Verde desbotado

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Não consigo relembrar aquele primeiro dia claramente, ou suponho que teria sido o quarto dia. Ainda assim, era o meu primeiro dia, como este estranho ser novo. Fui tão esmagado pela novidade de tudo que minha mente estava capturada pelas sensações. Meus pensamentos eram dificilmente lógicos ou sequer humanos. Eles eram crus e predatórios.

Carlisle continuava falando comigo, me assegurando, tanto com sua boca quanto com sua mente. Era um pouco perturbador, para dizer ao menos. Um eco de vozes bombardeadas na minha cabeça. Logo, os ecos se acalmaram. Quando eles pararam, olhei para Carlisle curiosamente. Ele estava calmo, destituído de qualquer pensamento. Quase parecia como se ele tivesse prática com animal leitor de mentes como eu.

Um animal, uma descrição muito cabível. Minhas memórias, o meu sentido de humanidade estavam desbotando-se rapidamente. Apesar dos meus pensamentos irracionais, alguma pequena parte de mim queria se agarrar àquelas memórias que estavam desaparecendo. Mas a coisa que senti foram os meus novos instintos, ferozes e perigosos. Eu estava tanto aterrorizado e ainda assim. . . estranhamente empolgado comigo mesmo.

Passei a maior parte dos dias de quatro, rastejando pelo chão e paredes. Inspecionava tudo, cheirava cada odor com os meus sentidos aguçados recentemente adquiridos. Permiti que a nova pele do meu rosto deslizasse através das várias texturas. Maravilha encheu minha mente enquanto sentia uma dualidade estranha entre o que deveria ter sentido e o que eu tinha me tornado.

Carlisle ficou imóvel em uma cadeira, olhando cada movimento meu cuidadosamente. Seu rosto não entregava nada. Uma vez, ele tentou me dizer para ir deitar novamente na cama. Ele ousou me interromper com seus pensamentos enquanto eu estava correndo minha macia mão ao longo de um cano no canto da sala. Virei meu rosto rapidamente para ele, mostrei os dentes e rosnei. Ele nunca tentou aquilo novamente.

Eram os instintos que me controlavam com uma sensação de poder, uma sensação de conhecimento que se eu cedesse aos instintos, o poder seria ainda maior. Eu o queria, precisava dele. Dê-me o poder que é por direito meu! O monstro levantou seu rosto de olhos vermelhos dentro de mim.

Em algum lugar na minha mente, estava um ser racional, com pensamentos sensatos, normais. O monstro de olhos vermelhos não se preocupava com aquele ser, ele rangeu seus dentes e rosnou. Tive pena do ser que o monstro odiava. O ser chamado Edward.

Edward.

Automaticamente me virei à fonte do meu nome. Carlisle olhou para mim com aqueles gloriosos olhos dourados. Eu estava agachado em frente à porta. Eu podia sentir odores do outro lado dela e farejei os espaços que a porta não cobria. Eu precisava.

"Ficará mais fácil, Edward, " disse Carlisle suavemente. "Uma vez que você tiver totalmente aprendido autocontrole, fica mais fácil. "

"Como você pode tolerá-lo, " sussurrei, minha voz tinha ficado macia, musical e letal. Menos que o som de sinos de prata retinindo e mais próximo do som de uma lâmina rasgando carne. Lentamente rastejei em direção aos seus pés. Seus olhos se alargaram com minha aproximação, sua mente se encheu de apreensão. Eu não estava tentando consolá-lo com as minhas seguintes palavras, eu estava meramente afirmando um fato. "Estou com sede, " rosnei inadvertidamente. Fiquei surpreso por quão humana a afirmação soou, apesar do som da minha estranha voz.

"Sim, " Carlisle concordou, seus olhos ainda abertos, "Sei que você está. Eu tenho estado esperando pelo momento apropriado para levá-lo para caçar. "

Caçar. Eu o encarei incredulamente. Minha humanidade teve ânsias de vômito à essa idéia, mas o monstro que crescia dentro de mim riu ameaçadoramente na minha mente. Caçar, sim, mas. . .

"O que caçamos?" Perguntei com olhos estreitos.

"Animais, " Carlisle respondeu simplesmente. "Há um parque próximo, há cervos. "

Não! Meus instintos gritaram para mim, rebelando-se contra o pensamento. Animais não são o bastante! Eu era o animal aqui, precisava de uma presa muito mais forte para apaziguar o monstro que se tornava mais forte. Minhas mãos em forma de garras arrastaram minhas unhas pelo lado do meu rosto, sabendo que não podia me machucar, mesmo se eu quisesse.

"Com a passagem do tempo, fica mais fácil, " repetiu Carlisle. "Com o sangue de animais, podemos conservar o que temos de nossa humanidade. " O pouco que pode ter sobrado nele.

O pensamento dele me balançou, me atirou contra o concreto. Apoiei-me em uma parede e o encarei, enquanto o pó se acomodava em minha volta. Como eu não podia possuir alguma humanidade? Fui humano uma vez, tive uma família, pais, uma vida humana verdadeira. Embora as minhas memórias estivessem desbotando rápido, eu tinha de me agarrar. O meu pai valente, minha bela mãe, não podia me esquecer. Sou humano, lutei com o monstro, tenho um nome!

"Meu nome é Edward, " rasguei através de secas lágrimas, "Meu nome é Edward. . . " Não podia produzir lágrimas, não importava o quanto tentasse. O pó que se movia em volta de mim era a única coisa que poderia servir de lágrimas.

"Sim, " Carlisle assegurou, "você é Edward Masen, como você sempre será. E eu sou Carlisle Cullen. "

"Não, " sussurrei, "não sou mais um Masen. "

Uma enorme tristeza nublou o rosto e a mente dele. Durante um momento, tudo o que ouvi e vi foi sua pena e compaixão. Então ele me abriu sua mente. Carlisle, jovem, aterrorizado e tendo convulsões com a dor da transformação, escondido embaixo de um saco de batatas podres.

"Então, você sabe, " reconheci.

Sim, conheço a sua dor.

Inclinei minha cabeça, curioso. Não houve nenhum eco daquela vez. Somente seus pensamentos claros. Vi o rebanho de cervo passando, e Carlisle, fraco com a fome. Ele caiu sobre o cervo, devastando seus corpos como. . . como um monstro.

"Eu vejo, " eu disse, sentindo-me ligeiramente aterrorizado. Imediatamente percebi que a afirmação tinha mais de um significado.

"Fica mais fácil, " ele sorriu, "isso melhora. "

Eu sabia que nesse ponto ele já tinha estado explicando minha nova existência durante dias, e eu escutei. Acho. Não, não tinha escutado realmente, eu tinha rejeitado a maior parte das suas palavras. Ainda assim, elas me voltavam, como se eu nunca pudesse esquecer nada novamente. Entretanto, tive de perguntar.

"O que me tornei?"

Ele respirou profundamente, uma ação que diretamente contradisse suas seguintes palavras. "Somos vampiros. " Não perdi o seu plural.

Eu quis gritar com ele, rasgar sua garganta por dizer tais palavras, negar tudo. O menino que era Edward chorou dentro de mim, fazendo muitas perguntas. O que irá acontecer comigo? Que tipo de vida eu terei? Morrerei? Eu poderia morrer, mesmo por minhas próprias mãos? Vagamente relembrei uma memória humana. Um objetivo há muito tempo esquecido, o desejo de morrer depois de uma longa e dura batalha. Como um soldado orgulhoso.

A honra da morte, o orgulho de uma guerra bem lutada, elas eram todas memórias inúteis para mim. Um tempo esquecido, um tempo que nunca aconteceria novamente.

Então uma memória mais fresca me veio. Deitado no meu leito de morte, humilhado por uma febre mortal e muito doente para sussurrar até uma palavra. Nem mesmo uma palavra de adeus aos meus pais humanos. E não podia me reunir à eles, nem na morte e certamente nem no céu, sendo que minha alma tinha sido perdida.

Eu quis morrer nesse momento, queria muito.

Carlisle inclinou-se para frente, apoiando suas mãos em seus joelhos. "Há poucas maneiras que um vampiro pode morrer. Para todos os efeitos, você é imortal. " Ele surpreendeu-me, como se ele fosse o leitor de mente aqui, não eu. Então percebi que eu tinha ouvido isso antes, várias vezes de fato. Eu tinha estado escutando afinal.

"Vivemos por uma eternidade, " continuou Carlisle. "Dediquei a minha existência para curar e salvar as vidas humanas. Não sei quais as suas aspirações serão, Edward, duvido que você as saiba também. " Ele sorriu tortamente. "Mas temos um longo tempo para descobrir. "

Suponho que ele pretendia que suas palavras confortassem, mas tudo que pude pensar foi que eu tinha toda a eternidade para assistir à alguem desvanecendo.

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