Capítulo 1

1K 60 90
                                    

- SAI DAQUI! - gritei tentando espantar a gaivota do meu cabelo - Gaivota imunda!

Ela prendeu as garras no meu cabelo, fazendo-o ficar desalinhado mais do que o normal.
A gaivota saiu voando e terminei de colocar a roupa no varal, colocar a roupa para secar, em Miami, dá nisso!

Entrei em casa e meu irmão Kevin estava na sala, jogando vídeo-game. Eu até iria lá, mas acabei de ser atacada por um bicho maligno.

- Oi, irmãzinha... - ele disse sem tirar os olhos da tela, o som de tiros soava sem parar. Kevin olhou para mim e franziu a testa. - Cara, o que aconteceu no seu cabelo? Foi atacada por um pássaro?

- Na verdade, sim - tentei arrumar o cabelo com as mãos.

- Ah, ele já parecia um ninho mesmo - riu e deu de ombros.

Revirei os olhos, Kevin acha que pode me provocar só por ser mais velho. Eu tenho dezesseis e ele dezoito, se Deus quiser, ele vai para a faculdade logo e vou estar livre! As pessoas sempre nos comparam dizendo que: 1) ele é mais inteligente, 2) Nós somos iguais na aparência, e 3) ele é mais inteligente.

Somos realmente iguais na aparência. Temos o cabelo castanho, o mesmo sorriso, mesmos olhos escuros... Só que tem outro detalhe que sempre deixam de lado: eu sou feia e ele bonito. Sei lá, ele é como o Cody Christian da vida!

Isso aí, mundo! Me julgue! Eu não sou uma daquelas garotas que admitem ser feias e são dramáticas. Apenas me acho normal. Não tenho nada de especial, as pessoas sempre tem algo diferente, como ter cabelo de outra cor, ser super inteligente, a mais bonita, saber cantar e etc.

Mas eu só sou... Eu! Sarah Baker.

Só sou boa em três coisas nessa vida: História, surfar e Michael Jackson. Às vezes, só às vezes, quando se tem dislexia é meio difícil ser boa em atividades que lhe exigem muito! Como matemática. Isso me deixa furiosa e com medo de não poder entrar pra faculdade.

- Ei, Sarah, ei, ei, ei, ei! - Kevin não parava de falar repetidamente enquanto olhava para a janela. - O papai.

- Mentira! - falei e fui até a janela e vi o carro entrando na garagem. - Viado, é mesmo!

- Você tá muito ferrada.

- Não tô - retruquei.

- Tá sim, ele foi buscar suas notas lá na escola, junto com as ocorrências. Você não é uma pessoa controlada, maninha. Ele vai te mandar para um internato depois disso. Talvez em um convento. É. Você tá ferrada.

- Eu tô ferrada - concordei. - E, obrigada pelo apoio motivacional, irmão... Será que existe uma saída? - papai saiu do carro com seu chapéu e uma pasta na mão, ele é advogado - Tipo fugir para Timbuktu?

- Ou Futaleufú - sorriu com a ideia de me ver longe, já devem ter percebido que meu irmão me "ama". - Boa sorte. Você tá ferrada.

- Já entendi, caramba! Não precisa jogar na cara.

Saí de perto da janela e corri para a cadeira, fingindo que era a garota mais santa da Terra. Kevin desligou o vídeo-game e sorrimos quando papai abriu a porta. Ele coçou a barba e semicerrou os olhos desconfiado.

- Eu entrei em um comercial de margarina por acaso?

- Oi, pai! Que bom que chegou! - exclamei.

- Oi... Que merda é essa no seu cabelo? Foi atacada por um pássaro?

- Sim! Au! - passei a mão no cabelo e tirei um graveto, não sei como foi parar lá. - Mas é aí, tudo bem? Trouxe algum doce pra mim? Um pastel ou churro?

- Comigo sim, e não trouxe nenhum doce - ele se sentou ao lado de Kevin e bateu em seu ombro, depois voltou a olhar pra mim. - Mas você tá ferrada, mocinha.

Kevin olhou para mim vitorioso e sorriu. Ficou com aquele olhar de "Há, há!", mostrei a língua para ele e papai continuou:

- Suas notas foram boas, conseguiu passar raspando em matemática e física, mas o resto até que foi bom.

- Certo, então porque essa cara de... Você sabe - dei de ombros e cerrei os dentes - Cu.

- Vou te mudar de escola de novo - O que? Era a quinta vez em três anos! - A diretora reclamou de você depois que quase mandou aquela garota para o lixão, depois para o lava-jato e depois para o hospital...

Dei de ombros e ergui as mãos em forma de rendição. Não era minha culpa se ela não gostava do meu cabelo (então a joguei em uma lata de lixo e o caminhão quase a colocou lá dentro), ou se ela não tinha tomado banho e o cheiro de carne podre envidai o ônibus!

- Não pode fazer isso! Eu já estou de férias.

- Eu sei, só queria te contar antes. Mas saiba que as escolas em Miami estão acabando, tem que manter o controle se não quiser ir à um internato. Ou convento, para não se envolver com garotos. - Papai diz e Kevin ergue as sobrancelhas, é isso o que ele faz quando prova algo que tinha razão. Até parece que eu já namorei, fiquei, ou qualquer coisa desse tipo.

- Então acho que já posso ir - falei me levantando da cadeira e indo para a cozinha.

- Na verdade, não. Pode ir parando!

- Quê? Tem mais? - fiz um moonwalker mal feito até a cadeira.

Me sentei e Kevin apoiou o queixo nas mãos, observando toda a cena com a menor cara de preocupação. Ah, mais eu vou me vingar desse filho da mãe já já.

- A diretora me recomendou isso - jogou um panfleto na mesa e o peguei. - É um acampamento...

- Militar? - Kevin pergunta animado - Para crianças problemáticas? Fica em Futaleufú?

Pontos positivos no meu dia: 0.

- Não, mais ou menos e não.

- Já sei! - falei - É um acampamento musical, tipo Camp Rock, ou quem sabe para filhos de deuses, não é? Ai, eu vou conhecer o Nick Jonas!

- Que? Não e com certeza não. É só um acampamento comum. A diretora me recomendou ele, disse que seria bom para você. Vai poder socializar e exercitar a mente e corpo com atividades. É bom para sua dislexia.

- Quem disse que eu preciso me socializar? - perguntei incrédula.

- O Michael Bob - Kevin disse - Aquela girafa já não te aguenta mais, garota.

Ele está falando da minha girafa de pelúcia que ganhei quando fiz dez anos. Está toda desgastada, com enchimento saindo, falta um olho... Mas ainda cuido bem dela e está lá, na minha cabeceira.

- Aguenta sim! - me virei para o papai - Pai! Não pode fazer isso, já pensou se eu quero isso? Se eu preciso ou ao menos perguntou para mim?

- Já. E não dou a mínima, eu já paguei, fiz inscrição e tudo. Você vai.

- Mas... - tentei pensar em alguma coisa para opinar, protestar. Minha mente tentava encontrar as palavras certas. - Eu não sei quanto tempo vou ficar lá, preciso ver meu "irmão querido" antes que ele vá pra Harvard!

- Vocês se vêem no Natal e ano novo, o acampamento faz umas pausas de vez em quando. E dura todo o tempo das suas férias, uns dois meses e meio - fiquei mais incrédula ainda.

Estava mais perdida que o meme do John Travolta.

SarahOnde histórias criam vida. Descubra agora