Capítulo 9

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Quanto menos percebi já era sábado, acordei tarde como de costume e fui fazer alguns trabalhos da faculdade.
Por mais que tentasse focar nos estudos, as borboletas do meu estômago pareciam soar mais altas. Desde aquele dia, não havia falado mais com Felipe, mais nenhuma outra mensagem, nenhuma ligação. Cheguei a pensar que ele havia desistido de sair novamente comigo.
  Sempre fui uma garota insegura, e as inseguranças do amor, para mim, foram sempre as piores. Amor, engraçado como depois de uma grande perda, qualquer pretexto para se reerguer se torna amor, ou qualquer motivo para amar se torna culposo. As dúvidas e incertezas dentro de mim eram ainda piores do que as relacionadas à ele.
  Almocei qualquer bobeira e acabei caindo no sono novamente. Dormi a tarde toda.
  Acordei assustada e peguei meu celular para checar a hora, mas quando toquei na tela, a última coisa que vi foi o horário: haviam 5 mensagens dele e mais 2 chamadas não atendidas.
  "Oii, tudo bem?"
  "Tudo de pé pra hoje?"
  "Que horas posso passar pra te pegar?"
  "Precisamos combinar um lugar, dessa vez deixo você escolher"
  "????"
  Confesso que ri de seu desespero, eu não era a única que me preocupava. Acabei ligando para ele, que atendeu após alguns toques.
  - Alô?!
  - Oi, é a Bianca - falei, como se ele não tivesse lido o identificador de chamadas ao ver a ligação.
  - Ah! Olá! Pensei que já tivesse esquecido de mim!
  - Claro que não, só andei meio ocupada hoje. - menti.
  - Ah, sem problemas. Mas e aí? Sugestões para hoje?
Confesso que me senti um pouco culpada por pensar justamente em um lugar que costumava ir com você. Mas nenhum lugar me pareceu melhor do que aquele restaurante.
  - Tem um restaurante italiano que não é muito longe daqui, o que acha?
  - Por mim tudo bem, marcado! As 20 horas passo aí!
  - Beleza, tchau.
  - Tchau, beijos.
Uma hora antes comecei a me arrumar, sempre gostei de me trocar com calma, escolhendo com sabedoria as peças de roupa, sapatos e a maquiagem.
Depois de pronta, me olhei no espelho. Incrível como olhar para minha imagem por um tempo me fazia refletir sobre mim mesma.
Primeiramente olhei para minha calça jeans rasgada, depois para a blusa branca que fazia uma composição perfeita com os sapatos rosé. Eu estava bonita, me sentia bonita: por fora, parecia uma mulher confidente e segura, a expressão forte disfarçava as contradições que se passavam dentro de mim. Não conseguia ter uma certeza: tinha dúvidas sobre o lugar que iríamos, ficava com medo das conversas que poderiam surgir e com mais medo ainda do silêncio que me constrangeria. E no misto de sentimentos, não pude deixar de pensar em você, a nostalgia da saudade me fazia perguntar milhões de coisas à mim mesma antes de sair e imaginar todos os possíveis motivos para desistir. Me olhei no espelho: dessa vez eu iria sair sem culpa no peito, precisava de acreditar em mim.
E então, Felipe bateu na porta, queria fugir, não importa o que havia pensado, não estava pronta pra isso. Dei uma última batida no cabelo, sorri para minha imagem e fui atender.
- Olá, você está linda hoje. - disse ele me cumprimentando com um sorriso no rosto.
- Obrigada. - disse, vermelha.
- Bom, acredito que hoje você irá me guiar. Para onde vamos?
- Me siga. - falei caminhando até o elevador.
Paramos na garagem, e eu abri meu carro, o pensamento de dirigir me deixou agoniada. Acho que nunca me acostumaria com a correria e o louco trânsito de São Paulo. Vendo minha hesitação ao entrar, Felipe se ofereceu para dirigir, confesso que me aliviei ao entregar as chaves para ele.
- Só preciso que me guie.
- Sem problemas.
  Dei as direções a ele até chegarmos no restaurante. E pela suas reações, senti que havia gostado do lugar.
  Sentamos em uma mesa no centro do local, as paredes desenhadas com grafite tornavam o lugar excêntrico.
  Fizemos o pedido e conversamos sobre trabalho e faculdade até nossos pratos chegarem, para meu alívio, o silêncio não pairou sobre nós, sempre mudávamos o assunto e fazíamos de tudo para termos sobre o que conversar. Fiquei satisfeita em saber que não era a única que queria manter a conversa viva.
  Apesar da distração e da conversa, não conseguia deixar de pensar em você naquele lugar. E em certo momento, o assunto inevitável chegou: estava olhando de lado, pensando nas vezes que já havia estado ali e como ir para aquele restaurante depois de tudo que aconteceu me fazia sentir forte e bem novamente. Para meu infortuno, Felipe percebeu.
  - Aconteceu alguma coisa? - disse olhando para mim.
  - Ah, não, só estava lembrando de algumas coisas.
  - Cedo demais para me contar sobre isso? - falou olhando nos meus olhos, mostrando uma compreensão que nunca havia visto na minha vida. Minha vontade foi de abraçá-lo e esperá-lo dizer que tudo ficaria bem.
  - Acho que sim.
  - Posso te fazer uma pergunta? Venho pensando nisso inquietamente.
  - Claro. - respondi curiosa.
  - Eu sei que já te perguntei isso a última vez, mas por que  realmente estava chorando aquele dia que entrei no seu apartamento? E, principalmente, o que te fez confiar em um estranho que pulou sua janela? Você sabe que existem muitos loucos por aí.
  Refleti por uns instantes não sabendo o que dizer. Não podia dizer toda a verdade, mal conhecia ele, mas algo em mim me tornou incapaz de mentir. Precisei selecionar as palavras para não estragar tudo.
  - Ah, estava apenas com saudade, como já te falei. Sobre a confiança, não sei, algo em você me disse que não era um "mais um louco por aí".
Entre risadas, ele prosseguiu:
- Bom, saudade do que necessariamente?
- 'Hmm', me parece que estou sendo interrogada para mais um dos textos do senhor Felipe Dias. - falei em tom de brincadeira.
- Não, não, de jeito nenhum! Fica tranquila, não saio escrevendo sobre a vida das donas dos apartamentos que invado.
- Ah, então já aconteceu mais vezes?
- Não, só estava brincando. Não costumo invadir apartamentos alheios.- o modo em que ele disse isso, me fez solta uma gargalhada no ar. - Mas voltando ao assunto, vou esperar até você se sentir confortável o suficiente para me contar sobre as suas saudades.
- Obrigada.
Depois de mais conversas e risadas, pedimos a conta e fomos embora. Na porta do meu apartamento, paramos para nos despedir:
- Prometo que não vou sumir tanto essa semana. - disse ele.
- Ok. - disse calmamente, apesar da possibilidade de falar mais vezes com ele durante a semana me causava uma felicidade incessante.
Nos despedimos e entrei.
Coloquei um pijama e deitei na cama, olhando para o teto, não conseguia parar de sorrir. A leveza de nossas conversas me trazia uma calma que há tempos não sentia.
Acabei adormecendo esperando ansiosamente o que estaria por vir.

Quando você se foi - pausado Onde histórias criam vida. Descubra agora