Capítulo 18

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De pé, nas ruas sujas de uma Paris antiga, sob uma atmosfera de pobreza e raiva, observo um rapaz tentando vender um dente para ter do que comer.

O vento é frio e cortante, quase como o que eu senti no meu quarto. Dificulta a minha respiração e, cada vez que expiro, um vapor quente se forma, dançando na frente do meu rosto antes de se dissipar. 

Sei que é um sonho. Sei que eu só precisaria abrir os olhos para voltar à realidade, mas há algo que me impede. Talvez eu esteja mais confortável em farrapos do que na minha cama, sob vigília ininterrupta e o medo como acompanhante. 

Corro os olhos pela cidade. Pelas ruas largas de pedra, cheias de estrume e lama. Fede. Haviam poucas pessoas caminhando por aqui e por ali. Algumas escondidas nas sombras e na sujeira. A iluminação escassa vinha de chamas bruxuleantes fracas, das lamparinas que distavam dez ou quinze metros. O vento joga o capuz que eu estava usando para trás, soprando contra mim com mais ferocidade.

Meus lábios estão rachados, meus dedos doem e mal sinto meus pés, preciso desesperadamente me aquecer. Puxo-o de novo, prendendo-o com as mãos. Arrisco um passo à frente, seguindo os sons distantes, abafados por paredes finas de madeira. 

Há lojas de roupas saqueadas e padarias com vidros quebrados, acho que o desespero, o frio e a fome fazem qualquer pessoa honesta se tornar um meliante. É fácil julgar sem estar passando pelo mesmo. Vejo que a fonte do som se parece com uma taverna, resolvo entrar. 

A porta se fecha com um estrondo atrás de mim, todos os pares de olhos se voltam para a estranha e inusitada intrusa. Retiro o capuz, mostrando meu rosto. 

– Desculpe, está frio e... Eu preciso me aquecer. – Digo, minha voz sai fraca. Não é de se surpreender, minha garganta ardia.

Uma mulher que parecia ter seus quarenta anos, com a pele pálida, olheiras profundas, rugas nos cantos da boca e uma ilusão de cintura criada por um corpete apertado aproximou-se de mim. Empurrou-me para perto da porta, de forma que as minhas costas estivessem contra o vidro.

– Tem algum dinheiro? – Perguntou, com cara de poucos amigos. Seu hálito fedia a bebida.

Abaixo o olhar, checando os bolsos da capa. A mulher, impaciente, procurou alguma coisa entre os meus seios e ergueu a saia do meu vestido para apalpar as minhas longas meias, querendo ter certeza de que eu realmente não tinha nada. Sorriu, girando a maçaneta e agarrando meu braço com força. Queria me empurrar para fora.

– Eu pago algo para ela, Apolline. Deixe-a ficar, todos nós estamos sofrendo com esse frio. – Disse uma voz calma. 

Apolline bufou. Soltou meu braço a contragosto e gritou de volta:

– Vou cobrar mais caro se quiser subir com ela, Thierry. – Resmunga.

– Eu esperaria isso de você, velha gananciosa. – Ri.

Procuro o dono da voz com os olhos, Thierry me chama com um gesto. Estava sentado, os pés apoiados sobre a mesa, os dedos entrelaçados atrás da cabeça e o sorriso de quem tem o controle do mundo e sabe disso. Era lindo.

Entretanto, o que mais me prendeu a atenção foram os olhos. Azul como gelo. A cor dos Beamont.

Detenho-me, um tanto receosa. Meu coração pareceu ter esquecido de bater momentaneamente, meus olhos arregalam e minhas sobrancelhas se arqueiam. Alguém dá um leve empurrão no meio das minhas costas, gentil.

– Não se preocupe, ele não morde. Só é um pouco cafajeste. Vai para os quartos lá em cima quase toda noite com uma mulher diferente. O cliente mais fiel de Apolline. Aparentemente, você é a escolhida de hoje. – Gargalha.

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⏰ Última atualização: Aug 20, 2017 ⏰

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