Beijo?

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Comprei os mimos da cozinha e fui encontrar Gaten em um café perto do Mercado.
O lugar era simples, não serviam nada como aqueles grandes banquetes de que se vê no palácio.
Não queria comer muita coisa porque iria acabar com o meu salário do mês, mas também não queria deixar isso claro para ele, então pedi um bolinho de chocolate e ele um salgado.
— Aurora, eu ainda não entendi por que você não foi ao baile comigo. Tem algo de errado com a minha pessoa?– Gaten olha para mim, finjo não me importar, mas ele segura na minha mão.
— O príncipe pediu que eu o acompanhasse para mostra-lhe as cidades que ele desconhecia.
— Por que tinha que ser você? Um chefe da Guarda poderia fazer o seu serviço.
A comida chega neste momento, o que corta um pouco o clima.
— Não diria que foi um serviço, está mais para um favor. Gaten, tem algum problema? – começo a saborear o bolinho.
— Sim, de você ser linda e eu ficar com raiva de você nunca ter me percebido.
A cena que se segue é a típica de que alguém fala algo chocante para uma pessoa e a outra, comendo, quase cuspe tudo para fora.
— Quem disse que eu nunca te percebi? – limpo a minha boca com a costa da mão.
— Eu sempre estou te convidando para alguns momentos sozinhos e nunca dá certo.
— Eu sinto algo muito grande por você. – Gaten, que estava ao meu lado da mesa, se vira para minha frente e me beija.
O beijo dele era... Normal.
Nada mais. Sem mais e nem menos, era um beijo tranquilo.
Espero que ele não tenha reparado na minha leve frustração. Desde o dia em que ele pisou na cozinha e eu o vi, sonhava em ser beijada por ele... Mas eu pensava que seria enquanto eu colhia morangos ou até mesmo enquanto fazia o jantar da família real.
Não ali, não em um café no meio da cidade. Não sem a paixão que eu tinha sentido à primeira vista.
Afasto ele.
— Então?
— Foi... Bom – tento sorrir e ele sorri de volta. – Ah, acho que já deu o meu horário.
— Vamos voltar, eu vou com você.
Hm. Péssima ideia.
— Tudo bem.
Caminhamos todo o caminho de volta com os pacotes do mercado e eu, com a consciência um pouco pesada, por ter fingido ter gostado do beijo.
  — Aurora, eu... Gosto de você.
  Não sabia o que falar.
  — Eu também gosto de você Gaten – sorrio.
  — Sério? Porque... Pareceu que você não gostou muito do meu beijo.
  Tropeço e quase derrubo os pacotes.
  — Você está bem? – ele parecia preocupado.
  — Sim. Eu gostei. Mas que tal começarmos devagar?
  — Quem disse isso? Foi só um beijo – ele ri e me abraça – por mim tudo bem.
  Chegando no palácio, passamos pelos estábulos e Max, o cavalo de Ethan, pareceu reconhecer-me. Sorrio.
  — Finalmente te achei Aurora, preciso de sua ajuda! – era Matiko. Matiko é a asiática descendente do Povo do Sol que cuida da direção da lavanderia do castelo. Ela é sempre muito legal e divide comigo alguns livros sobre os outros reinos e lugares diferentes em troca de uma ajuda com a lavagem.
  Olho para Gaten em forma de desculpas e sigo Matiko.
  — O que aconteceu?
  — Uma tragédia! A coitada da Louise, morreu de cansaço. Dizem que ela não dormia fazia dias! Ela caiu morta no chão, sem vida.
Levo as mãos ao rosto. Louise era uma amigável senhora que trabalhava com Matiko.
— Não acredito... Ela morreu mesmo?
— Infelizmente, sim... Mas aqui as coisas não param e não podemos ficar sem uma pessoa para passar os vestidos da rainha!
— Já estou indo!

***

Vou correndo para a lavanderia, uma gota de suor passa por minha testa.
Abro a porta de madeira rústica da lavanderia e deparo-me com a rainha em pessoa chorando, os criados acudiam-a e tentavam oferecem um copo de água.
— Louise... Como ela pôde ter se descuidado tanto a ponto de.... Falecer? Eu poderia ter diminuído os horários dela! Eu poderia tentar convencê-la mais uma vez de se aposentar, mas ela sempre recusava! Falava que não queria perder a prática. – ela derramava rios de lágrimas, nunca pensei que veria uma rainha agir desta tal maneira. Pensava que a maioria das rainhas precisariam se manter estáveis e um pouco frias. Ela é uma maravilhosa rainha. Não digo isto com sarcasmo.
Tento não atrapalhar a rainha e passo por ela sem fazer barulho, começo a passar suas roupas com todo o cuidado que Louise teria.
Sinto uma mão tocando o meu ombro.
Era a rainha Marise.
— Você irá fazer o trabalho de Louise?
Olho para Matiko, ela estava com medo de ter-me metido em uma encrenca, estava com um sorriso paralisado.
— Sim, majestade.
Pensei que ela iria gritar comigo, demitir-me, me mandar para fora...
— Deixe-me ajudá-la.
Fico ainda mais surpresa com sua atitude, uma surpresa boa.
A rainha, passando suas próprias roupas?
— Majestade, você não precisa fazer isto – Matiko interfere.
— Mas eu quero. – a rainha olha para Matiko e depois para mim – Louise era minha amiga, em honra dela, ajudarei com o seu último trabalho. Ela era muito devotada, única.
O que eu poderia fazer?
Cedi o lugar ao meu lado para a rainha e comecei a passar o ferro nos finos tecidos de um vestido azul oceano. Ele era lindo, digno de uma rainha.
Haviam mais trinta e cinco vestidos a serem passados, a rainha Marise trabalhava ferozmente, e se estivesse cansada, não demonstrava nem um pouco.
— Você a conhecia? Conhecia Louise? – a rainha pergunta.
— Sim, majestade. Ela era uma verdadeira pessoa com "coração de mãe ", se assim posso dizer. Ela aceitava a todos e amava cada um, era muito doce.
— Sim... Com certeza, ela era maravilhosa – ela estava agora com um lencinho com que secava os seus olhos de dois em dois minutos.
— Majestade? Muitas pessoas já lhe disseram isto, mas... Você é a melhor rainha que o seu povo poderia ter.
Ela sorri para mim e me abraça.
Wow.
A rainha está me abraçando!
Retribuo o abraço e ela fala:
— Eu sinto falta de abraços calorosos e verdadeiros. Obrigada, Aurora.
— A Vossa Majestade não tem a que agradecer, ainda mais a mim! Mas, como sabe o meu nome?
— Só poderia ser você. Nunca vi o meu filho tão... Despido da raiva e com uma carga enorme de graça e alegria. Não a reconheci por seus olhos diferentes violetas, nem por seu cabelo de fios dourados, mesmo que isto tenha ajudado um pouco. Mas por seu poder. Seu poder de conseguir fazer as pessoas enxergarem por uma fração que seja de esperança, paz e reconhecimento. – ela falava de mim com palavras tão bonitas que comecei a chorar também, ninguém nunca havia me falado aquilo. Eu não merecia uma descrição deste tipo, não mesmo.
— Majestade, não posso acreditar que falas de mim assim, sendo que a vossa pessoa é a mais gentil, humilde e generosa que por sorte consegui conhecer. Com orgulho, proclamo todos os dias que você é a minha rainha, a rainha de Valerie! Eu sou apenas uma criada, jamais serei uma heroína. Não leve isto como uma rejeição de suas palavras, eu agradeço, e muito.
Ela segura em minhas mãos, agora, estávamos nós duas em lágrimas.
— Querida, você pode não ter um cargo alto, grandes e extensas terras, mas de nada vale todas estas riquezas comparadas ao que você consegue fazer, o que você cria, o que você vive. Tenho a minha certeza de que Matiko perguntou a várias outras criadas se poderiam se arriscar a ajudá-la, mas todas recusaram. Ela pediu a você. Foi você quem veio. Você se sacrificou, pôs em risco o seu trabalho. Isto tem de ser reconhecido! Para os seus olhos, você pode ser uma simples, mas competente criada. Mas para os meus, e de muitas outras pessoas, você é aquela que se arrisca para ajudar a qualquer um. Uma heroína não é aquela que se mata para convencer aos outros o seu título superior e comentar os seus fardos vividos.
Uma heroína é aquela que mesmo sabendo que não terá nada em troca, ajuda seus iguais e desiguais. Espero que tenha entendido o que eu disse.
— Entendi, majestade, entendi.
— Agradeceria se comparecesse aos aposentos reais às 15h, para responder se aceita ser minha dama de companhia.

A RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora