O Despertar da Luz

XXVII-Kalel

Kalel não quis deixar que ficasse sob a árvore, carregando-a, procurou uma formação rochosa que oferecesse abrigo, encontrou uma pequena caverna que cabia apenas duas pessoas. Zoe ainda protestava, quando depositou-a no chão e com as mãos livres, pode arrumar o saco de dormir.
_Deite-se! _disse ele não dando espaço para recusas_você vai apagar e é melhor que esteja deitada. A não ser que deseje bater com a cabeça...
_Não sei...por que ..se preocupa..._disse ela com dificuldade em articular as palavras, sentindo suas pálpebras pesadas.
_Acho que ingeriu uma porção maior do que deveria...nunca fez isso antes, não é?_disse ajudando-a deitar-se._Ficarei e vigiarei,  pode descansar tranquila, não vou deixar que seja devorada enquanto dorme...rs..
_Acho que o único predador que devo temer é você._disse ela séria, quase adormecendo por causa da raiz,_você me machucou..._disse em voz alta, embora não consciente de tê-lo feito.
Ouvir aquelas palavras foi como receber uma flechada, jamais desejou feri-la, mas sabia que tentava enganar a si mesmo, achando que controlaria a força de seus sentimentos...estava cada vez mais perdido.
Olhando-a ali, tão linda... tão frágil...só lhe dava ainda mais certeza de que nada seria pior que perdê-la...precisava manter-se sobrio, amar era como ter o coração exposto ao perigo...já perdera pessoas demais.

Ficariam ali cerca de uma hora, até que Zoe acordasse.
_Como ela está?_quis saber Zofar do lado de fora, vendo que Kalel pretendia ficar ali ao lado dela.
_Está bem, só precisa dormir. Vou ficar aqui.
Zofar nada disse apenas olhou e se foi. Dentro de si lutava contra o ciúme.
_O que houve?_perguntou Belinda ao vê-lo retornar com o semblante fechado.
_O que ele acha que está fazendo...?_resmungou com sigo mesmo.
_O que disse?
_Vamos ficar um pouco aqui, até que Zoe se recupere.
_Não faremos o percurso no tempo previsto...isso significa que vamos ficar sem água antes de chegar ao rio...

A noite chegou tão depressa!
Haviam lobos cercando o lugar onde estavam, eram grandes, negros e também cinzentos, com presas enormes e pareciam famintos! Uma névoa estranha cobria tudo, mal podiam enchergar...ouviam-se  rosnados e uivos, eles os seguiam à espreita, não permitiriam que alcançassem a montanha, as trevas preparavam seu ataque! Sua sede de poder os impulsionavam, destruiriam quem se opusesse ao seu domínio...Um odor fétido impregnava o ar, o céu havia se tornado avermelhado, as árvores ao redor, ganharam contornos lúgubres...o frio soprava toda esperança para bem longe... os lobos transformaram-se em lacaios terríveis de Mahlek, guerreavam e venciam seus oponentes com ardis tenebrosos, cobriram toda a planície de Áven como um enxame de gafanhotos, sua aparência era aterradora! Tinham cabelos compridos, dentes afiados, seus rostos eram como de chacais, seus corpos, parte leão e parte harpia, tinham em lugar de caudas, uma serpente...suas asas eram velozes, traziam após si a própria morte, a escuridão os seguia...e varreu toda a planície e caíram tanto grandes como pequenos. Zoe via tudo aquilo estarrecida, as palavras presas na garganta sufocavam sua alma! Toda sua gente e milhares de outras pessoas...mortos!? _Kalel!!!?_Gritou em desespero. Seu corpo jazia inerte no campo banhado de sangue...por todos os lados só haviam corpos, estava só!
A angústia traspassava seu peito como uma espada afiada tirando-lhe  o fôlego, tentava mover-se, mas seus pés estavam presos, afundava no solo encharcado! _Kalel!_gritava mesmo sabendo ser inútil, ele já não poderia ouvi-la.
  
_Zoe!_chamou pela terceira vez_Você tem que reagir! Vamos acorde!_disse sacudindo-a de leve, quando percebeu que estava presa a um pesadelo._Zoe!_repetiu ele preocupado.
_Kalel!_disse ela finalmente abrindo os olhos, sem entender o que via...Kalel estava vivo diante de seus olhos! Sem pensar, atirou-se em seus braços, soluços sacudiam seu corpo, um choro profundo irrompeu, uma mistura de medo e alívio, chorava por tudo e por todos!

Minutos se passaram até que pudesse controlar sua emoção, permaneciam abraçados, o silêncio quebrado apenas por sua respiração ofegante que aos poucos serenava...as batidas do coração aquietando-se. Olharam-se longamente...a consciência da proximidade entre os dois, tomando de volta seu espaço na realidade, ia substituindo o medo e a angústia de antes...os lábios lentamente encontraram-se num beijo terno, carregado do desejo de protegê-la, de comocá-la a salvo de todos os perigos...beijou profundamente jogando para o alto todo seu instinto de auto preservação, sua decisão de não envolver-se com mais ninguém que pudesse perder, resolveu deixar-se levar por seu teimoso coração...
Havia algo diferente naquele beijo, a maneira como a tocava, sem pressa, podia sentir as batidas do seu coração, tão acelerado quanto o seu próprio, mas a doçura do toque demonstrava mais que simplesmente desejo! _Poderia ele gostar um pouco de mim?_pensava Zoe_oh! Como eu o amo! Kalel..._pensou deixando-se levar por suas emoções, lembrando-se da angústia vivida, da dor por pensar que não mais o veria com vida! Isso fez com que instintivamente o envolvesse ainda mais apertado.
_Assim quebrará meu pescoço...rs..._disse afastando-se apenas o bastante para olhá-la. Havia lágrimas em seus olhos, o que o surpreendeu, deixando-o confuso.
_O que há!?_perguntou suave.
_Tenho medo de perdê-lo!_ admitiu sem se importar se era ou não correspondida, mas em seguida, com a respiração em suspenso, esperou o que pareceu uma eternidade, por uma resposta...
_Como não entregar-se, se todo seu ser pedia por isso?_pensou ele respirando fundo, enquanto olhava aqueles olhos tão azuis, tão meigos... molhados por lágrimas que desejava secar para sempre...aqueles lábios capazes de arrancar seus pés da terra!...queria perder-se naquele abraço por todas as noites de suas vidas..._Também tenho medo._disse Kalel, vencendo a si mesmo. Tomando-a mais uma vez...agora com uma urgência que traduzia toda suas recentes emoções vividas, a perda de seus entes queridos...seu povo, seus sonhos...seu lar, sua identidade...tudo misturava-se na ânsia de amá-la e entregar-se por inteiro a este amor tão frágil e ao mesmo tempo, tão forte!