Capítulo 3

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Acordei sobressaltada.

Estou no quarto.

Não sei dizer se meu cérebro inventou a fera ou se aquilo tudo foi de verdade, mas o lugar está exatamente como deixei, com travesseiros espalhados e edredons desarrumados, acredito que tenha sido mais um pesadelo, talvez eu até tenha acordado durante a noite e de fato conferido o horário e depois voltado a dormir. A criatura deve ter sido só a personificação dos meus medos, nada mais. Tem que ser isso.

Espero não estar ficando louca.

Levanto da cama e vou ao banheiro escovar os dentes, tomar um banho quente para afastar essas lembranças, mesmo que temporariamente, e trocar de roupa. Quando me olho no espelho, levo um susto. Se há alguma explicação científica para pálpebras inchadas, preciso ler agora mesmo. Tenho quase certeza que abelhas invadiram o quarto e picaram meus olhos enquanto eu dormia. Felizmente, quando saio do banho já estão quase normais.

Depois disso tudo, penso em descer, mas um receio infantil de que a fera estará à espreita surge e eu volto para a cama. Fito o celular e me martirizo por não ter deixado carregar durante a noite.

Olho o teto, as paredes, as portas, o chão e, finalmente, a foto. Minha visão embaça, um nó apertado se forma na minha garganta, mas eu não quero ficar como ontem. Não posso ficar daquele jeito. Guardo a foto numa das gavetas da escrivaninha e ajeito o quarto. Não quero pensar o mesmo que pensei ontem. Durante a madrugada que passei na delegacia, parecia tudo muito surreal, mas quando vi a foto o luto me atingiu como um maremoto. É um sentimento cru demais. Um com que eu não quero lidar ainda, que eu sei que vai me corroer pelo resto da minha vida, mas eu preciso de um momento de descanso antes de enfrentá-lo, um minuto que seja é muito melhor do que nada.

Duas batidas rápidas na porta me tiram dos devaneios, Adrian e uma mulher entram e ele me deseja bom dia, respondo com um rascunho de sorriso.

- Belle, esta é Stelly. - A mulher não sorriu, não acenou, não fez nada que parecesse com um cumprimento. - Ela vai te ajudar a se adaptar à rotina deste lugar.

- Obrigada.

Honestamente, não sei se estou agradecendo Adrian ou a mulher, mas me pareceu a coisa certa a se dizer. Vendo que eu não falaria mais nada, o mordomo nos deixa sozinhas. Stelly me olha de um jeito arrogante, me analisando. Sinto-me tão desconfortável que mordo a língua para não dizer se está tão interessante, tire uma foto. Levanto-me e estendo a mão para um aperto, ela baixa o olhar e levanta, como se não estivesse satisfeita com meu gesto. Abaixo o braço e desvio minha atenção para a parede.

- Você é mais bonita do que eu pensei que fosse. - Ela exclama depois de alguns segundos silenciosos e tensos.

- Obrigada...? - Arrisco franzindo a testa, extremamente confusa.

- Isso não foi um elogio. Seu rosto é aceitável, nada mais. Você é alta, seus ombros são largos, seu cabelo é indeciso, cacheado demais para ser ondulado e ondulado demais para ser cacheado, suas coxas são grossas demais, sua bunda é, na melhor das hipóteses, decente, seus seios são tão pequenos que se você colocar um sutiã P vai faltar material para preencher. Isso sem falar que apenas na sua barriga tem mais gorduras que eu tenho no corpo inteiro.

Arregalo os olhos. O que foi isso?! Com uma rápida olhadela, vejo a textura de palha do cabelo dela, a argamassa que tem no rosto e os seios siliconados. Ainda assim, ela me encara como se eu fosse uma barata morta.

- Acabou?

- Não, eu poderia passar o resto do dia relatando o quanto sua voz é irritante e o quanto seu cabelo se assemelha a um ninho de ratos, mas não vou gastar meu tempo nem minha preciosa voz dizendo coisas para uma adolescentezinha.

Sombras da Luz (Pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora