Antiga Sé - 06

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Após uma noite intensa, eu vou para o banheiro, lavar as minhas mãos usando uma garrafa de água e um trapo velho. Após o cansaço e a tensão ter ido embora, gasto algum tempo me recompondo, para depois voltar para o quarto e fumar um dos cigarros roubados do homem que eu dei fim. Abro a janela, olhando para as ruas de pouco movimento, fumando e olhando, pensando quantos outros teriam o mesmo fim enquanto eu estivesse na Sé. Instintos de sobrevivência e caça não andam bem na cidade.

Me pergunto como o Antônio, Ronnie ou Paulo vão reagir ao ouvirem os rumores. Provavelmente Antônio irá jogar panos quentes nisto entre os informantes dele, sabendo que eu apenas me defendi. Ele teria feito pior nos primeiros dias que passou a viver na Sé. Ronnie vai torcer o nariz e pensar "tinha que ser uma nômade mesmo!", e talvez cogitar que eu faça algum trabalho de assassinato ou roubo se for preciso. Paulo... Hmmm... Talvez ele pense melhor a respeito de como eu falei sério a respeito dos problemas que possamos enfrentar na viagem.

Por sorte, qualquer crime de morte que não tenha uma testemunha livre não é punido. Servos e escravos são considerados gente de segunda categoria, portanto a menos que seja algo muito sério, como acabar com um mercador importante ou tirar a vida do líder da Sé, provavelmente os vigias vão fazer vistas grossas. Ainda mais sendo um violador.  Após acalmar o meu espirito e fumar metade dos cigarros roubados (que para falar a verdade, eram ótimos!), decido trocar de roupa e deitar. Já tinha feito demais para o primeiro dia. Acabo dormindo rapidamente, acordando apenas quando era quase meio dia.

No dia seguinte a primeira coisa que peço é o banho quente. Ver o rapaz dos baldes trazer água quente rapidamente e me ajudar no banho e me massageando é uma das formas de esquecer o que aconteceu. Porém nada mais que isto. Não estava com disposição de me distrair daquela forma. Ele aceitou a gorjeta de forma compreensiva e de certa forma, aliviado. Talvez tenha ouvido alguns rumores. Penso em adiantar os meus afazeres e sair mais cedo da Sé do que o planejado.

Visito o Ronnie, agradecendo a indicação de trabalho (mas sem entrar em detalhes), além de pegar a outra metade do pagamento. Cartas de crédito. Pedaços de papel inúteis para uma nômade, que permitem comprar coisas demais que não pode carregar por ai, ou conseguir trocar em outros lugares. Examino as cartas de crédito. A primeira é de uma quantia substancial nos mercados de alimentos. Outras duas são das lojas de ferramentas e a outra em relação a tecidos. Com o adiantamento do Ronnie já comprei tudo que precisava, mas era hora de fazer aquelas três cartas valerem algo.

Volto para a hospedaria, para conversar com a dona. Pergunto a ela por quanto venderia ou "libertaria" o rapaz do baldes. Ela passa um preço aceitável, apesar de deixar claro que o rapaz estava satisfeito com o trabalho que fazia e dormia em um quartinho dos fundos da hospedaria. Concordo com a cabeça, pedindo para chamar o rapaz.

Ele aparece, prestativo como sempre é com os seus clientes. Eu pergunto a ele se quer se tornar um servo. Poderia trabalhar ali o quanto quisesse, continuando a receber casa e comida em troca de seu trabalho, mas em troca teria que aprender um oficio, além de aprender a ler e a escrever. A dona da pensão parece não se importar muito, afinal o rapaz era substituível, bastando visitar o mercado de escravos e comprar outra dúzia com o preço que ela me pediu.

O rapaz dos baldes pensa por alguns momentos, agradecendo sinceramente pela proposta mas se recusando a deixar de servir sua dona. Ela sorri satisfeita com a lealdade de seu escravo, ou porque ele não tem noção do que decidiu abrir mão. Agradeço aos dois, encerrando a conta na pousada e indo pegar as minhas coisas, deixando o lugar. Não se pode dar liberdade a quem deseja continuar vivendo dentro de gaiolas... Era o que o Antônio falava.

Após almoçar em uma das barracas de lanches a frente do Templo da Sé, consigo encontrar o Antônio. Após uma troca de cumprimentos e alguma conversa fiada para matar o tempo, começamos a falar de trabalho e coisas mais sérias.

Nômade AdriOnde histórias criam vida. Descubra agora