Essa Nova Realidade

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Alice pousou na neve em frente ao castelo da Rainha Branca e procurou controlar sua respiração alterada.
A saudade do Chapeleiro era tão grande que ela se assustou por descobrir o quanto gostava dele em tão pouco tempo.
Logo ela lembrou dos belos e magoados olhos de Guilhermo.

Eu o amo? Como eu poderia amar dois homens? Talvez eu não ame nenhum! Talvez seja apenas um sentimento de amizade que eu sinto por Guilhermo. Não posso amá-lo! Eu amo o Chapeleiro. Mas se eu amo o Chapeleiro, por que eu me importo tanto com fato de Guilhermo ter ido embora sem sequer se despedir? Eu não quero que ele vá embora! Não quero que ele fique com raiva de mim.

- Você vai congelar aí. - O Gato cantarolou em uma voz rouca e flutuou sobre a cabeça loira de Alice.

Ela esfregou os olhos avermelhados de tanto chorar.

- Não faz diferença. - Suas asas se fecharam devagar, como se também tivessem sentimentos e ficassem tristes. - Não tem sido fácil viver dessa maneira.

- E eu volto a dizer que não tem sido fácil viver de maneira nenhuma.

Ele resmungou comendo neve e falando como se sua língua tivesse ficado dormente. De fato estava.

- Mas não reclame tanto. Você é uma garota de sorte. A maioria das pessoas passa a vida procurando um grande amor, e morre sem ter visto sequer um vislumbre dele.
Deprimente.
Já você, jovem e bela Alice, teve dois amores. Por que você não consegue se alegrar com isso?

- Eu não tive nada. - Ela também comeu a neve e sua língua ficou dormente. - Eu não tenho nada. Só me restou um monte de obrigações e a culpa de partir dois corações.

- Guilhermo tentou matá-la. - Ele a lembrou.

- Eu vi melhoras. - ela retrucou esperançosa. - Ele pode ser bom.

- O Chapeleiro tem sido sua babá desde criança. É um pouco assustador que ele tenha se apaixonado por você.
- Isso não diminui o que eu sinto por ele. Seu respeito por mim é sem igual. - Alice lhe lançou um olhar cortante. - Só consigo amá-lo mais ainda e agradecer por ele ter salvo a minha vida tantas vezes.

- O mundo não quer vê-los juntos.

- Porque não parece certo. - Ela completou rolando os olhos nas órbitas. Logo a raiva a fez ficar vermelha e ela exclamou furiosa. - E isto deveria me obrigar a esquecê-lo? Por que este mundo acha que eu tenho que obedecê-lo? Não era para ser o contrário? Não é o País das Maravilhas quem tem que me obedecer? Esse mundo pode não querer me ver junto com o Chapeleiro, mas eu ainda o amo e ele ainda me ama. Isso não muda nada, Chershire!

Um silêncio estranho se firmou ali e um tremor de terra fez Alice olhar para os lados assustada.

- Chershire? - Ele perguntou fingindo inocência. - Sim, este é o meu nome.

- Co.. Como?! - Alice ficou de pé assim que o tremor de terra se foi, mas suas pernas ainda tremia. - Como eu posso saber seu nome se nunca o ouvi antes? Ordeno que se explique.

O Gato Chershire se remexeu desgostoso e jogou fora uma bola de neve que antes pretendia comer.

- Eu deveria ter desaparecido a um segundo atrás. Bem, eu sempre estive ao lado do Chapeleiro, e ele sempre esteve ao seu lado, como você bem sabe. Acredito que em algum momento de sua vida você tenha ouvido o meu nome enquanto eu e ele conversávamos. É possível.

- E por que só agora estou me lembrando disso?

- É óbvio, não? - Ele levitou. - Você esqueceu onde morava, com quem morava e quem a jogou aqui. Suas memórias daquela realidade estão se apagando para que você se lembre das memórias desta nova realidade.

- Acho que fiquei louca. - Ela franziu o cenho preocupada com si mesma.

Ele riu sombriamente.

- É o que nós somos. Você não poderia ser menos louca que nós. Na verdade, somente a Rainha Vermelha é mais louca que você.

Alice obteve um olhar vidrado e Chershire sorriu para ela.

- Não fique triste, o segundo lugar ainda é um bom lugar.

- Mas... - ela tentou pegá-lo pelo rabo mas ele voou mais alto. - Se existe o primeiro lugar em loucura, quem está em último deve ser o mais lúcido, certo? Quem está em último lugar? Quem é?

- Tem certeza de que não sabe a resposta? - Ele ia desaparecendo depressa. - E a neve branca se expande por todo o País das Maravilhas, o vento...

Mas Chershire havia desaparecido e o que restou foi uma bola de neve caindo na cabeça dela.
Alice bufou e seguiu para o castelo branco.

Por que eu ainda continuo aqui?

Ela se perguntou depressiva.

Longe dali, Guilhermo voava o mais rápido que podia e usava sua espada para se defender de golpes de pássaros vermelhos com garras longas e afiadas que avançavam nele. A Rainha Vermelha ainda não se cansou de procurá-lo, e devo dizer que ela nunca cansaria.
E como você bem deve conhecer Guilhermo, ele nunca pediu e jamais pediria que Alice o ajudasse.
Na verdade ele estava gostando de ter o que ele julgava ser uma boa distração.
Assim que ele derrotou o último pássaro, olhou para o céu que dava seus primeiros sinais de azul.
Ele estremeceu ao ver a escuridão que se aproximava, e voltou ao dia em que voava na escuridão e caiu no Campo Vermelho.
Ele pousou, ou melhor, caiu rolando em um pico muito alto e resfolegou de joelhos e mãos no chão.

- Eu não sou um covarde. - Ele arfava. - Eu nunca mais vou ter medo de voar e também não tenho medo de você, Cabeçuda!

Guilhermo voou no momento em que o Dragão vermelho surgiu e bateu com a barriga no chão onde antes ele estava, e na sua descida furiosa ele cravou sua espada na cabeça do dragão que soltou um rugido asqueroso e se remexeu devagar até a morte.
A terra voltou a tremer no País das Maravilhas, mas dessa vez por temer o ódio da Rainha Vermelha.

Guilhermo sorriu.

- Eu serei um belo Rei.

Alice e o Chapeleiro (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora