A mudança

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— Alice... – disse Lari assim que acordou.

O doutor responsável pela cirurgia dela havia informado que além de uma fratura na costela, o acidente afetou a lesão completa a partir da sétima vértebra cervical. Resumindo, ela perdeu os movimentos e a sensibilidade nos membros inferiores. Ela não vai poder andar nunca mais.
Ela foi forte – havia risco de vida na cirurgia –, lutou pela vida. Ela era a garota mais guerreira que já conheci.

Pela manhã do dia seguinte à cirurgia, ela ficou de repouso, na UTI. No entanto, no dia respectivo, ela já pôde sair da UTI e repousar num quarto. Não hesitei em ir vê-la assim que soube da notícia.

— Lari, não fala. – a repreendi. — Você precisa descansar, volte a dormir, ficarei aqui.

— Você precisa ir... na sexta-feira... – começou, mas não conseguiu completar. Eu segurei a mão dela e suspirei. Já imaginava do que ela estava falando. Sobre a viagem à Brasília, mas eu não iria a lugar nenhum sem ela. Não posso viajar sabendo que minha amiga precisa de mim.

Ela fechou os olhos lentamente e voltou a dormir. Os remédios fizeram efeito. Levantei e fui até a sala de espera, vi Pedro sentado, tomando café e com olheiras enormes. Desde o dia do acidente, ele tem dormido mal, é perceptível.
Ele levantou e veio em minha direção. Seus olhos estavam interrogativos.

— Como ela está? – perguntou. Os olhos dele estavam vermelhos nas bordas e a pupila brilhante. Seria choro?

Minha voz saiu falha:

— Ela acabou de acordar, mas já voltou a dormir. – passei a mão pelo cabelo. — Ela ainda não sabe que está...

Ele assentiu, entendendo minha hesitação. Sentou-se novamente colocando o café ao lado. Desde que estamos aqui, somente eu, Pedro, Lena e a família dela comparece. Lena passou duas vezes, entendo ela não vir muito, ela é colega, e muito ocupada, mas quando pode sei que vem. Eu sou amiga, não abandono nem quando estou cheia de obrigações. Mas Lena é mais próxima a mim, do que de Lari. Pelo menos ela vem.

— Sinceramente, Alice - disse Pedro. — Quando ela acordar e descobrir que nunca mais poderá... Você sabe. Ela vai me odiar eternamente.

Uma linha de dor passou pelo seus olhos, eu retirei o café de cima da cadeira, e me sentei ao lado dele. Senti uma solidariedade. Não era como se fosse culpa dele, ele não podia imaginar, muito menos evitar. Ao mesmo tempo segui a linha de pensamento racional; Lari não pensaria nisso.

— Talvez ela... até lhe perdoe.. – hesitei. — mas se ela nunca mais quiser lhe ver... você terá de entender. Eu no seu lugar entenderia.

Ele suspirou.

— Eu vou entender. Eu espero que ela me perdoe.

Esperei para ver se ele falaria mais alguma coisa. Porém não. Então me levantei, e fui para a saída. Precisava de ar fresco, relaxar, só um pouco.
Meu celular tocou, o alcancei no bolso. Era Fran. Hesitei, respirei fundo e atendi.

— O que aconteceu? - perguntou. — Desde aquele dia que desligou correndo, não atende mais minhas ligações.

Bocejei, sem querer. Estava tão exausta ultimamente.

— Não aconteceu nada.

— Isso foi um bocejo? – perguntou, claramente nervosa.

— Foi sim. Desculpe eu não tenho dormido direito. Podemos conversar mais tarde, com mais calma? Estou exausta tanto física como psicologicamente. Muita coisa pra digerir.

— Mas... que coisas?

Eu suspirei, odiava mentir ou ocultar algo de Fran. Mas eu não conseguia compartilhar isso, odiava compartilhar notícias ruins. Nem eu gostaria de recebe-las na verdade.

— Não é nada demais. Podemos nos falar mais tarde?

— Tudo bem. Até mais. – E desligou antes que eu pudesse me despedir.

Ela só agia assim quando estava realmente irritada comigo, mas eu não podia fazer nada. Não nesse caso.
Fran sempre foi a primeira pessoa que eu corria para contar as coisas. Eu contava basicamente tudo pra ela. Só deixava de lado segredos de outras pessoas, afinal, se os segredos não são meus, não tenho o direito de contar a ninguém.
Eu estava perdida em pensamentos quando meu celular vibrou.

Estou no meio da aula, eu tentei te ligar após aquele dia, mas você não atendia, então desisti. Aconteceu algo com Lari? Ela está bem? Me conte o que houve.

Ao ler a mensagem, eu hesitei em responder, afinal, se não compartilhei com Fran, por que o faria com ele? Mas o Rafael tem algo que não sei explicar, só tenho a necessidade de contar tudo e me apoiar nele. Como se fosse minha âncora. E então resolvi responder.

Lari está bem, quero dizer, não exatamente. Ela sobreviveu, mas ela não poderá andar "nunca mais" disse o doutor. Mas a Lari é guerreira. Ela fará fisioterapia e voltará a andar sim!

Ele demorou uns 10 minutos para responder, mas eu não fiquei brava. Provavelmente ele estava na faculdade.

Ela vai ficar bem, amor. Quando a aula acabar eu te ligo! Prometo! Te adoro


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Yuri passou-me um papel discretamente, no meio da aula de psicologia comportamental.

Não reparou a professora nova? É gostosa

Eu inspirei fundo, antes de jogar o papel para trás e mostrar meu dedo do meio para ele, disfarçadamente. Olhei para a professora, e notei que realmente era bonita. O cabelo dela era longo, loiro bem claro e ondulados. O rosto tinha suas linhas de uma vida experiente, mas mantinha sua jovialidade. Era liso e suave, sem maquiagem. Aparentava ter uns 27, ou menos. Não sei. A pele era totalmente lisa e muito branca. Os olhos azuis claros como a água de uma piscina. Ela tinha uma pulseira na mão direita.

Ela levantou o olhar e notou que eu a observava. Sorriu de lado satisfeita e voltou a escrever no caderno de registros.
Quando tocou o sinal, finalizando a aula e anunciando o horário de ir embora, todos saíram rapidamente. Yuri parou na porta, me olhando interrogativo.

— Pode ir, só vou guardar minhas coisas. - joguei a chave pra ele. — Me espere no carro. Hoje você dirige, pois preciso fazer uma ligação.

Ele pegou a chave no ar e se foi. Notei que a sala estava quase vazia; exceto por mim e pela professora. Ela veio em minha direção e eu disquei o número de Alice rapidamente, levando o celular ao ouvido. Não queria falar com a professora.

Chamou, chamou e ela não atendeu. Droga, Alice. Pensei.

A professora se sentou na minha mesa. Ela sorriu exibindo dentes perfeitamente alinhados e brancos. Eram brancos em demasia.

— Rafael Wateron. – pronunciou meu nome devagar. — Sou Caitlin Patroowd... muito prazer. Notei que estava me observando.

Eu estremeci, sabia que não deveria observá-la, mas a curiosidade falou mais alto.

— Eu...

Ela se sentou na minha mesa e levantou um pouco mais sua saia.

— Cait.. Professora, eu...

Ela colocou o dedo nos meus lábios.

— Shh... – deu um sorriso malicioso. — Não precisa falar nada.

Ela se aproximou e me beijou, e colocou a mão na minha barriga, e foi descendo. Eu a afastei imediatamente.

— Eu tenho namorada, senhorita Caitlin. – falei. — E eu estou muito feliz com minha namorada. Não vejo motivo pra ter adultério no meio do nosso relacionamento. – meu celular tocou, quando vi que era Alice, sorri internamente. Ela apareceu na hora certa. Peguei minha bolsa e levantei. — Inclusive ela está me ligando agora, preciso ir... – hesitei, parando na porta e acrescentei: — Ah, antes que eu me esqueça... Eu estava a observando sim, mas eu não estava lhe olhando com desejo e sim com admiração por sua beleza física, só isso. A senhorita é melhor que isso, posso perceber pelo seu olhar. Beleza e inteligência a senhorita tem, junte amor próprio e segurança no pacote, e quem sabe um homem solteiro não te convide para jantar, hein? Passar bem, professora.

Me dê amorOnde histórias criam vida. Descubra agora