Capítulo 5

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DAVI

— Acabou a mamata! — um policial bate com alguma coisa nas grades, provocando um barulho irritante — Chegou ao fim o período no hotel.

Ainda que não seja o único na cela, sei que está se dirigindo a mim. Ter vindo para cá como suspeito de um ataque sexual, não me fez nada popular. Para garantir minha integridade, fui colocado ao lado dos presos menos perigosos, segundo o que disse um dos guardas. Acredito que tenha sido um deles que tenha deixado escapar o motivo de estar ali.

Mesmo entre esses presos, na primeira noite, quando sabiam que os guardas não mais passariam, tive um momento tenso. Quatro deles me rodearam, o que foi pouco, se disser que em uma cela feita para quinze, tinha mais de vinte.

— Não é Jack mesmo, né irmão? — questionou-me um deles. Não conhecia essa gíria, mas logo entendi o que significava.

— Não sou — confirmei com tanta convicção, que os outros homens me olharam, decidindo se acreditavam ou não.

— É bem esquisito, mano, caladão, mas não tem cara de Jack — o outro cuspiu o que devia ser um elogio. Não estava frio, mesmo assim usava uma toca e quase não dava para ver seus olhos. Era tão negro que sua pele reluzia, como se tivesse untada por algum óleo — Bom para você, melhor pra gente. Porque a gente tem mulher lá fora, né?... Tem mãe, filha e irmã. Não dá para passar um pano para cara que faz uma coisa dessas...

— É, se descolar que tá mentindo, vou ter que passar você, já estou perdido mesmo, um crime a mais, um a menos... — o terceiro e mais mal encarado balançou os ombros. Acabaria descobrindo depois que tinha pego mais de vinte anos de prisão por uma série de roubos, incluindo um assalto a banco.

— Todo mundo é inocente, tá ligado? O mundo que é culpado — filosofou o quarto dos homens, alto e magro, muito parecido com um cara que conhecia das ruas — Você não tem a coisa ruim nos olhos, tá ligado? A pessoa usa a boca para enganar, mas os olhos, esses não têm jeito, revelam a verdade — e foi o primeiro que se virou, me deixando em paz. O gesto dele incentiva os demais e, desde esse dia, passam a me tratar como igual, deixando-me em paz.

Levanto rapidamente, sem ter a menor ideia de que horas sejam. Sem liberdade, o tempo é infinito e dá a impressão de que as horas não passam.

— O mal humorado aqui é um herói galera — o policial zomba, falando em alto e bom som para que todos escutem, provocando uma algazarra, marcada por aplausos e gritos — a cela é aberta rapidamente para que eu saia. O policial praticamente me empurra em direção à sala do delegado, caminho que já conheço, porque estive lá por mais de uma vez, desde que cheguei. O policial abre a porta da sala e entra comigo.

Lá está um homem que não conheço, talvez seja mais jovem do que eu, tem um visual certinho, embora não me pareça daqueles tipos vaidosos e enjoados que mal notam outras pessoas, principalmente as mais pobres. Confirmando minha impressão, ele me estende a mão para me cumprimentar, mas não retribuo o cumprimento.

— Já estou há alguns anos nesta profissão, porém, confesso que nunca conheci alguém tão... — olha para mim e para o delegado, como se estivesse escolhendo a melhor palavra — perseverante. Nunca vi um alvará sair tão rápido... Tem sorte — completa satisfeito, sem saber que está falando grego para mim — Sou o defensor público, Ronaldo Garcia — apresenta-se, como se isso fizesse alguma diferença para mim — Cuidei do seu caso e está livre.

Olho para o delegado, para me certificar que ouvi corretamente.

— É isto mesmo, você está livre! Pegue suas coisas e se mande daqui — o delegado fala como se estivesse se livrando de um grande peso — E da próxima vez, deixe os atos heroicos para a polícia.

Um Abrigo para o Coração (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora