Capítulo 6

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- Chegamos. - Ele disse parando o carro em frente a uma enorme casa, ela me era familiar. Jorge não morava tão longe quanto eu imaginava.


- Minha barriga está fazendo barulhos horríveis, ela nunca fez isso antes, deve ser um dos efeitos colaterais de ser fantasma. 


- Você não é um fantasma. - Gargalhamos. 


Jorge era meu único amigo no momento, talvez ele fosse o único amigo de verdade que eu já tive. Olívia havia traído minha confiança e todas as outras pessoas me ajudavam esperando coisas em troca, com o tempo eu fui me tornando uma pessoa rude, que tirava proveito das pessoas, assim como quase todas tiravam de mim. Mas Jorge estava me ajudando sem qualquer motivo, sem esperar nada em troca, ate porque naquele momento eu só tinha o vestido do corpo.


- Eu moro com meus avôs e meus pais. - Ele disse baixo quando entramos na casa. - A maioria da minha parentela está hospedada aqui em casa para a festa.


- Entendi. - Falei baixo mesmo sem saber por quê.


- Você fica no meu quarto. - Ele abriu a porta do que era um quarto até que bem arrumado para ser de um homem. Havia cartazes pendurados nas paredes e um violão encostado no canto ao lado da cama. - Se eles te verem comigo vão pensar que você é minha namorada. Então, por favor, não saia desse quarto.


- E o que tem eu ser sua namorada? Eu sou tão feia assim? 


- Acredite você é o fantasma mais lindo que eu já vi.


- Obrigada. Eu acho.


- Mas eles vão cantar musiquinhas, fazer piadinhas e tudo com "inha" que você puder imaginar. 


- Acho que entendi. - Ri. - Você não namora muito, estou certa?


- Só fica quieta. - Ele abriu a porta do guarda roupa e tirou de lá uma camisa bem comprida, era grande até pra ele. - Olha ali fica meu banheiro, você pode tomar banho e vestir essa camiseta.


- Obrigada, Jorge. - Eu disse e ele apenas assentiu com a cabeça. - Obrigada por tudo. 


- Por nada, Cindy. - Ele abriu a porta do quarto. - Só não saia desse quarto.


Era bom finalmente tomar banho, era como se todo o cansaço do meu corpo estivesse indo embora pelo ralo, junto com a água. Sequei-me em uma toalha limpa que encontrei dobrada no banheiro, Jorge era muito organizado.


Caminhei de volta para o quarto, eu estava com fome então pensei em achar a cozinha. Sei que Jorge pediu para que eu não saísse do quarto, mas eu estava com muita fome, acho que é esse ano, em 1966 eu não sentia tanta fome.


Me dirigi de encontro à porta do quarto dele e coloquei a mão na maçaneta, foi aí que ouvi vozes.


- O Jorge não está no quarto. - Uma voz feminina soou do lado de fora do quarto. - Eu o vi no jardim. - Foi minha deixa para correr de volta para o banheiro e ficar escondida por um bom tempo.


***

Estava ficando tedioso ficar pressa dentro do banheiro, eu já tinha lido até o rótulo da pasta de dente. Então com cuidado, tentei não fazer barulho e voltei para o quarto. Não ouvi vozes por perto e decidi não me arriscar novamente, apenas deitei na cama e fechei os olhos.


O perfume do Jorge estava entranhado nos lençóis. Seu cheiro era bom, afundei um pouco o rosto no travesseiro querendo sentir mais. De repente foi como se eu me lembrasse de tudo. Cinquenta anos começaram a passar na minha cabeça como um filme rápido, sem cortes e com poucas falas.


Eu me vi no enterro dos meus pais, me vi trancando a casa, no avião, no hospital recebendo a notícia da minha doença, me vi virar novamente uma criança, me vi gastando todo o dinheiro da fábrica dos meus pais pagando hospitais e me vi, por fim, morrer.


Eu não sabia o porque mais o cheiro do Jorge me fazia lembrar de tudo. Era um cheiro conhecido, uma casa conhecida e eu não entendia o porquê de Jorge me ajudar, até eu teria medo da história doida que contei para ele, era como se algo nos quisesse juntos.



Ser uma moça de vinte anos em 2016 gerava não só muita fome, mas também muito sono. Tentei ficar acordada esperando pelo Jorge para contar o que tinha acontecido, contar que eu tinha me lembrado de tudo, porém adormeci antes dele voltar.



CindyOnde histórias criam vida. Descubra agora