Imperceptível

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Clove 

Acordo como se estivesse submergindo da água. Preciso de mais ar ainda ao escutar os sons do inferno batendo na porta. Está escuro agora, mas deslizo da cama confortável e tento localizar a saída.

- Clove.

A palavra sai da boca de Cato deslizando feito torrente, soando quase como uma respiração. O vejo só agora. O colchão posto ao lado da sua mesa de cabeceira sustenta seu corpo perfeitamente desperto.

Não digo nada como resposta. Há o quê a ser dito, afinal? "Oi Cato".

- Eu estou indo lá.

- Não precisa. É um problema meu.

Ele então se levanta e tranca a porta. Erguendo meu rosto para encará-lo, bato a mão no interruptor, reparando então que não há sinal de sono algum nele. Meu rosto está quase batendo em seu peito, mas outro grito bárbaro me faz recuar até a janela.

Olhando para baixo, para o homem bêbado e deteriorado me xingando como se eu fosse uma das prostitutas que ele leva pra casa, eu sei que nada vai poder ser pior.

- Seu irmão não precisa ouvir isso.

- Você precisa? – Ludwig argumenta, observando quase severamente meu rosto se aproximar da vidraça até se deitar completamente.

Eu não. Ninguém precisa de um homem que te espancou a vida toda para cuspir na sua cara que é seu pai. Que você deve sua vida a ele, então dê um jeito de conseguir dinheiro para não o matarem por conta de apostas.

- Você gosta dele, Fuhrman?

Não sei como Cato enxerga o mundo. Mas considerando que ele enxerga todos os hematomas no meu corpo há anos, não há qualquer coerência nessa pergunta.

- Você seria preso, inferno! Ou então eles matariam você, matariam sua família, me matariam!

Eu nunca choro. Cato me faz querer gritar, me faz querer quebras coisas, destruir.

Minhas mãos estão em minha têmpora. Eu não posso mais bloquear. Fecho os olhos, mas a camiseta de Ludwig ainda está parada bem nas minhas coxas.

- Você quer que eu vá embora? – pergunto finalmente, meus braços apoiando meu rosto bravamente, porque se não o fizessem, eu estaria no chão.

Ele ergue os olhos pra mim, mas não para de sacudir a cabeça como se tudo fosse inadmissível e inacreditável. Se for mesmo, eu acredito porque é o que há pra mim.

- Não se desespere, Fuhrman. Não precisa esperar. Ele sempre cansa.

- Ele disse que tem pouco tempo – falo cautelosamente, quase murmurando.

- Eles não vão te matar.

Cato volta para o colchão. Eu estou prestes a deixar de ouvir toda a miséria que vem lá de baixo e dizer que ele pode voltar para sua cama quando algo acende na minha mente, nada mais que a resposta para a casual transmissão de segurança dele.

- Se eu morrer, eu quero que seja pelas suas mãos.

Cato nunca foi de poucas palavras. Ele sempre sabe o que dizer e ele sempre faz tudo parecer mais fácil. Eu estou esperando algum sorriso vitorioso. Um aperto de mãos ao som de detritos auditivos.

Ele se deita. Solta o ar com quê de graça conformada.

- Não seja insana, cravinho.

[...]

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