É a segunda semana que passo aqui. Não tem sido o mesmo inferno que foi nos primeiros dias, admito. Margot me trata bem, Adrian me trata bem, tenho visto meus amigos quase todos os dias, Adam e eu quase nunca nos vemos. Eu sei bem o quanto ele trabalha, mesmo não tendo ideia do quanto é difícil assumir um posto tão alto numa empresa tão famosa. Já aconteceu de ele ficar desde manhã até a noite lá e ter voltado com um humor péssimo.
Naquela terça-feira, ele sorriu para mim. Ele me tratou com desprezo desde então.
Não sei exatamente o que eu fiz ou deixei de fazer e eu tenho certeza que ele não sabe que tenho saído escondida, tomo muito cuidado quando o faço, ou seja, nada justificaria essa estranheza repentina. Eu estou cansada. É como se ele me dissesse que sou estúpida, que não sou boa o suficiente e que não mereço nada de bom que ele tenha a me oferecer. Adam me diminui e nem precisa abrir a boca para tal.
É frustrante!
Hoje é sábado, décimo quarto dia. Hoje a assistente social vem nos visitar para ver como eu estou me adaptando. Dependendo da avaliação dela, eu vou embora. Ou para um orfanato ou para a rua, não importa.
Mas eu não sei se realmente quero ir. Apesar de tudo, fiz grandes amizades aqui que fazem com que a presença daquele grosso seja quase suportável, eu estou certa de que sentiria a falta deles e só Deus sabe quando, ou melhor, se uma família me adotaria.
Fecho meu livro e solto um longo suspiro. Ainda é de manhã e eu não saí da cama. Estava estudando um pouco e acabei dormindo com o volume de História Geral no colo. Guerra Fria, quando ocorreram disputas, mas sem conflito direto entre Estados Unidos e União Soviética. É irônico o quanto esse simples resumo se encaixa na minha vida, só não sei qual dos lados eu sou.
Duas batidas na porta. É Margot.
- Bom dia, Belle.
- Bom dia.
- Ainda não está pronta? A Sra. Davis chegará logo depois do almoço.
- Acabei de acordar. - Minto, são quase onze horas e eu acordei às seis. Maldito seja meu costume de acordar cedo.
Chuto os cobertores e me levanto a caminho do banheiro, ela voltou para o corredor, provavelmente para trazer os produtos de limpeza. Eu vivo insistindo para ela que eu posso limpar minha sujeira, mas ela sempre nega e diz que sem nada para limpar não receberia o salário, eu insisto mais uma vez e ela me ignora, varrendo o chão. É sempre assim.
Prendo o cabelo e lavo o rosto, logo depois volto ao quarto.
Margot colocou uma muda de roupas em cima da minha cama. São coloridas e chamativas demais na minha opinião, apesar de serem bonitas. E não são minhas.
- O que é isso?
- São as roupas que Adam quer que use hoje.
Arregalo os olhos.
- Eu ouvi direito? Adam quer que eu use? - Pergunto, temendo a resposta.
- Só estou cumprindo ordens, Belle. - Ela responde, sua voz a faz parecer cansada.
- Ah, não! Não mesmo! - Rebato. - Ninguém nunca fiscalizou minhas roupas e hoje não vai ser a exceção. Me desculpe, mas eu não sou obrigada a me submeter aos caprichos dele, especialmente os que dizem respeito ao que devo vestir.
Ouço Margot suspirar enquanto marcho até o closet e vasculho minhas roupas à procura de uma que eu realmente goste. Saio de lá vestindo calça jeans, coturnos e a minha jaqueta de couro favorita, que são oposto daquilo na minha cama, só de raiva eu quero que Adam me veja assim. Quem é ele para me dizer o que vestir?
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Sombras da Luz (Pausada)
RomanceBelle sempre acreditou que sua vida era pacata, na melhor das hipóteses, mesmo sendo filha de uma médica e de um enfermeiro que passavam o dia inteiro fora de casa. Até que os dois morreram. Sem um aviso, um adeus, um mais ou um menos ou o que quer...