Assustada, olhava para aquele rapaz de polo vermelha e calça jeans entrando pela minha janela.
- Quem é você? O que faz aqui? SOCORRO! Vou ligar pra polícia! - gritei desesperada já pegando o telefone.
- Calma dona, não sabia que já tinha gente morando no apartamento - disse o rapaz, já de pé na minha cozinha.
- Como assim não sabia que tinha gente? O que veio fazer aqui? Isso é invasão de domicílio! E outra, por que estou falando com você? Preciso ligar pra polícia!
- Calma, posso ao menos me explicar? - disse, pegando em minha mão, que já estava discando no telefone.
Foi aí então que realmente olhei para ele, primeiro naquela mão sobre a minha, nos seus braços, até chegar no seu rosto: cabelos curtos e negros que acabavam numa barba a fazer, olhos azuis, brilhantes como aquele lago que costumava ir quando criança. Tais lembranças me fizeram querer confiar nele, o jeito como seu toque soava sereno, preocupado, e os seus olhos, desesperados.
- Ande, você tem cinco minutos para se explicar, ou ligarei.
- Nossa moça, muito obrigado! - disse suspirando - Primeiramente, perdoe-me pela falta de educação, nem ao menos perguntei seu nome.
- Ah, muito bom, você invade meu apartamento e diz que falta de educação foi não ter perguntado meu nome? E não, não vou lhe falar.
- Tudo bem, se preferir assim...
- Eu disse cinco minutos, e o tempo está passando, não me enrole!
- Desculpe, bom, é, meu nome é Felipe, caso queira saber, e eu moro no apartamento da frente.
- Ótima maneira de conhecer meu novo vizinho!
- Uou nervosinha, calma aí, já falei que não sabia que você já estava morando no prédio! Mas okay, novamente peço desculpas... Acontece que sou um escritor, e a janela do quarto desse apartamento tem uma vista realmente incrível, então costumava vir aqui toda sexta-feira à noite para me inspirar para meus textos; não sei se já ouviu falar de mim, Felipe Dias, colunista para o Jornal Coesão. Meus textos são publicados todas segundas-feira.
- Ta, "senhor colunista", mas saiba que agora esse apartamento está ocupado, então sinto que você deverá procurar outra "fonte de inspiração divina".
- Você estava chorando? - disse ele, analisando meu rosto.
- Rá! Só pode ser uma piada! - disse, mas por instinto, coloquei as mãos no rosto e esfreguei os olhos - Por um acaso não ouviu o que acabei de dizer?
- Sim, ouvi sim, eu arrumo outras fontes de inspiração. Mas sinto que estou em desvantagem, me apresentei, falei da minha vida, e você nem sequer me disse como se chama - disse, olhando no meus olhos.
- Bianca - falei, olhando para baixo, tímida. Me arrependendo em seguida, não deveria estar conversando com um estranho que havia acabado de invadir meu apartamento - Bom, estamos apresentados, agora acho que já pode ir.
- Claro Bianca, não quero atrapalhar, e bem vinda ao prédio, espero te ver mais vezes por aí.
Agradeci as boas vindas e o encaminhei até a porta. Ele se despediu com beijinhos e falou novamente de seus textos na coluna do jornal.
- Leia nessa segunda, caso tenha um tempo livre.
Ao fechar a porta, suspirei aliviada e voltei para meu quarto, só queria passar aquela sexta sozinha na minha cama, apenas acompanhada de pensamentos.
E foi o que fiz, voltei para a cama, para meus pensamentos, coloquei de novo aquela música, e tentei pensar em você. Comecei a lembrar de nossos lindos momentos juntos, então fechei os olhos e algo estranho ocorreu. Cada vez que pensava em você, via o rosto do garoto da janela em flashes. Só então notei o quanto vocês se pareciam: o mesmo cabelo cor de carvão, o mesmo toque áspero e delicado ao mesmo tempo, os mesmos olhos acolhedores. Nossa, como sentia sua falta...
E novamente àquelas lágrimas começaram a escorrer, molhando o lençol. Por mais que evitasse, a saudade estava me consumindo aos poucos, me levando para um universo paralelo, onde ainda estávamos juntos.*
Acordei assustada, olhando pro lado e vendo manchas de maquiagem na cama, não me lembrava de ter adormecido na noite anterior, minhas lembranças me invadiram e, quando menos percebi, já era manhã.
Peguei meu celular para checar a hora, e ver se tinha alguma mensagem da noite anterior. Era meio dia e, pra variar, nenhuma mensagem, a não ser uma da minha mãe perguntando se passei bem a noite. Realmente não conseguia entender toda essa preocupação dela, já tinha 20 anos, e ela ainda me ligava todas as tardes e mandava mensagens o dia todo para checar o que estava acontecendo comigo. Ok, tudo bem que São Paulo não é uma cidade tranquila, mas não era para tanto..
Como de costume, me levantei e fui caminhar, porém logo já estava em casa novamente, afinal, não era tão simples caminhar meio dia, com o sol exalando sobre sua cabeça.
Já em casa, liguei e pedi uma pizza, que provavelmente duraria de refeição para o dia todo, e fui procurar filmes para me distrair.
Essa vem sendo minha programação todo sábado, desde que me mudei para São Paulo, completamente sozinha, acompanhada por filmes e pizza. Sei que deve achar estranho esses meus programas para o fim de semana, mas acontece que desde que você se foi, não sinto mais tanta vontade de sair por aí, sem programação fixa, a procura do que fazer, desde aquele acidente, o medo tomou conta de uma parte de mim, então passei a optar pelo mais seguro, tranquilo e programado
E como num piscar de olhos, meu final de semana,super animado, chegou ao fim, me dando um choque de realidade e me libertando da preguiça.*
Durante a semana, trabalhava de dia, como secretária de um cardiologista a algumas quadras do meu prédio, e ia para a faculdade a noite. Como esperado, aquela segunda não foi diferente.
Por sorte, quase não tive ocupações na parte da manhã, o que me deu tempo livre para adiantar uns trabalhos da escola e ficar de bobeira na internet. Enquanto mexia no meu notebook, ficava pensando na loucura que passei sexta-feira, e nas possíveis chances de ser assaltada ou alguma outra coisa ruim. Entre pensamentos, me lembrava dos olhos daquele rapaz: desesperados, aflitos; que me lembravam tanto a nossa infância, dias de paz e felicidade.
Instintivamente, entrei no site do Jornal Coesão e logo na página inicial vi uma foto dele, com aqueles mesmos olhos, mas agora escondidos atrás de um óculos, cabelos escuros e barba a fazer, ao lado lia-se "Coluna Felipe Dias", cliquei sem pensar duas vezes, e logo apareceu o texto da semana, tratava-se de uma poesia:"Bom dia caros leitores, sei que não é de costume escrever poesia, e confesso que não sou tão bom com elas como com outros gêneros que costumo trabalhar. Mas esse foi o modo mais sincero de me expressar. Espero que gostem,
Felipe Dias"
Garota misteriosa
Chegou toda assustada
Temeu tanto que não disse nada
Apenas olhou-me, com o celular na mão
Bastou isso, acelerou meu coração
Garota misteriosa,
Seu silêncio me ensurdeceu
Por um instante, pensei que era erro meu,
Chegar numa hora errada,
Assim, sem dizer nada,
E ainda querer sua admiração.Li e reli aquela poesia inúmeras vezes, não poderia ser possível, não, ele não estava falando sobre mim, não seria louco a ponto de escrever sobre alguém que não conhece.
Após muito pensar, cheguei à conclusão que aquilo realmente não era para mim, e que eu certamente deveria me preocupar com coisas mais importantes do que tentar voltar à época dos admiradores secretos. E assim fiz, continuei minha rotina normalmente, porém, em momentos de distração, me via pensando novamente nos seus olhos; o que eles tinham para me hipnotizar daquela maneira?
"Bianca, cresça! Está parecendo uma garota de 12 anos, que descobre que aquele garoto que fica lá no fundo da sala é um galã. Uma garotinha, com seu primeiro amorzinho. Chega! Ele nem é lá tão bonito assim, e olha a forma que você o conheceu! Só pode estar de brincadeira!" - repetia diariamente a mim mesma. Tanto, que acabei me convencendo.
Mesmo convencida, foi nisso que pensei ao deitar na cama, antes de dormir, pensei naquelas palavras, naquele olhar, e então, fui me lembrando de você, me lembrei de como você gostava de poesia, quantas já tinha lido para mim, e me peguei relembrando os fatos...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quando você se foi - pausado
Storie d'amorePerder alguém que se ama nunca é fácil, mas Bianca vai mostrar, nesse romance incomum, cheio de saudades, que é possível se recuperar de uma grande perda. Por mais difícil e doloroso que seja, sempre haverá um outro alguém, uma outra esperança. ...