Ser bom é muito difícil.

1.7K 294 203
                                    

Trabalho. Alice se afundou nele com vontade assim como o Chapeleiro fazia ao elaborar seus chapéus.
A Sala Visionária era o seu novo quarto, e ali ela tinha uma cama onde antes estava o sofá.
Alice passava todo o tempo trabalhando duro e depois dormindo. Sua magreza estava ganhando evidência mas ela não ligava.
As ordens que ela podia dar continuavam sendo cumpridas e a Rainha Vermelha arrancava seus cabelos por isso.
Alguns céus se passaram e Guilhermo não voltou.
O Chapeleiro conseguiu encher a casa de chapéus e quando não havia mais espaço, eles foram também parar nas árvores e arbustos.
A Rainha branca se prostou em uma cadeira na varanda e chorava sempre que era obrigada a sair de lá. Ela ainda esperava pelo filho.
Alice estava concentrada em uma área sombria do mapa quando ela sentiu o clima esfriar.

- A escuridão. - Ela disse não precisando mais de janelas que mostrassem que havia escurecido outra vez. - Quinze céus ao todo. O que quer dizer? O quê? Talvez seja o fim de uma variação do clima seco no deserto de confetes. - Ela olhou para aquela área, pensativa. - Sim, com certeza é isso.

A porta se abriu e os olhos de Alice encontraram os olhos estrelados que ela tanto quis voltar a ver.
A boca de Alice secou e seus olhos se arregalaram.

- Guilhermo.

Guilhermo estava sério mas seu coração batia descompassado, um frio tomou conta de sua espinha, e no segundo seguinte ele estava sendo esmagado pelo abraço de Alice.

- Você voltou.

Ela sussurrou como se a muito tempo não usasse a voz, e de fato não usava. Suas mãos foram para o rosto dele que tinha pequenas marcas de arranhões. Ela beijou seu rosto diversas vezes mas ele se afastou ainda que não quisesse.

- Eu vim apenas lhe prestar um favor.

- Me perdoe por machucá-lo. - Ela tentou segurar sua mão. - Eu nunca quis. Me perdoe.

- A Rainha Vermelha montou seu exército de cartas e explodiu a passagem da ponte leste. Não temos..

- Por favor. - Ela se agarrou à ele e o segurou pelo colarinho. Suas testas se colaram e ambos suspiraram. - Guilhermo, eu senti saudades. Eu senti tanto a sua falta e eu.. Eu amo... Eu... Fique aqui. Fique aqui, estou sozinha. Estou enlouquecendo sozinha.

Guilhermo quase sentia o gosto dos lábios de Alice nos seus. Ela tentou beijá-lo e ele virou o rosto.

- Você não me ama. - Ele segurou as mãos dela que se agarraram com mais força em seu colarinho. Alice estremeceu num choro frenético. - Você sabe que ama o Chapeleiro, por que você não voltou para ele quando eu mandei?

- Os seus olhos odeiam a luz do dia, mas você teme a noite. - Ela passou os lábios nos dele e Guilhermo estremeceu assim como ela. - Os seus lábios expelem palavras frias mas tem gosto doce.

- Pare com isso. - Ele tentou afastá-la ao ver que ela estava mesmo enlouquecendo. Na verdade ele estava quase cedendo àquela tentação. - Alice, o que há com você?

- No entanto, eu não posso ter nenhum dos dois. - Ela o abraçou trêmula e fria. - Está tudo pronto, deve haver um casamento e um reino que se sobressaia aos outros dois!
Mas este é o preço! As Rainhas estão sem os seus Reis. Por quê? Por quê?!

- Há quanto tempo você está presa aqui? - Mas ela uniu seus lábios aos dele e Guilhermo se surpreendeu com aquilo. Ela o beijava loucamente e mordia seus lábios, e ele queria continuar com o beijo, mas não podia, não sabendo que ela estava fora de si.
Mas ela forçava o beijo e o puxava para si, não restando mais nenhum espaço sobre eles.

- Pare, Alice. - Ele a afastou desorientado.

- Você não me ama! - Ela o soltou e cambaleou até uma coluna. Ele foi até ela preocupado.

- Amo o suficiente para respeitá-la. Você não me beijaria se estivesse em seu estado normal.

- E você está no último lugar da lista. - Ela soluçou. - Você não é louco como nós. Você é o mais lúcido do País das Maravilhas. É por isso que existe tanta infelicidade em você. Você vê o mundo como ele realmente é e não usa as portas da loucura para se esconder disso. Mas ser louco é bom, Guilhermo. - Ela o olhou nos olhos com ansiedade e resfolegou enlouquecida. - A realidade sombria não dói tanto quando a loucura atinge seu limite máximo. Vamos, Guilhermo, enlouqueça comigo.

Ela voltou a se prender a ele e Guilhermo segurou um gemido. Aquilo era tudo o que ele sempre quis ouvir.

- Enlouqueça comigo, Guilhermo. Feche os seus olhos para o real e sonhe junto comigo.
Me beije, beije os meus lábios.

Ela ia beijá-lo mas ele a segurou.

- Não. - Ele se forçou a dizer.

- Ah! - Ela rugiu o grito e se afastou irritada. - Então vá embora! Vá e me deixe sozinha! Existe uma ponte abarrotada de cartas assassinas á minha espera!

- Que bom que você entendeu. - Ele lhe deu as costas mas suspirou, seu coração estava dilacerado ainda mais do que antes.

Alice se sentou na cama e chorou calada. Guilhermo veio até ela, ergueu seu queixo com a mão direita e mirou seus olhos.

- Eu amo você mais que tudo nessa vida. Eu te amo mais que a mim mesmo, mas eu preciso ir embora. E eu preciso que você se case com o Chapeleiro e seja feliz. Faça isso, Alice.
Ele se curvou e beijou seus lábios delicadamente.
Quando Alice abriu os olhos, a porta já havia batido e ele estava longe, muito longe dali.

Guilhermo voava no céu escuro e estrelado e grunhiu de raiva limpando suas lágrimas. Ele queria voltar para ela, queria beijá-la e enlouquecer com ela.
Ele jamais pensou que ser bom fosse tão difícil.

- EU ODEIO SER BOM! ODEIO!

Alice e o Chapeleiro (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora