Prólogo

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Kentaurus, capital Imperial

Era noite quando o Sacerdote Arcturus Vancliste saltou da carruagem e um homem com uma túnica amarela se curvou com deferência, e guiou-o, logo após a subida de alguns degraus, por uma galeria abobadada até um salão grande, sustentado por colunas de mármore.

Sob o umbral de uma porta dupla, o Sacerdote observou o murmurinho das conversas silenciarem ao ser anunciado por seu guia, e enquanto todos os presentes se levantavam, cruzou o longo corredor entre as fileiras de bancos parando para fazer alguns cumprimentos.

Após livrar-se com um traquejo bem treinado dos últimos bajuladores Arcturus iniciou a subida da escadaria do altar. As sandálias de couro galgaram com firmeza os degraus enquanto a barra da opulenta túnica branca raspava levemente o chão e os braceletes de ouro e o adorno peitoral tilintavam suavemente a cada passada acompanhando o toc-toc de sua lustrosa bengala preta.

Do teto alto pendiam lustres de prata e as centenas de velas faziam as paredes finamente decoradas brilharem e as efígies de deuses e deusas no teto pareciam ganhar vida.

No altar devidamente colocado sobre a pira descansava o corpo do Imperador coberto por um veludo roxo. Sobre ele seu pesado escudo de madeira e bronze e sua espada longa. Ao seu lado estava Saíra, a Imperatriz viúva.

— Espero que esteja bem — Arcturus disse ao aproximar-se dela. Mesmo no luto ela era linda, e ele não pôde deixar de se impressionar, como sempre acontecia.

— Estaria melhor se você estivesse preso à espera do carrasco — respondeu a mulher. Seus olhos azuis estavam escuros. Ele era observador o suficiente para saber que isso denunciava que ela estava brava, muito brava. Como as águas do oceano se turvam em tempestade, os olhos de Saíra também, quando se desagradava de algo. Quando estava feliz, era como uma tarde em que se olha para um oceano calmo e se tem paz na alma.

Ela só olhava assim para o cônjuge morto, para Mantis II. Para ele, Arcturus, sempre tinha um olhar frio, mas hoje havia ódio.

— Este não é um bom momento para a senhora — ele tornou, mantendo seus olhos muito negros fitos nos dela. Nunca desviara de seu olhar, não seria agora. — Eu entendo isso. Não levarei em consideração suas palavras e não me sentirei magoado ou ofendido esteja certa.

— Eu não me importo com os seus sentimentos, Sacerdote — a Imperatriz disse num rompante. — Tudo o que eu quero é que se faça a justiça dos homens e dos deuses a quem você mente servir.

Dos deuses a que minto servir? Do que ela está falando? O que pode estar sabendo?

— Talvez seja bom Vossa Majestade tomar o seu remédio — o Sacerdote sugeriu brandamente, mas sabia que o assunto a irritaria ainda mais; e era essa a intenção, descontrolá-la para que ela revelasse o que sabia sobre a morte do marido.

Um rubor acometeu o rosto pálido da Imperatriz, as maçãs do rosto avermelharam-se, os lábios pintados e proeminentes se apertaram por um segundo e se abriram levemente. Ela sugou o ar pelo nariz e quase respirou fundo e suspirou, o que a teria feito se acalmar e se controlar, mas a meio caminho disso sua língua foi mais rápida e ela gritou, chamando pelo comandante da Guarda Imperial.

— Auro! — a voz dela ecoou pelo salão, saltando de banco em banco, e as pessoas passaram a prestar atenção neles.

Obedientemente um homem trajando uma armadura e experimentado em batalhas, como as cicatrizes em seu rosto não deixavam mentir, se aproximou dos dois e fez uma pequena reverência para ambos; entre o Imperador e o Sacerdote. Que os deuses o livrassem de incorrer no desfavor de um deles por cumprimentar um primeiro do que o outro. O fato daqueles dois se detestarem era do conhecimento de Auro há anos; nas reuniões dos conselhos eles não se engalfinhavam por causa de Mantis II, o comandante não imaginava como iriam conseguir cooperar com o imperador morto e ninguém para intermediá-los.

Os deuses de Anwar, A lenda de Abiel (EM REVISÃO - PAUSADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora