Capítulo 4

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                                                                                         MARINA

Meu contentamento em deixar o hospital só é menor do que a minha ansiedade em desfazer todo este mal entendido. Desde que soube, foi difícil deixar de pensar que meu benfeitor estivesse pagando por algo que não cometeu. Não tinha certeza de que ele estivesse preso, mas pelo relato da Bia e da Di, considerei bem provável e essa possibilidade estava me remoendo.

À incerteza juntou-se meu pouco entendimento sobre a lei. A gente nunca pensa em coisas assim, até que aconteçam conosco. Por exemplo, acreditava que sem meu depoimento, que não havia sido colhido por motivos óbvios, ele não poderia continuar preso. E, além disso, a essa altura, um advogado fornecido pelo estado, já teria cuidado de sua liberação. Acho que estava assistindo muitos filmes, pois a realidade não é assim tão certinha. A justiça existe sim, mas não age da mesma forma para todas as pessoas.

Com a ajuda do único advogado que conheço e que nem é criminalista, acabei descobrindo que o tempo em que estive no hospital correspondeu aos dias que meu salvador passou em uma delegacia, mesmo não havendo nada de concreto contra ele.

— Como pode isso? — questionei desorientada e o Alberto, amigo de tempos de colégio, deu de ombros, constrangido.

— Poderia citar várias brechas no procedimento, Mari. Muitas delegacias ficam tão cheias de presos aguardando transferência que os detidos em flagrante se tornam um problema e tanto. Porém, se quer saber mesmo, acredito que não tenha ninguém por ele. Quando se é vítima de um engano e há uma família a quem se recorrer, esta move terras e mares para colocar seu parente em liberdade, independentemente de sua condição social.

A resposta só fez aumentar minha culpa. Sim, já era este o sentimento que experimentava.

No entanto, não ficaria me lamentando. Alberto já havia me feito um favor enorme, descobrindo onde ele estava, já que haviam dois D.Ps próximos à área em que fui atacada. Além disso, mesmo sendo trabalhista, ofereceu-se para ir comigo ou me instruir em como deveria proceder, explicando-me que deveria fazer um boletim de ocorrência e explicar o que havia acontecido para que o verdadeiro responsável fosse procurado e o homem preso por engano, fosse libertado.

— Muito obrigado, Beto. Não vou abusar da sua ajuda, pois já fez muito. Agora que já sei como agir, farei isso logo que sair daqui.

Ele havia pensado que estivesse falando no sentido figurado, o que está longe da verdade. Quando disse logo, quis dizer imediatamente. Por isso, assim que o médico me disse que podia ir para casa, a primeira ligação que fiz do meu celular avariado – sim, por incrível que pareça recuperei meus pertences — foi para a Bia. Entendi que a Diana já tinha mudado muita dinâmica por minha causa e não quis incomodá-la.

—Nossa, por conta da urgência, pensei que tivesse acontecido algo — Bia mal me encontrou e já disse tudo o que estava pensando. Como sempre minha ex cunhada está muito bem vestida, não só porque tenha bom gosto, mas pelo fato de ter estilo. Tudo o que fica mal em outras mulheres, nela fica espetacular. E nem estou me referindo ao corpo, mas sim, à atitude. Como tem feito manhãs quentes e tardes frias, ela consegue equilibrar esse clima, usando jeans um pouco mais fino do que o habitual e um blazer básico, mais curto do que a camiseta que utiliza.

— Só quero sair daqui o quanto antes — enquanto ela me cumprimenta com um beijo no rosto, apanho a bolsa que minha mãe trouxe com minhas coisas.

— Está fugindo do que? — afasta-se um pouco para olhar meu rosto — Ah sim, meu irmão esteve aqui no outro dia e as coisas não foram como esperava, é dele que está fugindo — deduz.

Um Abrigo para o Coração (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora