Guilhermo estava deitado de bruços para não machucar sua asa, e quando abriu os olhos, o Chapeleiro estava lá, sentado em uma poltrona em frente à cama.
- Estive trabalhando em um novo chapéu. - Ele disse com um olhar vago e Guilhermo não se moveu.
- Está com medo que ela não goste de você, que prefira à mim.
Ele respondeu com o seu habitual tom maldoso.
Guilhermo não era culpado por isso, apenas era o que era.
O Chapeleiro franziu o cenho e baixou sua vista, levando uma das mãos à testa.- Medo? Então o que estou sentindo é medo? - Ele coçou a cabeça parecendo confuso. - Engraçado, eu nunca tive medo, e conhecer essa sensação é um tanto desagradável e bastante desnecessária. Talvez ela me ame um dia e isto que eu sinto sairá do meu peito, e o que ocupara o seu lugar será o amor puro e recíproco. Eu acredito que a reciprocidade é o grande pilar do Amor.
- Você é louco. - Guilhermo o tirou de seu devaneio e viu que ele derramava algumas lágrimas. - Ela não se casaria com um louco fazedor de chapéus. O que você tem para oferecer à ela? Nada!
O Chapeleiro se encolheu ao ouvir aquilo e ao ver as chamas se formarem nos olhos de Guilhermo.
- Eu sou belo, sempre que ela olhar para mim se encantará. Sei voar, posso usar as minhas asas para levá-la aos lugares mais incríveis que existem nesse mundo. Eu tenho um castelo, este castelo enorme e majestoso para ela. Posso ser um Rei legítimo e fazer de Alice uma Rainha. Mas e você, seu maluco fazedor de chapéus? O que lhe faz pensar que pode competir comigo?
O Chapeleiro o olhou nos olhos flamejantes e estremeceu, angustiado.
- Alice é boa e você está mal, muito mal. Eu não me casaria com você.
Ele se foi e Guilhermo ameaçou levantar, mas sentiu dor e paralisou.
- Maluco!
Alice foi para seu quarto mas não sentia sono, seus pensamentos estavam voltados para o que estava perdendo no mundo real. Faziam agora seis anos, seis longos anos que ela estava desaparecida.
As lágrimas ameaçaram cair, fazendo com que ela negasse e levantasse da cama, saindo do quarto e indo para um longo corredor.
Não estava frio, mas tudo estava silencioso e azulado por conta do período de escuridão, e uma brisa leve vinha de uma das grandes janelas abertas.
Alice foi até a janela e olhou para as luzes que dançavam pelo País das Maravilhas. Seus pensamentos ecoaram alto em meio àquele silêncio.... E eles esperam por ordens minhas, ordens que não sei se devo dar. Aquela Rainha Vermelha ainda comanda este mundo e ainda que seja muito injusta, eu não invejo suas obrigações. E Ele, o Chapeleiro faz meu coração palpitar descompassado, minhas mãos suam e chego a pensar que fico doente ao vê-lo, mas gosto de sua presença. Mesmo que a vida não tenha me dado muitos motivos, tenho vontade de sorrir largamente quando ele segura a minha mão. Ele salvou a minha vida, me livrou de coisas que eu sequer consigo lembrar, mas que teriam me matado com facilidade.
Por que eu quero tanto voltar para aquele mundo? George hoje deve ser um rapaz e Maríope, de certo, deu-me como morta e tomou tudo o que meu pai me deixou. Por que eu voltaria para aquele lugar, por quê?- Alice. - A voz que ela tanto conhecia sussurrou seu nome em suas costas e ela fechou os olhos, sentindo uma aura de paz que emanava do Chapeleiro.
- Qual seu nome? - Ela perguntou ainda de olhos fechados. - Me diga o seu nome.
- Eles me chamam de Chapeleiro, então este é o meu nome. - Ele respondeu e segurou os ombros dela com delicadeza.
- Este não é o seu nome. - Ela se virou para olhá-lo e voltou a ver a mágoa refletida em seus olhos. - Eu gostaria de saber mais sobre você, mas não sei se quero, na verdade.
- Está confusa. - Ele segurou a mão dela e Alice engoliu em seco, quase feliz agora. - E acredito que se você souber mais à meu respeito, não diminuirão os seus problemas. - Ele fez um carinho leve no rosto dela, que sentiu esquentar onde seu toque passou. - Você é tão bela, tão perfeita que sinto vontade de amá-la para sempre, mas também sinto vontade de me esconder e fazer milhares de chapéus.
Alice lembrou das palavras do gato e concluiu que ele a amava, mas também a temia e queria esquecê-la.
- Me amar? Como você pode querer me amar para sempre se o que eu sou hoje é uma caixa feia repleta de mágoa e dor? Eu vejo bondade em seus olhos. - Alice segurou o rosto dele e mirou seus olhos verdes. - E me sinto pequena quando você me olha, porque eu sou imperfeita demais para alguém como você.
- Não é. - Ele disse fechando os olhos brevemente e baixando sua vista. - Quero que você saiba que todas as vezes que eu olhar para você, eu estarei vendo a mais perfeita das damas e a dona do meu coração. Como poderia eu não lhe amar? Como? Esta é a única coisa impossível no País das Maravilhas.
Não há como não amar você, Alice.Ele se aproximou de seus lábios e ela fechou os olhos novamente, entregue àquela sensação boa e desconhecida. Seu cheiro doce invadiu o espaço e ela desejou se aproximar mais e mais.
Por fim, um ronronar os afastou.
O Gato estava lá e flutuava por suas cabeças.- A Rainha Branca deseja vê-lo, Chapeleiro. Creio que seja urgente.
Ele assentiu decepcionado e pediu licença à uma Alice corada e incapaz de olhá-lo nos olhos.
E ele se foi apressado e deixando-a vermelha.
O Gato se deitou no peitoral da janela e Alice sentou ao seu lado, ainda envergonhada.- O mundo não quer vê-los juntos. Esta nova realidade não convém à todos, não parece certo.
O Gato falava para si mesmo e Alice o olhou de lado.
- Está falando do Chapeleiro e de mim? Está dizendo que não posso amá-lo como ele diz me amar?
O Gato balbuciou algumas palavras sem sentido e logo suas palavras se tornaram coerentes.
- ... e as estrelas brilham forte, representando cada dia que termina naquele mundo de trevas, e pouco do seu brilho se vê por lá, porque tudo ali é fosco e obscuro. - O Gato mirava as estrelas do céu.
Alice suspirou, mas refletiu sobre suas palavras.
Seu mundo era mesmo um lugar muito cruel.- Você está certo, Gato Sorridente. Você está certo.
Alice foi dormir.
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Alice e o Chapeleiro (Em Revisão)
FantasyAcreditamos que viemos para esse mundo com o propósito de sermos felizes, e à cada passo para esse caminho nós somos empurrados para trás pelas decepções. O impacto no peito é tão forte que às vezes não tem como se manter em pé. Quantas vezes caímo...