Capítulo 9

722 131 18
                                    


Pior do que acordar sobressaltado é perceber o rosto assustado a poucos metros de mim. Devo ter gritado. Só uma coisa incomoda mais do que meu pesadelo: ter noção de que estou mesmo em um lugar que desconheço e para o qual fui trazido, quando estava fraco demais para reclamar.

Tenho em cima de mim dois edredons tão grossos que chego a sentir calor. Tudo ali tem um perfume gostoso, mas o melhor é o cheiro de lar, algo que há tempos não sentia. Sob um olhar indeciso, empurro os edredons e, mesmo me recordando por alto, eu me espanto ao ver que estou com outra roupa que não a que recebi no AMA. Talvez, minha confusão a encoraje, pois ela entra.

— Você está bem? Eu o ouvi...

— Me trouxe aqui para tirar a minha roupa? — interrompo sua fala de modo irônico, constrangendo-a.

— Tenho cara de quem precisa desses artifícios para ver um homem nu? — não sei se ela está mais ofendida ou envergonhada, no entanto, rebate imediatamente, com a face vermelha.

— Da mesma forma que não tem cara de quem traz um desconhecido para casa — por mais que queira agradecê-la, quando abro a boca só consigo insultá-la. Sei que estou sendo um idiota mal agradecido, porém, como se já não bastasse sonhar com quem costumava ser, quando estou perto dela, isso acontece mesmo estando acordado.

Percebo que ela se controla, ao respirar fundo. Percebo que deve ser bem cedo, ainda assim, noto que ela já está acordada há algum tempo, a menos que durma arrumada...

— Que tal começarmos de novo? — propõe, dando dois passos em direção à cama — Depois da consulta, não dava para te deixar no mesmo local em que o encontramos. Você precisava de um lugar quente para passar a noite; eu tinha um quarto sobrando, assim sendo, não vi problemas nisso. Quanto à roupa, o Valdir quem o ajudou...

Lembro-me perfeitamente do rapaz; embora a situação me incomode um pouco, não retruco.

— Não entendo porque é sempre tão ríspido comigo — diante do meu silêncio ela continua e seu tom não é de queixa, sinto que seu desejo é apenas o de entender.

— Não entendo porque se preocupa tanto — novamente jogo as palavras como se fossem lâminas, para fazer com que se afaste — Ontem foi uma noite apenas de várias outras noites frias que existirão, portanto, para que perder seu tempo?

Quando senta na ponta da cama, ela me surpreende, ao deixar claro que não entendeu a mensagem de se manter longe. Espero sinceramente que não tenha outros impulsos como o de ontem, trazendo outras pessoas para casa, pois é perigoso. Nem todo mundo está pronto para entender sua doçura e não reagir à sua beleza. E quando falo em beleza não estou querendo compará-la com aquelas mulheres que vejo nas capas de revista, estou me referindo ao fato de que tem uma presença marcante e uma determinação que vai contra sua aparente fragilidade.

— E daí que haverá outras noites frias? Vivo o presente, o momento, o agora. Estava lá ontem e pude fazer algo por você naquela hora, não usaria essa constatação para me omitir. E vê-lo bem, a ponto de discutir comigo, é o que me dá a certeza de que não perdi meu tempo.

Um tapa na cara teria doído menos. Finalmente admito a derrota, pois é muito mais fácil ser agressivo com quem lhe devolve da mesma maneira.

— Podemos começar do zero? — insiste e estende a mão — Eu me chamo Marina Medeiros.

Hesito muito, mas ainda há alguma educação em mim; por isso, estendo a mão e a cumprimento. É o mínimo, depois de desfrutar de uma cama macia, perfumada e quente. Enquanto seguro sua mão, delicada e macia, ela olha em meus olhos, esperando que complete aquele ritual, embora já saiba meu nome.

Um Abrigo para o Coração (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora