Capítulo 2

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Passei a noite inteira em claro olhando fotos que tirei com eles, lendo e relendo mensagens trocadas há tempos do tipo "vai comprar pão", "não tem detergente em casa", mas que me prenderam por uma noite inteira. É estranho o jeito que cada um reage com a dor, é intrigante como eu consigo me sentir tão alheia ao resto do mundo.

Uso toda essa minha falta de acolhimento para escrever. Meus pais teriam gostado disso, apoiavam e muito o meu sonho de ser jornalista, mais ainda a minha vontade secreta de ser escritora. Eram os primeiros a ler qualquer rascunho que eu produzia e me encorajavam a continuar, mesmo não tendo a mesma facilidade com as palavras que eu possuo, eles acreditavam em mim, não importando se isso ou aquilo é a minha verdadeira vocação. Sofrerei e muito pela falta desse apoio, desse porto seguro que eles sempre me proporcionaram, mas sei que o Senhor Francês vai me ajudar nisso. Lembro dele com o maior carinho do mundo, sua gentileza é sua característica mais marcante.

- Belle? Está acordada? - Sean entra na cela e afaga meu cabelo.

- Sinceramente, nem fechei o olho. - Sorrio fraco enquanto me sento.

- Ele estará aqui em meia hora. - Assinto, sentindo o coração pulsar mais rapidamente. - Tem certeza de que é isso que quer?

- Sim. - Ele suspira, parecendo incerto, mas ainda assim é capaz de sorrir de um jeito simpático.

- Se quiser ficar aqui sozinha, pode ficar, eu venho te buscar. - Sorrio de novo, agradecendo.

Como Sean me disse, em meia hora o Francês chegou. Passo a mochila que eu trouxe por cima do ombro mordendo o lábio, suspiro e tomo coragem de levantar dessa cama que mais parece uma pedra lisa. Caminho ao lado do policial olhando o chão até ver os sapatos sociais e, inconscientemente, um sorriso aliviado surgiu no meu rosto.

Para desaparecer assim que ergo o olhar.

Quem está parado na delegacia, com certeza, não é o homem que agora estaria com cerca de cinquenta anos. Este é jovem. Seus olhos parecem feitos de gelo, não está carrancudo, mas seu semblante parece muito sério. Retraio-me atrás de Sean e ele também deve estar surpreso, pois o aperto de mão entre ele e o desconhecido é um tanto quanto tenso.

- Você é algum empregado de Willian Beamont? - Como deu para perceber, "Sutileza" é o sobrenome do policial.

- Não. Meu nome é Adam Beamont, sou filho de Willian. - Percebo uma leve irritação em seu tom. Bem, não consigo imaginar alguém que não ficaria indignado ao ouvir uma pergunta dessas.

- E o seu pai? - Sean continua, cada vez mais sutil.

- Ele se contorceria em seu túmulo caso eu não a aceitasse comigo.

- Túmulo? - Simplesmente escapou da minha boca. Atraí o olhar frio de Adam e me arrependi de ter dito isso.

- Faz quase um ano que ele faleceu. - Arregalo os olhos sem me dar conta disso e Adam trinca os dentes, claramente impaciente.

- Meus pêsames. - Digo num fio de voz, na vã esperança de consertar o déficit de delicadeza que tanto eu quanto o policial acabamos de ter.

O homem que ficará responsável por mim trava uma breve conversa sobre visitas da assistente social, documentação tanto minha quanto da minha casa e de alguns outros assuntos dos quais me distraio facilmente. O sentimento de estar alheia volta mais forte que antes e não consigo fazer com que ele suma, sinto que estou deixando minha vida inteira nas mãos de outra pessoa, mesmo que eu tenha escolhido isso. Quando tudo está acertado, Sean me abraça apertado e afaga meu cabelo mais uma vez, respondo com um sorriso muito tímido.

Adam pousa sua mão no meu ombro e me conduz ao veículo preto que nos aguarda fora da delegacia. Um carro que aparenta ser muito caro. Eu devia ter prestado atenção aos detalhes, pois não sei absolutamente nada sobre carros. Ele deve ser rico, porque um motorista pega minha mochila, guarda-a no porta-malas e abre a porta para mim. Sento-me próxima à janela, mantendo o máximo de distância que consigo criar, Adam não parece muito interessado em falar comigo e já não sinto mais nenhuma vontade de sair do meu mundinho alheio.

Sombras da Luz (Pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora