Na manhã seguinte, acordei assustada com o despertador, levantei da cama ainda sonolenta, esbarrei no criado-mudo, escorreguei numa peça de roupa que estava caída no chão, e por sorte cheguei viva no banheiro. "Respire". Repetia a mim mesma. "Ainda é terça-feira, tente ficar inteira até o fim de semana".
Já havia perdido a quantidade de vezes que repetira isso a mim. Que inventara desculpas para ser forte, esperando pelo dia em que essas desculpas deixassem de ser desculpas e se tornassem um verdadeiro motivo para sorrir. Talvez estava perto de encontrar um.
No trabalho, a mesma coisa de sempre. Tentar ser educada e conversar com as pessoas, dizer "bom dia" para alguns, sorrir de vez em quando, e ficar bem. As vezes até me divertia ouvindo histórias das pessoas na sala de espera, e palpitando as vezes, esse tipo de coisa realmente me distraia e me fazia pensar que existiam vidas muito piores que a minha.
Uma terça-feira, como todas as outras. Trabalho, estudos, faculdade. Estava virando o tipo de pessoa apegada à rotina, algo que nunca fui antes. E, não sei, talvez você tenha sido o motivo disso, ou talvez não, talvez seja só a vida, me fazendo crescer.
Enfim, estava tudo correndo como esperado, bom, não sei se esperado seria a palavra certa, afinal, revendo minhas expectativas antes de você me deixar, um dia comum como esse estaria bem longe do que dizia "esperado".
As 22hrs, cheguei ao meu prédio, chequei o correio - apenas algumas contas – e fui em direção ao elevador. Foi onde eu o vi novamente, aqueles olhos azuis e barba caminhando em minha direção. Não sabia se parava, se andava, se ficava feliz, ou com raiva. Incrível como aquele " jornalistazinho " me fazia sentir confusa. Eu odiava isso.
- Olha quem está aqui! – disse ele com um sorriso – senhorita Bianca! Como está?
- Bem e você ?– disse tentando ser simpática, apesar de odiar o modo em que ele tentava forçar uma intimidade que não tinha comigo
- Bem também! E ai, você conseguiu ler a coluna ontem?
- Ah, eu dei uma olhada. - disse caminhando para dentro do elevador. Ele me seguiu e entrou junto comigo.
- Que bom, espero que tenha gostado.
O silêncio, então, pairou no elevador. Silêncio ao mesmo tempo bom e constrangedor. Eu realmente não queria falar com ele, mas o silêncio trazia um clima tenso, e me fazia pensar sobre o que ele estaria pensando.
Finalmente nosso andar chegou, sai sem dizer nada, procurando minhas chaves na bolsa enquanto ele me encarava. Até que ele finalmente percebeu que o assunto havia acabado, virou-se e entrou no seu apartamento.
Eu fiz o mesmo, entrei no cubículo que chamava de casa, joguei minha bolsa num canto, deitei na cama ainda com a roupa do trabalho e fiquei assim, olhando para o teto, descansando o corpo e a mente.
Levantei depois de um tempo, chequei o celular e fui atrás de alguma coisa para comer, apenas o lanche da faculdade não tinha sido suficiente para aquela noite. Estava fazendo meu clássico misto quente quando ouvi o barulho de alguém batendo na porta.
Caminhei até a porta, já imaginando que seria o vizinho de cima, que sempre passava de porta em porta vendendo seus bolinhos, que fazia para arrecadar um dinheiro extra.
- Desculpe Marcos, não vou querer nada hoje – disse, abrindo a porta.
Foi quando olhei para frente, e percebi que não era quem eu estava pensando.
- Desculpa bater assim na sua porta, mas fiquei pensando, gostaria de ter uma oportunidade para te conhecer melhor, e para que me conheça também, não só como o cara estranho que pulou pela janela do seu apartamento numa sexta- feira. E ai, o que me diz? Está livre sábado a noite?
Aquilo foi realmente o que eu chamava de inesperado. Fiquei ali, apenas encarando-o enquanto ele me olhava de volta esperando uma resposta.
- Bom, eu preciso ver, não tenho certeza se tenho algum compromisso esse sábado. – menti, é claro que não havia nenhum, só não queria parecer desesperada, sozinha.
- Tudo bem, mas por favor, pense com carinho. Posso pegar seu número? Para combinarmos alguma coisa, caso dê certo.
- Claro. – disse, me arrependendo em seguida, e passei meu telefone.
- Obrigado, vou te mandar uma mensagem para você gravar o meu também, estou aguardando uma resposta. – disse com um sorriso de lado que fazia com que seus olhos diminuíssem – Bom, tenha uma boa noite.
- Você também.
Fechei a porta quando ele se foi, terminei meu misto, tomei um banho e fui para cama, afim de dormir. Mas, tudo que consegui fazer foi pensar. Incrível como a madrugada e a cama me faziam ficar pensativa, pensava sobre o passado, sobre o presente, o que perdi e o que ganhei. Mas naquela noite, tudo que pensei foi no sábado a noite, na possibilidade de sair depois de tanto tempo passando meus fim de semanas na companhia de filmes, séries ou livros. Pensava no medo, na incerteza se deveria ir ou ficar, se deveria dar uma chance para um desconhecido mudar minha rotina. E entre pensamentos, finalmente consegui dormir.*
A quarta e quinta- feira passaram como um "flash", em meio a trabalho e estudos, mal tive tempo de pensar no fim de semana, e quando menos percebi, já era sexta-feira.
Acordei assustada olhando para o relógio, 7:40 A.M., já estava atrasada. Levantei depressa procurando pela primeira roupa que aparecesse tentando entender o porquê raios meu despertador não havia tocado aquela manhã.
Enquanto colocava um jeans velho e procurava por uma camiseta, discava o número do meu chefe, desesperada.
Peguei um filão correndo, sem recheio nem nada, e fui comendo a caminho do trabalho, para não correr o risco de passar mal de fome. Que bela maneira de começar o dia!
Como se não fosse o suficiente, encontrei o Felipe no hall de entrada do prédio.
- Olá sumida! Ainda estou esperando sua resposta para amanhã!
- Oi, a gente pode conversar depois? Meu dia mal começou e já está sendo um desastre, e se eu não correr provavelmente serei demitida.
- Nossa, tudo bem. Boa sorte! Mas, por favor, não se esqueça de me mandar uma mensagem ou me ligar quando tiver um tempo livre!
- Tudo bem! Te ligo no meu horário de almoço, tchau- disse e sai correndo.
Foi só quando cheguei na clínica que percebi o que havia feito, agora não tinha escolha, teria que ligar para ele no meu horário de almoço. A ansiedade sobre o que dizer e minhas inseguranças fizeram com que a manhã durasse uma eternidade. Até que finalmente chegou meio dia.
" Oi, aqui é a Bianca, aonde você estava pensando em irmos sábado?"
Optei por uma mensagem. Li e reli aquilo até finalmente enviar, me preenchendo de dúvidas. Nunca sabia como lidar com o novo.
" Olá! Então posso considerar isso como um sim? O lugar ainda não decidi, te aviso antes de sairmos!"
Pensei e repensei sobre uma possível resposta, e acabei deixando sem responder.
Mais tarde, recebi uma mensagem dele novamente.
" 19:30 te encontro na porta do seu apartamento. Até amanhã ! :)"
" Okay, até"
Então, era isso, eu estava deixando um desconhecido entrar na minha vida pela primeira vez desde que você se foi. Não sabia dizer se estava certa ou errada por estar "seguindo em frente", mas, eu tinha que me dar uma chance, tinha que ver do que era capaz, se ainda era a mesma menina que você deixou.
Na ânsia dos meus pensamentos, voltei a pensar em você, na noite em que te conheci e em como você mudou o meu mundo com apenas um olhar...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quando você se foi - pausado
RomancePerder alguém que se ama nunca é fácil, mas Bianca vai mostrar, nesse romance incomum, cheio de saudades, que é possível se recuperar de uma grande perda. Por mais difícil e doloroso que seja, sempre haverá um outro alguém, uma outra esperança. ...