Capítulo 03

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- Vitória

Passado algum tempo ouvi algum barulho perto da porta, que rapidamente se abriu revelando as minhas duas colegas de quarto acompanhadas por dois rapazes, o de à pouco e outro.

- Já está bem acomodada a sua majestade?! - Ironizou o rapaz irritante de à pouco.

- Nos possíveis vossa graça. - Respondi na mesma medida.

- Eu sou o Duarte e aqui o engraçadinho é o Miguel. - Disse o outro rapaz. Duarte tinha os cabelos castanhos escuros, alto e com ombros largos e cara de quem faz as coisas pela calada; já Miguel tem os cabelos dourados que lhe caiam pela testa, não é tão alto como o Duarte, mas também não era baixo, tem uma postura misteriosa.

- Vitória. - Apenas respondi. Os quatro entraram e sentaram-se aleatoriamente pelas duas camas restantes.

- Então, Vitória, como vieste ter aqui? - Perguntou Duarte.

- Sinceramente não sei, mas acho que o meu pai simplesmente perdeu a paciência. - Agora que penso bem, deve de ser esse o motivo de eu ter vindo para este cú do mundo, ele simplesmente se fartou de mim, ele simplesmente se fartou da sua única filha. - Ou simplesmente se fartou de mim.

- Acho um bom plano sabes, chegas aqui, fazes-te da pobre coitada, que os teus pais não te ligam para depois ganhares a amizade de toda a gente. Bom plano. - Disse Miguel com um ar de gozo. Se ele quer jogar vamos jogar.

- Então diz-me quando entras-te aqui qual era o teu plano? - Perguntei-lhe. - Espera deixa-me adivinhar, o rapaz do nada, aquele rapaz que não é aceite só por ter uma personalidade forte, até aposto que tens um enigma dentro de ti para que ainda pareças mais misterioso. Mas queres que eu te diga uma coisa? Na escola onde tu andas eu sou professora, rapaz do nada.

Dito isto, saí do quarto e bati com a porta, corri o mais longe que pude dentro das instalações e só parei perto do gradeamento, onde me sentei no chão.

Tenho de sair daqui, ainda não sei como, mas vou.

{...}

O sol começava a pôr-se, mas por enquanto ainda não me apetecia sair daqui.  Passou-se um mês e ainda não me habituei a isto, sinceramente, não tenho vontade de o fazer.

Todos os dias depois das aulas (as aulas são da parte da manhã e à tarde é opcional fazer desporto ou outra atividades, também podes não participar em nenhuma das atividades, como é o meu caso e o de quase todos os alunos) venho para junto do gradeamento o mais afastado possível das zonas comuns onde se encontram os alunos animados a conversar sobre a sua vidinha inútil. 

- Sabia que te ia encontrar aqui. - Virei-me para trás e vi Zoé andar na minha direção. - Vens todos os dias para aqui começa a tornar-se previsível.

- Sendo  assim tenho de arranjar outro sítio. - Respondi com um sorriso  fraco. A Zoé é a única pessoa em quem confio aqui.

-  Quais são os pensamentos de hoje? - Perguntou como fazia sempre.

- Solidão. Todos os dias estamos rodeados de pessoas, rodeados pela sociedade, rodeados de adultos que se dizem ser cultos ou que simplesmente se acham melhor do que nós porque ainda não conhecemos o mundo como eles, somos a geração da tecnologia e da comunicação, mas no fundo estamos presos dentro de nós tão bem presos que nem sabemos e quanto mais rodeados por pessoas estamos mais sós ficamos. - Ela olhou ara mim  e depois voltou a focar-se no sol que se punha á nossa frente.

- Vitória Castro de Aguiar és a reencarnação de algum filósofo grego. - Ri-me com o seu comentário. - Trouxe-te o jantar.

Tirou uma sandes e um sumo da sua mala e entregou-ma.

- Então e as coisas com o Duarte? -  Perguntei-lhe. - Não me mintas que eu bem vejo os risinhos e a troca de olhares.     

- Somos só amigos. - Fez um gesto com as mãos como se estivesse a render.

- Pois engana-me que eu gosto. - Ambas soltamos uma gargalhada.

{...}

Acabei a minha torrada e fui pousar o tabuleiro, entretanto tocou para a primeira  aula da manhã. Envolvi-me na grande multidão de alunos e professores e fui até à minha sala, quando lá cheguei estava a habitual confusão pois o Professor ainda não tinha chegado.

- Hey Vitória! - Ouvi Duarte chamar-me. Fez-me sinal para que me senta-se ou seu lado. A fila vertical de cadeiras junto ás janelas onde eu estava sentada era composta pelo Miguel na primeira mesa da fila ou seja tinha a secretária junta com a do Professor, na mesa a seguir ficávamos eu e o Duarte, na a seguir á minha e do Duarte era a Zoé e a Lydia e a última mesa estava vazia.

 - O raio do velho demora sempre tanto. - Resmunguei. Inclinei a cabeça para trás e suspirei de tédio.

- Um dia podes ser tu é melhor não gozares. - É claro que Miguel não podia estar calado. O raio do rapaz não me pode ouvir falar!

- Está descansado que quando eu estiver naquele estado não vou estar a dar aulas a  um monte de ignorantes como tu, rapaz do nada, que só pensam em si e não no que os rodeiam. - Ele olhou para mim com o seu habitual ar de desprezo para comigo. 

- Estás a dizer que tu e todos teus amigos que te deram o seu confortável ombro para chorares porque o papá te mandou para um colégio interno são ignorantes? - Questionou com um ar de crápula.

- Eu estava a falar de ti e pessoas como tu, não das pessoas que me ajudaram e me deram uma oportunidade, e já agora, começo a achar que estás interessado no meu pai falas tanto dele, mas sabes ele prefere empregadas domésticas de preferência femininas.  - Após acabar de falar o Sr. Ehtan entra na sala com a sua perna arrastada e sua habitual pasta de couro negro.

- Bom dia jovens. Sei que preferiam estar com o rabo na cama em vez de vir ter História com um velho  coxo,  mas o que é que se há-de de fazer, eu também não queria olhar para as vossas caras e aqui estou eu. - Ouvi-se o resmungo geral e o pobre velhote começou a aula sobre as grandes  guerras e os seus custos. Conclusão: Achei o rabisco que estava a fazer na página do caderno mais interessante.

 - Vitória, pode responder a pergunta do seu colega já que é uma aluna tão concentrada em história. - Olhei o professor e olhei para o colega que tinha acabado de fazer a pergunta.

- Qual pergunta? - Voltei a olhar para eles.

- Esta juventude! Que tal ir apanhar ar se não quer estar na minha aula escusava de entrar. - Agarrei nas minhas coisas e coloquei-as na minha mochila.

- Já fui para a rua por mais. - Disse antes de sair. 

- Veja lá se quer passar a ir por menos ainda. - Retorquiu o velho rezinga. Ouviu-se um gargalhada geral, mas Vitória Castro e Aguiar tem de dar sempre resposta.

- Talvez nem chegue mesmo a entrar. -  Olhamos um para o outro abri a porta e ia para sair quando ouvi.

- Se ela for eu também vou. - Eu só posso estar a sonhar, o Miguel voluntariou-se para vir comigo para a rua?! Digam-me que isto é uma alucinação! 

- Mais alguém para fazer companhia a estes jovens? - Não se ouviu uma mosca, e eu e  Miguel saímos da sala.

- Para onde vamos? - Perguntou-me com uma expressão neutra. Sorri fraco.

- Vai á merda! - Andei no sentido contrário com destino ao meu canto ao lado das grades.

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The Nothing BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora