Dezoito

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Meu reencontro com Gunner deveria aconteçer na segunda feira.  Eu já estava tão craque em me esconder dele na escola que não lembrei da outra centena de lugares comuns onde poderíamos nos esbarrar.  Mas não nos reencontramos num esbarro.  Ele não viria a Passenger por acaso. Não ás 3h da manhã,  uma hora após meu turno que tive de prolongar naquele sábado porque Ricky viajou pra Irlanda de férias -rever a família por lá - então descobri que ambos nos evitavamos e a situação toda caiu ao ridículo.

Gunner não pareçeu ver que eu era a barman da noite por isso falou antes de olhar para mim ;

- Uma ice pick,  por favor.

Eu segurava duas taças nas mãos xingando as inconveniências. Porque Ricky tinha que viajar justamente naquele sábado, melhor , naquele domingo porque já passava das 3h que se datava em 29 de novembro, meu aniversário? 
Ele devia ter pego as férias de natal.
Maldito Ricky.

Me virei e preparei o drinque vendo os outros dois barmans ocupados, a garota ruiva também saira -mas dentro do horário de seu turno. 

Quando terminei a mistura ele já me olhava de boca meio aberta. 
Suado. Olhos verdes apagados.  Pareçia cansado mas não de dançar ou beber, talvez de trabalhar - as provas finais estavam chegando. 

Sorri educadamente estendendo a taça.  Ele suspirou , aliviado e bebeu tudo em segundos.

Gunner suspirou alto, sobre a música eletrônica, exalando uma mistura visível de cansaço e gratidão.

Ele se aproximou do balcão, o suficiente para eu escuta-lo e disse :

-Odeio evitar você.  Eu te amo , muito e você está confusa, você não pode me amar Lydia, eu não sou o melhor pra você.  Tenho 25 anos , sou seu professor sabemos que esse não é o problema.  O problema é que você é bem mais vivida que eu, você sofreu demais , você perdeu mais e mereçe todo o mais que o mundo pode e vai te ofereçer então, não,  você não me ama do jeito distorcido que fode as coisas você me ama como o seu amigo que...Que , que te ama da mesma forma ou até mais, o suficiente pra ele estar se mudando de San Diego no fim do semestre, o mesmo que garantiu sua bolsa em NY para que tenha uma boa vida,  o mesmo que está te dizendo isso agora porque sabe que quando se ama de verdade, tem que se saber abrir mão. 

Flashes vieram a minha mente.
Foram tantas coisas.
Eu vivi tantas coisas.
Tragédia.  Felicidade.  Medo. Tristeza.

O dia 29 de novembro era um dia tão triste para mim.
Finalmente fizeram dois anos.
Ele se foi. No dia do meu aniversário.  Acidente de carro idiota.  Um motorista bêbado bateu em cheio no carro dele, bem do lado onde ele estava deixando meu presente intacto no banco de trás.  Foi arrasador receber a notícia.  Eu o perdi no dia 29 de novembro.  Perdi minha mãe.  Me perdi.
Pouco depois me recuperei e tentei fazer o mesmo com a mulher vázia que dividia o teto comigo.  O tempo todo pisando em cacos de vidro.  O tempo todo com medo de fazê-la lembrar da perda mas não adiantava muito comigo lá, meus olhos azuis e os cabelos escuros não vieram dela, meus traços faciais pertenciam a ele. Meu pai. Eu sabia o quanto era parecida com ele. Em tudo. 
Eu trabalhei duro. Minha mãe se recuperou e pelo que havia acabado de ouvir, consegui a bolsa em Nova York e lá estava eu novamente, perdendo tudo.
Gunner estava errado.  Eu o amava de verdade.  Mesmo. Eu o amava. E sabia que aquela declaração já se tratava de uma despedida.  Não poderia fazer mais nada. Ele abriu mão de mim e eu me senti pronta para partir. 

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