Rebelião Vermelha - Londres, Inglaterra, 1931

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Era a aurora de uma nova década, a década de trinta. Mudança estava no ar, mas eu não a sentia. Mudança era para os humanos. Eu era eterno, congelado no tempo.

Eu tinha viajado para a Inglaterra sob a pretensão de educação estrangeira. Na verdade, eu não queria nem estar no mesmo continente que os meus pais adotivos. Eu não os queria lendo os jornais e imaginando se o último homicídio era ato de seu filho.

Culpa – uma emoção muito estranha.

Era noite e incomumente nebuloso, até mesmo para a cidade de Londres. O país inteiro era tão previsível durante a noite, entre o nevoeiro e a humanidade. Suponho que eu deveria ter sido iludido por um país exótico preenchido com seres humanos e seus sotaques exóticos. Mas isso teria sido uma reação humana. E eu não era humano.

Ouvi os pensamentos da criança muito antes de estar perto o suficiente para ouvir seu choro. Saltei sobre a ponte e corri sem ser percebido pelo escuro, apenas um borrão branco, eu poderia ter sido confundido como parte do nevoeiro. Corri ao longo da margem do rio até que os encontrei e fiquei bem surpreso com o que ouvi.

Mamãe, por favor, porque?, não. . .

Uma fêmea? Esta era nova. Eu estava confuso, porque é que uma mulher cometeria tal ato? Então os vi – desgrenhados, sujos e pobres. Ele era uma criança pequena, duvidava que pudesse ter mais de três anos. Havia um jeito em seus olhos enquanto ela se inclinava sobre ele com uma faca de cozinha. Ela estava completamente fora de sua mente.

Nos tempos modernos, ela provavelmente teria sido diagnosticada com depressão pós-parto. Mas na década de trinta doença mental não tinha se tornado uma coisa comum ainda. Tantos tinham sido deixados sozinhos, sem tratamento e sem apoio. Seus pensamentos tinham se tornado claro, ela não podia mais reprimir a raiva que sentia, ela achava que não tinha ninguém para pedir ajuda. Então eu estava lá.

"Você realmente quer ferir a criança?" anunciei minha presença e vi a mim mesmo em suas mentes. Um cavalheiro, em um terno bege e olhos pretos. Eles sentiram medo, sim, mas também admiração com minha beleza. A lua cheia empalideceu em comparação com minha pele branca.

"Fique longe" a mulher rosnou raivosamente para mim "você não me levará ainda. "

Então, ela não estava apenas falando maluquices, ela também pensava que eu era o próprio demônio – pronto para levá-la para os poços do inferno, onde ela achava que pertencia. Talvez esquizofrenia tivesse sido um melhor diagnóstico, mas isso apenas complicava as coisas. Ela estava completamente sem conhecer suas ações; ela sinceramente acreditava que estava fazendo o que ela tinha que fazer.

"Você é uma mãe, " gentilmente a lembrei, "ele é de sua carne e sangue." Eu acenei com a cabeça para a criança, que estava soluçando em prantos e olhando para mim com olhos extremamente fundos.

O que eu estava fazendo? Dando uma de assistente social? Uma coisa era bancar o negro deus vingativo, mas isso era ridículo. Eu não era o seu psicólogo, certamente não um padre ou mesmo um amigo da família que poderia confortá-la corretamente. Eu era perigoso para ela, e seu sangue aromático.

"Fiquei longe!" Ela gritou. Percebi então, que ela não estava sozinha em sua própria mente e que estava falando não apenas para mim. Ouvi as outras vozes em sua cabeça, rosnando e rebatendo, os verdadeiros demônios que eram uma ameaça para ela. Sim, esquizofrenia.

Senti uma onda de pena. Eu sabia muito bem o quanto horrível poderia ser ter uma multidão de vozes em sua cabeça. Uma coisa é ouvir os pensamentos desagradáveis dos outros, avareza, luxúria, inveja, para citar alguns. Imagine vozes que estavam te dizendo, não, ordenando, matar um bebê inocente a sangue frio.

"Eles não são reais, Clara, " disse gentilmente, pois eu podia ouvir os demônios imaginários chamando o seu nome, "as criaturas em sua mente são apenas assim, na sua mente. Eles não são reais."

Seus lábios tremeram, seus olhos se arregalaram. Os demônios falaram mais alto. Mate, eles cantavam.

"Você não quer fazer isso, Clara, " Eu sussurrei, dando-lhe minha voz mais sedutora."Largue a faca e deixe a criança ir." Me inclinei lentamente para frente."Deixe seu filho viver."

Lágrimas caíram de seus olhos e a mão que estava segurando a faca assustadoramente perto da garganta da criança, tremeu. Eu tinha que agir rápido; aqueles demônios estavam ficando mais altos a cada segundo. Em um rápido movimento, me meti entre a criança e a louca mulher. Sua faca pressionou contra a minha barriga.

Ela reagiu mal, ou talvez tenham sido aqueles demônios alucinatórios que estavam no controle de seu corpo. Ela me apunhalou com a faca repetidamente, a metade superior se rompeu e caiu com barulho no chão. Medo atravessou seu rosto ainda mais forte que antes. Segurei seus pulsos em uma mão, gentilmente colocando minha outra mão fria sobre sua bochecha.

"Eles não são reais", eu cravei meus olhos nos dela, desejando com todo o meu poder que ela enxergasse a verdade de sua doença.

"Não!" Ela lamentou penosamente. Ela lutou inutilmente em minhas mãos. Mate, os demônios cantaram novamente. Eles não estavam mais ordenando-lhe para matar a criança que estava atrás de mim aos prantos, eles estavam ordenando para matá-la a si mesma.

Ela nunca iria ficar livre deles, eu podia ver isso em seus olhos selvagens. Eles iriam sempre assombrá-la até o dia que ela morresse. Entre as vozes dos demônios, eu ouvi a voz verdadeira de Clara. Deixe ele me matar agora.

"Não, " eu sussurrei antes de pensar.

"Por favor", ela soluçou. Lágrimas caíam em cascata pelo rosto dela, fazendo seu perfume muito mais poderoso. Me encolhi internamente; eu deveria ter ido caçar antes de bancar o assistente social para uma estranha.

Mate. Ela continuou se contorcendo, a tensão em seu corpo causando-lhe seu pulso a arrebentar em meus ouvidos. Mate. A criança atrás de mim caiu ao chão, chorando até dormir. Por favor, eu quero morrer.

Franzi a testa; as coisas foram se tornando confusas enquanto aquela dor seca na minha garganta queimava. Os demônios estavam falando com ela ou comigo? Mate.

"Clara, me ouça:" Eu lutei com o monstro dentro de mim, empurrando-o para o lado."Você pode viver, vocês dois podem viver um vida longa e feliz. Você precisa de ajuda. " Mate. Aquela era uma palavra de um dos demônios dela ou dos meus?

Ela mordeu seu lábio tão forte enquanto chorava que começou a sangrar. Uma pequena ferida, quase insignificante, um corte de papel teria sido mais profundo. Minha garganta explodiu em chamas. Sangue. Doce, aromático, sensual sangue, descendo por minha garganta, preenchendo meus desejos retorcidos. Sangue.

Mate. Mate. Mate. Mate. Mate.

"Desculpe-me. " sussurrei. Torci os pulsos dela bem levemente e mergulhei a faca quebrada em seu coração.

Eu joguei o corpo de Clara sem vida no rio. Duvidei que uma vez que o corpo viesse a tona, alguém lhe daria muita importância. Um corpo morto no rio Tamisa, em especial neste sórdido bairro, era dificilmente uma coisa rara em Londres. Meus movimentos foram rápidos o suficiente, e estava escuro o suficiente, a criança não tinha visto meus atos. Eu o peguei no colo, protegendo seu rosto e o deixei no orfanato mais próximo que encontrei.

Eu fui embora.

Para longe de uma vida que eu não queria viver mais e para um lugar que eu nunca deveria ter saído.

Fui para casa.

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