Capítulo 6

97 14 12
                                    

  Como de costume, acordei tarde naquele sábado, meio dia, para ser mais exata. Comi uma salada com frango, que serviria como café da manhã e almoço e fui mexer nos canais da televisão a procura de algo interessante para ver, já que não estava com ânimo para caminhadas.
  Acabei deixando em um canal de clipes que havia descoberto há pouco tempo e, enquanto ouvia as músicas, fui fazendo minha unha e pensando no que me esperaria à noite.
  Duas horas antes do horário combinado já comecei as arrumações: tomei banho e fiz uma hidratação no cabelo, esperando que ele ficasse um pouco mais apresentável.
  De pijama e toquinha na cabeça, fiquei encarando meu guarda-roupa a procura de algo para vestir. Incrível como as roupas somem quando mais precisamos.
Depois de ter trocado de roupa no mínimo 5 vezes finalmente resolvi o que vestir: um vestido amarelo com umas estampas delicadas, sapatilha e uma jaqueta jeans.
Passei um pouco de base e rímel, apenas para não chegar com a mesma cara de sempre. E deixei meus cabelos soltos, sempre gostei mais deles assim.
Assim que terminei de me arrumar, fiquei encarando minha imagem no espelho. Nada parecia bom o suficiente, eu queria desistir. Pensei e repensei sobre possíveis desculpas para cancelar. Eu estava enganada, não estava pronta para isso, ainda pensava em você, no nosso primeiro encontro e, no fundo, sabia que nunca iria encontrar alguém bom o suficiente para te substituir.
Peguei o celular, pronta para mandar uma mensagem de texto com qualquer motivo bobo para adiar ou cancelar a saída, quando ouvi a porta bater.
Comecei a tremer no caminho do meu quarto até à porta, já sabia quem me esperava. Eu não estava pronta para isso, precisava de ser rápida e inventar logo um motivo para despista-lo.
Ainda estava pensando quando abri a porta e olhei para Felipe. Ele estava diferente, primeiro achei que fosse a roupa, uma camisa azul e calça jeans, que o deixava com um ar mais sério, depois pensei que pudesse ser o cabelo, agora mais arrumado do que a primeira vez que o vira. Até que finalmente percebi o que era: a barba. Sua pele estava lisa, diferentemente da última vez, a falta de pelos no rosto fazia a cor de seus olhos parecerem mais intensos, mais fortes, mais azuis. E por um momento, esqueci que queria desistir daquilo.
- Oi! - disse ele, vindo em minha direção para me cumprimentar - Você está linda.
- Ah, obrigada! - falei, apesar de que no fundo tinha certeza que ele falara isso apenas para me agradar. Não estava certa o suficiente a respeito da minha escolha de roupa.
- Onde vamos? - perguntei depois de um tempo de silêncio, me perguntando se não teria sido precipitada ou curiosa demais. Nunca sabia o que falar para preencher silêncios.
- Surpresa - disse ele a caminho do elevador.
Apenas o segui.
Saímos do prédio ainda sem falar nada e, para minha surpresa, não fomos direto para a garagem pegar o carro, apenas seguimos caminhando.
Viramos uma rua estreita que eu nunca havia passado antes, cheia de casas e com pouquíssimo movimento comparado às outras ruas de São Paulo.
Após alguns quarteirões, ele parou em frente à um restaurante ao lado de uma praça. Em sua entrada, via-se um caminho cercado de flores, com um laguinho cheio de peixes do lado esquerdo. Logo senti uma paz, um lugar calmo em meio a correria e atropelos dessa cidade.
Entramos sob uma porta grande de madeira, onde uma mulher com roupa social estava recepcionando. A mesma nos levou até uma mesa no canto, próximo à janela.
Com meu olhar clínico de sempre, observei tudo ao redor, alguns casais conversando, famílias com crianças e uma mesa grande que pressupus que seria para algum aniversário.
  - Acho que gostou daqui - disse Felipe me encarando e percebendo que estava encantada, olhando para as coisas e pessoas.
  - Sim, nunca soube desse lugar.
  - Ah, não é muito conhecido, por isso mesmo é tão calmo. Costumava vir aqui quando pequeno.
  - Gostariam de fazer o pedido? - intromete o garçom.
  - Eu vou querer um vinho, me acompanha? - perguntou-me Felipe.
   - Não, acho que vou querer um suco de abacaxi mesmo. - Respondi, com medo de ter sido mal educada. Mas falta de educação mesmo seria ter bebido, não seria nada bom para minha imagem ele me ver depois de alguns copos no primeiro encontro.
  - Ok, então suco de abacaxi para ela e aquele vinho para mim. - disse, piscando para o garçom, me fazendo imaginar quantas vezes ele tinha vindo aqui, ou quanta garotas já tinha trazido para esse mesmo lugar.
Tentei relaxar, e não pensar em você, e até que consegui por um tempo. Descobri que antes do jornalismo, Felipe queria mesmo fazer um curso de fotografia e jurava que fosse trabalhar com isso no ramo jornalístico, mas depois de fazer o curso, se apaixonou pela escrita e o modo em que se sentia ao receber o carinho dos leitores. Também contei um pouco sobre minha faculdade de veterinária e sobre trabalhar com um cardiologista, que o fez rir, afinal: "Qual é a relação entre cardiologia e veterinária?".
E estava tudo indo bem, ele me contava mais sobre sua vida e aos poucos fui perdendo o medo de contar sobre a minha também.
Até que o assunto inevitável chegou:
- Novamente, me desculpe por aquele dia na sua casa.
- Ah, sem problemas, foi engraçado, de uma maneira assustadora, mas engraçado. - admiti.
- Não sei se poderia estar tocando nesse assunto, mas tenho quase certeza de que você estava chorando aquele dia. Aconteceu alguma coisa com você recentemente? - disse Felipe, fixando seus olhos no meu, querendo demonstrar compreensão.
E não, não e não, ele não podia ter tocado naquele assunto. Sim, ele estava se intrometendo demais para um primeiro encontro. Mas em vez de mostrar meu lado nervoso e sentimental, optei pelo discreto, dizendo:
- Não, só estava com um pouco de saudade de casa, isso tudo de mudar de cidade para fazer faculdade cansa às vezes. - tentei soar o mais verdadeira possível.
- Entendo, espero que fique bem e, quando se sentir assim novamente, pode bater na minha porta.
Agradeci a compreensão e me esforcei para mudar de assunto.
Até que, para uma primeira vez desde que te perdi, estava indo bem. Consegui conversar e não tocar no seu nome durante toda a conversa, apesar de pensar em você a todo instante.
Depois de um tempo, ele chamou o garçom e pediu a conta. E fomos de volta para o prédio.
Ele foi até a porta do meu apartamento, me abraçou e me deu um beijo na testa.
- Espero poder sair com você mais vezes, boa noite.
E se foi.
Entrei e fiquei sentada na cama, sem me trocar e sem sequer passar pelo banheiro. Apenas me olhando no espelho, reparando no que tinha me tornado: uma garota igual, mas ao mesmo tempo diferente da que você deixou. Olhando para meu reflexo, minhas roupas, percebi o quão diferente estava do nosso primeiro encontro. E novamente lembrei de você.

Quando você se foi - pausado Onde histórias criam vida. Descubra agora