Alice viu o reflexo da cadeira passar que no corredor e dobrou para a esquerda, a seguindo o mais rápido que podia.
A escuridão ia aumentando e as tochas nas paredes não eram mais suficientes para iluminar todo o caminho, mas finalmente a jovem chegou em uma área de várias portas de cada lado, e viu a cadeira paralisada na penúltima daquelas portas.- Obrigada. - Alice agradeceu à cadeira, que se remexeu e voltou a ficar inerte. - Chapeleiro?
Resmungos e lamentos foram ouvidos dentro daquela cela, e a porta de ferro que continha uma janelinha balançou com um movimento brusco.
- Alice? - Os olhos verdes e tristes do Chapeleiro surgiram na janelinha e suas mãos seguraram as barrinhas de ferro. - É mesmo você, Alice?
- Sim, é claro que sim! Abra esta porta. - Ela pediu ao ver que havia sangue nas mãos dele. - Oh, por favor, o que você fez com suas mãos?
Ainda angustiado e com a voz falha, e notou os cortes nas mãos.
- Chorei tanto que acredito que meu corpo inteiro também chorou. Jamais vi Ogullidel vermelho. Você já viu esta cor de Ogullidel, minha vida?
Tresloucado e assustado, O Chapeleiro deixou a faca cair no chão da cela e levou as mãos aos olhos na tentativa de esconder suas lágrimas.
- Eu pensei que você não me quisesse por perto. Quem iria querer ficar perto de um maluco?
Alice estava com o coração partido e agora também deixava as lágrimas deslizarem por seu rosto. Logo, ela bateu o pé no chão com impaciência.
- Porta, eu ordeno que se abra!
A porta se abriu e o Chapeleiro caiu no chão, seu corpo magro e elegante estava ferido e seu peito estava nu. A calça negra tinha cortes de faca, o sangue a fazia brilhar e a cartola pendeu de lado quando Alice o acolheu em seus braços.
- Como você pode achar que eu não quero ficar perto de você? Por que você fez isso, Chapeleiro? Por que se machucou dessa forma?
Alice tentava agora controlar seu próprio choro para poder consolar o Chapeleiro, e tirou a Cartola dele, pondo ao seu lado no chão.
- A sensação era boa de início. Guilhermo gentilmente me disse o que fazer, e pude lidar bem com os cortes, mas jamais soube lidar com o fato de ser sempre abandonado. - Ele inspirou o perfume de Alice, e seus olhos se fecharam. - Cada nova dor carnal me fazia esquecer de uma dor sentimental. Você foi embora sem me dizer adeus, e isto doeu de todas as formas possíveis, e eu precisava ao menos de um adeus, mas isto é algo que não costumam me dar. Todos apenas vão embora quando bem entendem, não é?
- Eu não fui embora. - Alice fez um carinho no rosto frio dele e limpou suas lágrimas. - Não sinto vontade de ir mesmo que eu corra riscos. Quero ficar aqui perto de você, e jamais iria embora sem lhe dizer adeus, você salvou minha vida mais vezes do que eu posso contar.
- Eu sou louco. - Ele fixou seu olhar no dela, um gesto que mostrava o quanto precisava deixar tudo às claras. - Mas buscarei minha sanidade de volta por você. Me peça e eu farei. Sim, eu tenho pouco a lhe oferecer, mas viverei para lhe arrancar sorrisos e não lhe faltará conforto. O que eu não faria por você? Oh, bem, eu amo você, eu amo muito você.
Alice se viu sem palavras e só lhe restou uma única atitude; Beijá-lo.
Seus lábios se uniram com delicadeza, e ele a beijou com tanto carinho e cuidado que fez com que Alice se sentisse a mulher mais amada daquele mundo. Algo revirou no seu estômago, e as maçãs do rosto arderem como brasa. A felicidade parecia se espalhar pelo corpo de Alice em uma velocidade absurda.
Ele separou seus lábios e seus olhos encontraram o dela, no segundo seguinte ele a beijava novamente. Alice sentiu a maciez dos lábios dele e sua língua encontrou a sua com timidez, um toque suave e inebriante que fez ambos suspirarem.
O primeiro beijo de Alice foi cheio de amor e respeito, mas ardente e demorado.- Se afaste dele. - A Rainha Branca os interrompeu e olhava aquela cena com grande decepção.
As duas se confrontavam com o olhar, e Alice se apressou e dizer tudo o que pensava da Rainha Branca.
- Eu acreditei que você era boa. Você me enganou! - Ela ajudou o Chapeleiro a levantar e o apoiou na parede. - Como você pôde fazer mal à ele?! Isso é cruel.
- O mundo inteiro não quer vê-los juntos. - A Rainha se justificou com lágrimas nos olhos como se jamais quisesse fazer aquilo. - Procure entender, querida.
- Isto não diz respeito ao resto do mundo. - Alice ajudou o Chapeleiro a andar, mas ao ver que ele não conseguia, o sentou na cadeira. - Isto diz respeito somente à nós dois e vocês precisam entender. Cadeira, ordeno que crie asas e leve-o para cima.
A cadeira se mexeu e de suas laterias surgiram asas feitas com o tecido verde que a revestia no assento. Logo ela levantou vôo e foi em frente lentamente. Alice o seguiu não tirando os olhos da Rainha que a observava atentamente.
- Ele só precisa de uma chance para lhe mostrar que pode ser bom. - A mulher tinha súplica no olhar. - Deixe Guilhermo lhe mostrar que pode mudar.
Para Alice era inacreditável que a Rainha Branca apoiasse as atitudes tão cruéis do filho, e ainda por cima incentivasse uma união entre eles depois tudo.
- Eu poderia perdoar todas as ofensas que o Guilhermo faz à mim, mas jamais perdoarei o que ele fez ao Chapeleiro. Jamais.
Alice seguiu em frente e acompanhou a cadeira que levava o Chapeleiro para cima, agora decidida a cuidar apenas dele e mais ninguém.
Guilhermo estava no Jardim das rosas brancas, suas enormes asas estavam molhadas e pesadas. Ele olhava o céu cinza que derramava sua chuva sem parar, sua raiva havia passado, mas a mágoa ainda estava dentro de seu coração.
- Por que você não está rindo?
Guilhermo olhou para o Coelho Branco que brincava por entre as flores e jogava de lado seu relógio.
- Coelho medíocre. - Guilhermo disse e o Coelho Branco olhou para ele, perdendo o riso de imediato. - Não existem motivos para sorrir, é apenas a chuva, seu estúpido.
- Eu não sou estúpido. - O Coelho Branco se defendeu. - Sou pontual em minhas obrigações, obediente e agora feliz. O que há de mal em ser feliz?
- Você nunca será feliz! - Guilhermo gritou para ele, seu rosto estava contorcido de fúria. - Você pode ser perfeito em tudo, o melhor dentre todos os outros, mas nunca conseguirá tudo o que quer! Você tem sido um fraco que se permite ser um escravo de suas escolhas mal feitas! Você nunca será feliz! Nunca! Será sempre visto, mas será também sempre um nada! Um monstro imundo que fere todo mundo! Você não merece mesmo ser amado! Você ainda se acha feliz?! Se acha?!
O Coelho Branco piscou seus grandes olhos com perplexidade, e notou que entre as gotas de chuva no rosto de Guilhermo haviam lágrimas.
Por fim o Coelho Branco entendeu a situação e ficou triste por isso, se aproximando dele com pulinhos receosos. Seu tom de voz se tornou brando e melancólico.- Sinto muito, mas eu não sou um espelho, sou um coelho.
Trêmulo e surpreso, Guilhermo segurou na bainha de sua espada ameaçadora e o Coelho Branco se encolheu, esperando um golpe certeiro.
- Vá embora. - Guilhermo sentou no chão de grama molhada e baixou sua cabeça, desacreditado e deprimido.
O Coelho Branco se surpreendeu por ainda estar vivo, e aquilo foi o suficiente para ele voltar a se aproximar de Guilhermo, dando seus pulinhos que levantavam água, falando no ouvido dele.
- Está tudo bem errar, você só precisa de perdão para, enfim, mudar. Acredite que você pode se bom, e bom você será.
Acredite.
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Alice e o Chapeleiro (Em Revisão)
FantasyAcreditamos que viemos para esse mundo com o propósito de sermos felizes, e à cada passo para esse caminho nós somos empurrados para trás pelas decepções. O impacto no peito é tão forte que às vezes não tem como se manter em pé. Quantas vezes caímo...