Capítulo 7

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                                                                          DAVI 

Não direi que a rua me deixou rude, pois estaria usando uma desculpa para justificar minha atitude, da qual não me arrependo, embora admita ter pegado pesado. Acontece que fui surpreendido e reagi a isto da forma que tenho agido ultimamente à qualquer tipo de surpresa.

Por que ela tinha que aparecer? Embora tenha gostado de vê-la bem, algo que nem consegui lhe dizer, esperava que agisse como todo mundo, deixando para lá o ato que considerou heróico, voltando à sua rotina, ciente de que voltaria à minha.

Uma das primeiras coisas que descobri, chegando às ruas, é que as pessoas não gostam de nos tocar. Talvez imaginem que possam compartilhar de nosso mesmo destino se nos tocarem, como se isso fosse algo contagioso. Portanto, foi com certo assombro que percebi que ela apanharia em meu rosto, se não me esquivasse. Sei que viu o abalo que sua voz e sua imagem, ofuscado pelo sol, provocaram em mim. Só não contava que tentasse me confortar. Na realidade, ela fez tudo o que não esperava: primeiro brigando para me libertar, depois encontrando-me e, por fim, tentando ser legal comigo.

Naquele dia, assim que a deixei, a primeira coisa que fiz foi descobrir que horas eram. Torci para que o relógio digital, desses que ficam na rua, estivesse certo, pois, nesse caso, ainda tinha um tempo razoável para chegar ao local em que almoçava de vez em quando e onde podia tomar um banho. A instalação ficava embaixo de um viaduto da região central e atendia a todos, sem restrição, desde que chegassem no horário.

— Olha só, quem é vivo sempre aparece! — Carlos deixou-me entrar, ainda que faltassem cinco minutos para fecharem — Por conta do sumiço pensei que tivesse deixado as ruas! — falou-me animado.

— Mais fácil seria ter acontecido algo ruim — meu tom realista não conseguiu desanimá-lo.

— Você é de boa, Davi...

— Como se coisas ruins só acontecessem a quem merece...

—Sei lá, só acho que o mal atrai o mal e vice-versa.

Resolvi mudar de assunto, pois não queria discutir com um das únicas pessoas em que confio.

— Veio pegar o que deixou guardado? — fiquei aliviado ao perceber que ele também não insistiu.

Faço que não com a cabeça.

— Pois saiba que só guardo, porque sei que um dia vai responder positivamente esta minha pergunta. 

— Tive medo de não encontrá-lo aqui — revelei.

— Ainda que não estivesse, Davi, o que não pretendo, teria pedido para alguém guardar e lhe entregar.

— Só confio em você — fui enfático e ele sorriu, deixando claro que sabia disso.

— Então, retribua essa confiança e algum dia me explique o que não entendo. Por que confiar algo que lhe é tão importante?... — percebendo que seria mais uma resposta que não lhe daria, novamente mudou de assunto — Olha só, a cozinha está sendo limpa, mas se quiser...

— Não estou com fome — agradeci.

— Está precisando de um banho, espero que, pelo menos, com isso, concorde comigo — disse, olhando para meu estado — É impressão, ou emagreceu desde a última vez que esteve aqui?

Esbocei um sorriso. Taí algo que não fazia a mínima ideia.

— A comida na delegacia não é tão ruim assim a ponto de eu ter emagrecido — respondi de uma vez, provocando nele um olhar desconfiado.

Um Abrigo para o Coração (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora