Acaso

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       Eu não esperava que ele viesse.
       Ele não veio.
       Mas a vida na cozinha é agitada e não tive tempo para pensar em príncipes e na vida de mordomias da realeza. Então eu foco no meu trabalho: Descascar batatas, preparar o molho, cortar cenouras...
       Todo este trabalho para, no final do dia ganhar algumas migalhas, mas pelo menos são alguma coisa.

— Aurora, você poderia colher alguns morangos e amoras? Vou fazer aquela torta deliciosa! – pergunta Alice, a chefe da cozinha, uma senhora de mais ou menos quarenta e cinco anos, alguns fios brancos aparentes misturados com o preto predominante. Gentil e esforçada, é sempre muito divertido trabalhar ao lado dela, além de poder experimentar misturas de todos os tipos e variedades.

— Claro! Já estou indo.

       Pego uma cesta e vou em direção ao campo das frutas silvestres,  um dos lugares mais tranquilizadores e bonitos do palácio.
O vento estava forte neste período, então me agacho e com dificuldade colho as frutas com o meu cabelo atrapalhando a visão.

— Aurora? – assusto-me com a chegada repentina de Ethan e quase caio de uma forma provavelmente ridícula na grama.

—Ah! Olá... Príncipe Ethan – ajeito as minhas vestes e o meu cabelo, naquela manhã ele amanheceu descontrolado e na minha brevíssima opinião, feio. – Como vai?

—Apenas descansando – ele parecia exausto e com a feição cansada – e a senhorita?

—Colhendo morangos e amoras para Alice, para a sobremesa do baile.

—É mesmo... O baile – ele suspira e deita-se debaixo de uma árvore – provavelmente terei de dançar com mais de quinhentas damas.

       Eu rio, não tinha pensado por este lado, dançar a noite inteira com pretendentes e desfrutar dos maravilhosos banquetes por pouco tempo. Além de ficar com os pés doendo. Horrível.

—Deve ser mesmo difícil – sinto o olhar dele pousar sobre mim – Quero dizer, como você aguenta?

—Não entendi.

—Passar a noite dançando com quinhentas damas, mulheres que você não gosta, apenas para encontrar uma esposa a qual não amará e deixar de aproveitar a festa. O amor surge de repente, sem arranjos ou sem pressão, apenas acontece.

—Você já se apaixonou?

       Aquela pergunta me deixou surpresa e agora claramente percebo que nunca me apaixonei.

—Se não levar em conta o meu cãozinho de infância e nem a minha família... Tenho a impressão que não, mas levo comigo todos os sentimentos e sonhos das personagens de primavera, outono, verão e inverno. Eu vivi todas aquelas vidas a qual eu li sobre.

—Você me parece mais apaixonada por leitura do que por pessoas realmente verdadeiras.

— Ei! Não chame os meus amores fictícios de "não reais"! – rindo, estava me esquecendo que o tempo ia passando e as tarefas fluindo.

—Eu também.

—Você também...?

—Nunca me apaixonei.

—Ah, acho que isto é totalmente normal... Digo, não é uma doença e nem nada... Não ter descoberto o amor.

A RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora