A Ponte

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Alice levantou a pérola até a altura de seus olhos e viu que era muito bonita, mas ela não compreendia o que devia ser feito. Seu olhar foi para a sua esquerda e encontrou uma pequena trilha em meio às pedras e mato crescido, e só lhe restou seguir aquele caminho com receio do que poderia encontrar.
O céu estava perdendo seus tons escuros e ganhando cores claras, para o espanto de Alice, pois geralmente as noites no seu mundo demoram mais tempo que isto, e para ela, aquilo provava que as palavras "noite" e "dia" realmente não se encaixavam naquele lugar.
No entanto, Alice não estava reclamando, na verdade ela estava muito feliz por sair daquela escuridão, já que os primeiros raios de luz que vinham de algum lugar do céu forçavam entrada pelas árvores de folhas enormes e variadas.

- Não compreendo. - Alice coçou a cabeça. - Este mundo não tem Lua e Sol, ainda assim, existe luz e escuridão no céu. E por que existem apenas estrelas?
Eu gostaria de encontrar alguém que pudesse ter uma conversa sensata comigo, alguém que pudesse responder as minhas perguntas claramente. No entanto, sinto que isto é pedir demais neste lugar.

Mais á frente Alice encontrou uma  ponte havia um ser estranho, baixinho e corcunda. Sua pele era como a de um crocodilo, e suas feições só aumentavam a semelhança.

- Bom dia, senhor, eu gostaria de...

- Para passar tem que pagar. - Ele foi direto.

Alice franziu o cenho, preocupada, pois não tinha outro dinheiro se não o das lavagens de roupas de sua tia, e ela não poderia usá-lo pois não era seu.

- E quanto seria o valor?

- Não é muito. - Ele disse se coçando na barriga que sobressaía ao colete surrado e marrom. - Me dê aí todo o seu ouro e veremos o que posso fazer por você.

- Mas eu não tenho ouro. - Alice respondeu e se assustou quando ele apontou com entusiasmo para o rio.

- Então desejo que a menina saiba nadar.

Alice viu que o rio tinha uma forte correnteza e negou com a cabeça.

- Não tão bem, senhor. Mas tenho uma pérola que ganhei de uma sereia. É a única coisa de valor que eu tenho.

Ele se remexeu e com uma agilidade que ela não imaginava, saltou e ficou de pé em cima do tronco que prendia a ponte.

- Elas me desprezam apenas porque são belas e cantam bem! Me chamam de feio! - Ali estava um problema dos grandes. - Não quero nada que venha daquelas peixonas egocêntricas!

- Peixonas? - Alice repetiu mas o homem crocodilo não lhe deu folga e apontou seu dedo grotesco para ela.

- De que adianta a beleza quando a tormenta chegar?! De nada! Quem determinou que os providos de beleza são mais dignos de honra do que os que não a têm?! Quem lhes deu o direito de rir de mim apenas porque somos diferentes?! Quem?! Diga!

- Oh por favor.. - Alice se viu assustada com todas aquelas revelações. - Eu não sei dizer, mas se acalme agora. Você sabe do seu valor, senhor. Isso deve bastar para si.

- Não basta saber que eu mereço respeito! Eu o exijo, mas elas insistem em não me dar! - Ele desceu frustrado e deu brutas pisadas no chão. - Elas têm que saber que eu não escolhi ser assim, e enquanto não verem que eu tenho o meu valor por ser exatamente como sou, não aceitarei nada que venha delas!

- Mas é uma pérola tão linda, senhor.

Alice mostrou a pérola brilhante, acreditando que ele poderia mudar de idéia, mas tudo o que conseguiu foi receber um olhar duro e um rosnado ameaçador.

- Você não poderia ter escolhido palavras piores, sua insolente!

Alice deu alguns passos para trás, receosa e magoada.

- Você é como elas, bonita e perversa. Mas eu lhe digo que aqui a beleza não basta. Aqui você não pisa com o seu ego inflado!

Ele deu a volta e passou uma grossa corrente dourada ao redor da passagem da ponte.
Alice ergueu as mãos para ele, numa tentativa de abrandar a sua situação.

- Senhor, eu peço desculpas se o ofendi, mas entenda que eu não tenho culpa do que lhe dizem sobre sua aparência. E digo mais, se eu fosse o senhor, não me abalaria por todas as críticas que recebo. Ora, se eu fosse dar ouvidos a tudo o que dizem eu não sairia mais do meu quarto, viveria sozinha, porém ainda infeliz.
Seja franco, se isolar desta maneira não lhe fará se sentir melhor. Vá até lá e tente fazer amigos.

Ele negou em silêncio, encolhido e também se enrolando à corrente.

- Eu gostaria de poder nadar novamente, apenas isso, mas elas dizem que se eu colocar o meu corpo feio na água, me estraçalham!

- Ah, não. Elas não podem estar falando sério, senhor. - Alice se aproximou receosa. - Acredito eu que um acordo pode ser feito e quem sabe, futuramente vocês podem se tornar amigos.

- Pare de dizer isso! - Ele estava furioso e mostrou seus dentes de crocodilo para ela. -  Não me interessa a amizade com pessoas que só pensam em si mesmas. Prefiro ficar sozinho.

Ele negou com veemência e passou mais uma vez a corrente pelo arco da ponte.
Alice olhou para trás pensando se deveria voltar a falar com a sereia novamente.

- Me diga então para que serve esta pérola. Aquela sereia me deu mas não disse o que devo fazer com ela.

- Ela não disse? Mas é obrigação dela dizer! Espere um instante... - Ele a analisou chegando mais perto. - Qual o seu nome?

- Me chamo Alice, estou a procura de..

- Você se chama Alice?! Por que não me disse antes?! - Ele bufou como um touro. - Estão falando que você encontrou o caminho de volta mas não sabe o quanto é importante por aqui.

- Essa conversa de novo? - Ela resolveu ignorar aquele assunto e colocou a pérola no chão. - Não me importa o quanto sou importante no seu mundo, só me importo com George, um menino que acabei por perder no meu mundo. Agora me diga para que serve esta pérola.

- Menina egoísta! - Ele pulou e apontou um dedo bem perto do nariz dela. - Você nos ignora enquanto estamos à mercê daquela que nos humilha e rouba nossas terras! Você só sobreviveu porque nós a salvamos e é assim que nos retribui?!

- Mas... do que o senhor está falando?! Eu nunca estive aqui antes! Me deixe passar, eu quero sair deste lugar de seres malucos!

- Malucos?! - O homem crocodilo pegou a pérola do chào e atirou no rio, não demorou nem cinco segundos, uma nova ponte surgia das águas.

Alice se aproximou para ver a ponte que se estendia, feita de algas e pérolas, reluzindo à luz do céu.

- Esta é a ponte das Sereias Selenas da Lua, agora saia daqui, rainha egoísta e má! Você é pior do que a Rainha Vermelha.

Alice franziu o cenho e baixou a vista. Aquelas palavras foram duras e ela precisava fazer alguma coisa para que ele se acalmasse, pedir desculpas deveria servir.

Alice e o Chapeleiro (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora