Dezessete

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Acordei cedo. 5 da manhã ou perto disso. Mas não saí do sofá confortável.  Apenas continuei fitando o teto cinza.

Eu bebi no dia anterior.
Surtei.  Me deixei ficar furiosa como há muito não ficava.  Foi libertador e meio constrangedor também. 

Xinguei excessivamente -consequência do álcool.
Agi irresponsavelmente ao dirigir sem rumo até secar o tanque.

- Oi. - Sam disse entrando na sala só de cuecas samba canção vermelha de seda.

- Oi. - Franzi o cenho para as canelas cabeludas dele. - Que coisa , não?

Sam balançou a cabeça enquanto ligava a TV.

-Você ainda está bêbada?

- Não.

- Então o comentário foi maldoso?

- Foi.

- Você é bem cruel.  - Disse vendo o noticiário e desligando em seguida - Ainda são sete horas, quer comer alguma coisa?

-Não reçebe muita visita não é?  - Perguntei vendo o quanto ele pareçia preocupado com o que dizer. 

- Para falar a verdade, não. - Sam sorriu e vi a cara amassada dele.  - O que quer comer?

- Nada.  - Levantei de uma vez - Preciso ir embora. Droga. Eu acho que vou me atrasar pra aula. - Gemi caindo no sofá novamente.  - Foda-se. Não vamos ter nada demais mesmo. Ok. Vou comprar uns pães.

Levantei mas me detive ao ver as sobrancelhas elevadas de Sam e a mão direita nos quadris.

- Que foi Sam?

Ele encolheu os ombros.

- Não te conheço muito mas, sei que está nervosa e chateada então vá lá e compre os pães , com seu dinheiro mesmo porque eu não quero gastar com nada. - Revirei os olhos.  - Compra um iogurte também.

-Você é bastante folgado.

- E você problemática.  Até já. 

    Saí do apartamento sorrindo desdenhosa.  Sam provavelmente se encaixava na categoria adolescentes normais com toda aquela coisa de descolado sofisticado.

Desci os seis lances de escada e poucos passos após entrei na padaria.  O aroma de pão fresco é sempre uma tentação.

Fui atendida pelo Sr. Lincoln que enquanto fazia um pacote de croissants me contou sobre a feira que ocorreria em Hillcrest pela manhã e o quanto a esposa dele estava animada para fazer compras mas ele odiava tudo porque ela nunca comprava coisas realmente úteis.

Sorri assentindo , recebi os pães, comprei duas latas de refrigerante e retornei pro apartamento.

Sam estava no pequeno balcão da minúscula cozinha dele -minúscula porém suficiente - com o queixo apoiado nas mãos, ainda de samba canção exibindo seu corpo magro.

- O Sr. Lincoln é uma graça.  - Disse eu largando as sacolas sobre o balcão e empurrando uma latinha para ele - A vizinhança é boa?

Sam inclinou a cabeça abrindo a latinha dele.

-Não muito.  Depende das pessoas.  As mais velhas ; bacanas. Os jovens ; estúpidos.

Beberiquei o refrigerante pensando em como ele chegou a tal conclusão.

- Você transa muito com as meninas do bairro?  - Perguntei sem receio.  Ele nunca deixou transparecer intimidação com relação a sexo então me senti livre a perguntar.

Sam deu de ombros.

- Não mais que um cara normal.

Cerrei os olhos desconfiada.

- Não acredito em você.

Sam riu com um delicado croissant em mãos.

-Digamos que se eu quiser, não faltará parceiras.

- Hum...Agora acredito.  - Experimentei o pão e continuei ; - Hillcrest é um bom bairro?

- Não está pensando em se mudar pra cá está?  - Brincou ele - Lydia, você anda questionando demais.

- Engano seu,  eu mal te faço perguntas.  Nem sei quantos anos tem, se faz faculdade, se trabalha além de tocar ou se tem uma garota na parada...?

-Tenho 20, fiz há alguns dias. Nada de faculdade, por opção minha.  E tocar na StikeOver já tem rendido mensalmente até mais que qualquer bom trabalho.

-Sei o que quer dizer, quando fui recontratar vocês tive a surpresa de ter que dobrar o cachê para que desmarcassem em qualquer outra boate no Gaslamp Quarter. Renderam bem, aliás, rendem bem. Muita gente aparece pra assistir vocês .

Sam assentiu pensativo terminando o primeiro croissant. 

- As pessoas costumam gostar da minha música.

-E você costuma ser tão modesto sempre? 

Deu de ombros sorrindo.

-Estou apenas dizendo a verdade.

Muito convencido.
Terminamos o café em silêncio e ficamos cerca de cinco minutos encarando a bagunça no balcão.

- O quê vamos fazer?  - Perguntei - Já matei aula hoje Sam , faça valer a pena.

Ele torceu os lábios.

-Tenho grandes compromissos com a banda hoje.  - Murmurou fazendo minha expressão ansiosa se dissolver - Gostaria de poder desmarcar mas é importante, temos que tocar pra uns caras de Manhattan.

- Que irado - Sorri - Caras de Manhattan,  isso me faz lembrar de quando uns empresários de Seattle vinheram ver o Theo.

- E o que aconteçeu? 

- A banda era bem inexperiente e acabaram ficando nervosos demais. Theo foi o único que arrasou, apenas ele foi chamado.

- E?

- Ele não aceitou ir.

- Por você?

- Pela banda.  Haviam feito um trato ; todos ou nenhum.

- Você não ficou incomodada com isso?

Dei de ombros.

- Não muito.  - Recordo bem daquela época e do quanto eu torcia pro Theo conseguir atingir os objetivos dele, pouco depois ele me traiu lindamente. - Nem cheguei a comentar com ele.

- Que tipo de namorada era você?

- O tipo que quer o bem para o namorado.

- Você o amava mesmo?

-Acho que sim.

- Então deveria ter se importado com o fato de que ele pensou primeiro na banda, não em você.

Entendia o ponto de Sam mas cresci abrindo mão de coisas que amei.

- Eu só queria o bem dele.

Sam não pareçeu acreditar.

- Você perdeu seu pai , certo? -Perguntou ele.

-Certo.

- E cuidou da sua mãe depressiva?

- Exatamente.

-E trabalha? 

- É.

- E se fode sempre no amor?

- Uhum, acabou de me derrubar então qual é sua grande conclusão?

Sam inclinou a cabeça para o lado me olhando sério.

- Você é a pessoa mais sem sorte que eu conheço.

Sorri .

Ele provavelmente estava certo mas eu não podia negar que naqueles últimos tempos minha sorte tinha melhorado bastante.  Talvez a vida estivesse finalmente vindo até mim.

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