Crianças

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[...]

Dias depois Daniela agia como se nada naquele dia no jardim tivesse realmente acontecido. Continuava com aquele famoso sorriso no rosto, cuidando de Adrien enquanto se recuperava de algumas sequelas do acidente. A fisioterapia estava quase acabando e ele já conseguia andar sem as muletas. Na hora do almoço, ao levar comida para Adrien, Daniela teve a brilhante ideia de tirá-lo do hospital para fazer um passeio. Conviver com as pessoas.

- Com licença! – Anunciou Daniela, entrando no quarto com a bandeja em mãos. – Boa tarde, Adrien.

- Dan. – Ele sorriu. – O que temos pra hoje?

- O Famoso carne com batatas. Sem milho, apropósito. – Ela sorriu ao colocar a bandeja em cima das cobertas. – Precisa de ajuda?

- Não obrigado. – Ele começou a comer enquanto olhava para as paredes.

- Então, eu tive uma ideia. – Começou Daniela. – Porque nós não saímos? Do hospital. Podíamos fazer uma visita ao orfanato da minha mãe.

- O que? Sua mãe criou um orfanato? – Perguntou Adrien surpreso. – Nossa, que lindo.

- É. Minha mãe era uma pessoa muito boa. – Daniela sorriu triste, olhando para as mãos pousadas em seu colo. – Ela tinha um coração de ouro.

- Igual à filha? – Ele sorriu, pegando uma das mãos da garota. – Eu adoraria. Eles abrigam crianças sem lar? Ou com algum problema psicológico ou físico?

- Eles abrigam crianças com câncer. – Daniela sorriu, olhando para a janela. – Antes de minha mãe morrer eu ia todo ano lá e sempre cortava um pouco dos meus cabelos loiros para alguma criança. Elas adoravam. Era meu presente.

- Seu gesto foi... – Adrien buscou as palavras. -... Humilde.

- Obrigada. – Ela sorriu, levantando-se da cama. – Podíamos ir lá. Gostaria de ir com você. Elas são bem animadas e é um estado de correria só! Você vai adorar.

- Claro... – Ele balançou a cabeça em confirmação. -... Vou adorar.

- Vou pedir licença ao médico, você consegue se arrumar? Precisamos ir o mais cedo possível. – Ela começou a correr pelo quarto, pegando algumas coisas e colocando dentro de uma bolsa.

- Sim. Posso ajudar em alguma coisa?

- Não precisa. Apenas se arrume, está bem? Quer alguma coisa? – Perguntou dirigindo-se para a porta.

- Está tudo bem.

Então ela saiu.

Adrien ficou ali por alguns minutos, assimilando o que tinha acabado de acontecer. Ele a admirava por sempre manter esse incrível sorriso no rosto. Sempre a admirou, desde o dia em que a viu pela primeira vez. Sabia que compartilhavam a mesma dor e isso os unia.

Após se arrumar Adrien encontrou Daniela com um vestido florido e botas sujas na frente da recepção, falando com a atendente. Ele sorriu indo ao seu encontro. Rapidamente os dois seguiram para o carro, partindo em direção ao orfanato.

[...]

- Tia Dani! – Gritou uma garotinha de olhos azuis, correndo na direção de Daniela. – Você veio! Pensei que não viria esse ano!

- Eu sempre venho pequena Alice. – Ela acariciou a cabeça da garotinha. – Onde está Mel, Lívia e Dru?

- Estão lá dentro brincando com os brinquedos que ganhamos de aniversário! – Ela sorriu, virando-se para Adrien. – Quem é ele tia Dani?

- É um amigo da clinica. Ele veio ajudar também. – Sorriu Daniela, pegando a garotinha no colo. – O nome dele é Adrien.

- Tio Adrien. – Ela murmurou, esticando os braçinhos na direção do garoto.

Ele arregalou os olhos, hesitante, esticando os braços para pegá-la no colo. Seu sonho sempre foi ter filhos e era praticamente uma faca no peito segurar uma com câncer e... Órfã. Dá muita pena, porque além dos pais terem as abandonado, tem de conviver com essa doença que pode colocar a vida dessa pequena criança em risco.

- Qual seu nome, pequena? – Sussurrou Adrien segurando as lágrimas que ameaçavam a cair.

- Alice. – Sorriu a garotinha, fazendo careta.

- Que nome lindo. – Ele sorriu.

Daniela olhou para aquela cena e por um flash viu Alice em seu colo, em sua casa, enquanto Adrien fazia o jantar. Era uma maluquice, mas estava apaixonada por ele. Era impossível não sentir nada depois de quase quatro meses juntos. Seus sorrisos, suas risadas. A garota rapidamente balançou a cabeça, afastando os pensamentos.

- Tia Dani! – Gritou Mel, uma garotinha de olhos verdes. – Você veio!

- Tia Dani, eu trouxe isso pra senhora. – Sussurrou Lívia corada, balançando o corpinho de um lado para o outro. Na mão segurava uma rosa vermelha. – Combina com você.

Daniela abaixou-se e pegou a rosa, cherando-a. Um aroma maravilhoso, por sinal.

- Que linda Lívia. Obrigada florzinha. – A garotinha abraçou-a sorrindo.

Adrien colocou no colo, logo sendo apresentado para as outras crianças. Todas eram lindas, sustentavam o peso da morte nas costas e não podiam sair pelo mundo em busca de seus sonhos. A maioria foi abandonada quando o diagnostico de câncer apareceu, em sua primeira consulta diária. Não queria ter que gastar tanto dinheiro em remédios apenas por uma criança. A maioria não tinha condições, mas mesmo assim, na cabeça de Adrien aquilo era inaceitável. Mesmo diante de situações difíceis nunca os pais verdadeiros deixariam de amar seus filhos. Nem pelo bem deles.

- Tia Dani. – Chamou Alice, pegando a mão de Adrien. – Vem cá.

Adrien a observou atentamente. Sua expressão estava séria, olhando para Daniela enquanto se aproximava. Estendeu a mão, que Daniela logo pegou, colocando-a em cima da mão do garoto.

Adrien que tomou a iniciativa. Sabia que ela se sentiria desconfortável, mas pensou ser só algo que uma criança faria. Brincar com as mãos.

- Somos amigos, Adrien. – Daniela sussurrou, sorrindo.

Alice balançou a cabeça, esticando-se para sair do colo do garoto.

- Quando vai continuar negando isso para si mesma? – Perguntou Alice, voltando para dentro.

- Mas... – Sussurrou Daniela, confusa.

Quando menos esperou, Adrien entrelaçou seus dedos nos dela, fazendo-a se arrepiar. Daniela virou-se para encará-lo.

Adrien não tinha expressão. Ele parecia decidido.

Daniela virou-se e caminhou, de mãos dadas, para dentro.

Não se importou com o olhar dele.

"É verdade. Pode-se mentir para todos, menos para si mesmo."


Eu Sem VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora