude.

De repente sentiu uma dor aguda e curvou-se. Nunca sentira nada igual antes, parecia que uma lâmina atravessava o lado de seu abdômen, ergueu a roupa à procura de um ferimento, tamanha a sensação! Mas, nada havia...quando levantou os olhos viu algo movendo-se ao longe, e apesar do escuro, pode perceber que se tratava de um cavalo, que andava devagar como se estivesse perdido. Chegando cada vez mais perto, viu que alguém o montava, na verdade, seu cavaleiro estava desmaiado sobre suas costas. Esperou que chegasse mais próximo, o cavalo veio em sua direção e parou diante da cerca. Olhou por entre os troncos e viu, mesmo na penumbra, o rosto de um homem jovem, inconsciente.

Sem pensar duas vezes, Zoe saiu correndo em direção ao portão, a movimentação chamou a atenção dos demais e Zofar quis saber por que o portão seria aberto àquela hora. Por segurança, a ordem era mantê-lo fechado ao cair do sol. Assim evitava-se o risco de algum predador noturno ter acesso à aldeia.
Mas, Zoe tinha certeza de que não se tratava de um predador.
_Zoe! O que está fazendo?_perguntou Zofar se aproximando ao vê-la girar a roudana que abria o pesado portão._O que vai fazer lá fora a essa hora? É perigoso!

A essa altura, todos fizeram silêncio e observavam a cena com curiosidade.
_Não fique aí parado, depressa! Há alguém lá fora...
_Mais um motivo pra não abrir. Não sabemos quem é._disse se colocando na frente do portão.
_Eu me responsabilizo, saia! Preciso ir até ele...
_Ele quem!?
_Não importa agora, ele precisa de ajuda.
Vendo que havia um impasse, Seth interveio, ordenando a abertura.
_Zofar! Pode abrir. _disse em tom passificador.
Meio a contra gosto, Zofar obedeceu, girando o mecanismo para abrir o portão. Assim que o viu  aberto, Zoe correu até o cavalo e arrastou o animal pelas rédeas e o introduziu na aldeia. O visitante inesperado continuava desacordado.
_Temos que tirar ele dai pai, pode estar ferido...
_Sim, por favor!_disse Seth fazendo sinal pra que alguns homens carregassem Kalel.
_Pai, acho melhor que fique em nossa casa...
_Concordo, sua mãe é a especialista em ervas e estará melhor acomodado.
_Senhor...com todo respeito...não se pode confiar num completo estranho, não sabemos quem é.
_Curaremos suas feridas...e quando estiver em condições de responder, nos dirá quem é e de onde vem...por hora, é necessário deixarmos de lado nossos medos e agirmos apenas com compaixão.

Carregaram o Príncipe Kalel para o interior da casa.
_Aonde o colocaremos?
_Em meu quarto, tenho uma cama desocupada, pois prefiro a rede, ele ficará melhor instalado nela.
_Tudo bem, podem levá-lo. _disse sua mãe concordando.
Logo só restaram os três e o estranho...
_Filha pegue água quente do caldeirão e panos limpos, temos que limpar os ferimentos...
_Mamãe...acha que ele vai sobreviver?_quis saber estranhamente sensibilizada diante daquela figura masculina tão fragilizada...
_Não podemos saber antes de tratar e ver a extensão dos ferimentos...agora vá!

Fez o que sua mãe mandou e voltou com uma bacia com água quente e panos limpos.
Sua mãe rasgou em tiras alguns deles pra fazer bandagens.
Tirou a parte superior das roupas de Kalel, e deixando o principal ferimento à mostra, Zaira notou a queimadura sobre a abertura.
_Mãe...
_Eu sei...isso não está nada bom, ele está ardendo em febre, significa que o ferimento infecionou, vamos precisar de ervas que combatam essa infecção ou então vamos perdê-lo.
_Onde estão, eu pego.
_Não, fique aqui e limpe bem o corpo dele, será necessário fazer a mistura das ervas já, eu mesma vou juntar.

Fez o que era necessário, com a ajuda de uma esponja umideceu o sangue que secara sobre a pele e limpou tudo. Havia um leve tremor no corpo inerte, talvez a febre...teve cuidado ao tocá-lo . Era um homem de traços diferentes de todos aqueles que conhecia...estava acostumada com os cabelos claros dos guerreiros ou dos olhos puxados de seus amigos de origem asiática, mas aquele estranho era diferente...sua pele era naturalmente  brozeada...cabelos espessos, negros...que cor seriam seus olhos...?
Deveria ser um guerreiro, a julgar por seu físico bem talhado...havia também uma espada curva, além de um punhal. Depois de terminada a assepcia dos ferimentos, notou que sua pele estava arrepiada e procurou uma manta, cobrindo-o em seguida.

Sua mãe finalmente retornou com a erva macerada.
_Filha, tome isto, ponha sobre o ferimento, pressione com cuidado, é preciso deixar que penetre no ferimento.
_Ele não parece nada bem, está com febre.
_Essa mistura tem que ser trocada sempre que estiver seca. Pelo menos umas cinco vezes, até todo o ferimento estar limpo.
_ Pode ir descansar mamãe, eu ficarei com ele, e trocarei o curativo.
_Não será fácil, a febre pode deixá-lo agitado.
_Saberei lidar com isso...pode ir.

O Despertar da LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora