Capítulo 2

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O amor que minha mãe sentia por mim avançou junto com os anos que se passaram, como toda mãe, ela foi a peça chave para minha vida dar certo. A segurança que eu sentia nela partia do fato de que ela realmente tentava me ajudar, não de qualquer forma, mas sim com bastante dedicação e um grande leque de estratégias, como por exemplo, através de estudos acerca da educação inclusiva aplicada aos cegos. Terminamos fazendo um pacto, de acordo com os termos deste pacto, iríamos para escola juntos, faríamos a matrícula e ela me ajudaria no decorrer do ano letivo. Sua dedicação profissional era tanta que, por fim, ela era contratada pela escola.

 O caminho que meu tato fazia pelo Braile durante meus estudos era pura poesia, a cada passo que meus dedos davam no pontilhado uma onda de conhecimento se dirigindo até minha mente (a outra dimensão) nela estava tudo que eu não via, lá eu podia "enxergar". Sempre "enxerguei" coisas que ninguém nunca pensou e essa eu considero a verdadeira visão, visão que se atira profundamente no universo interior das pessoas e do mundo, independente de aparências. Muitos são cegos e não têm consciência da própria cegueira, veem apenas o superficial e se entregam a isso. Há 39 milhões de cegos no mundo e eles não sabem ao certo como as coisas parecem e isso faz com que não se percam nas máscaras que são postas em tudo e em todos.

As crianças agiam de muitos modos comigo, muitas não me aceitavam na escola, algumas tinham curiosidade sobre mim e outras tinham pena, mas nunca surgia o mínimo coleguismo, felizmente eu não me importava, desde pequeno precisei ser inabalável, pois ser resistente às dificuldades foi sempre necessário para as pessoas como eu. Meu mundo particular, minha dimensão, sempre foi meu refugio do caos desse mundo, onde vários cegos são privados de escolas e enfrentam bravamente esta e outras faltas que países e as pessoas que moram neles precisam corrigir.

Muitos acontecimentos na minha infância marcaram a minha vida, entre eles, um se destacou, que foi quando eu e minha tia avó fomos apresentados, esse fato acorreu numa reunião familiar, num típico quente começo de tarde de domingo, nesta tivemos a presença de um novo rosto, de uma nova voz, no meio de rostos e vozes conhecidos, tateei  calmamente, até que minha mãe disse; - É sua tia avó, eu também era um rosto novo para ela então nos entendemos bem, percebi rapidamente que ela não me julgava, até que fim alguém, além da minha mãe, me tratou com uma pessoa normal.

A tia Vera me atraiu com um amor enorme e me apresentou a Cristo e esse detalhe foi também para minha dimensão, o superpoderoso que podia me revelar coisas e me ajudar a aceitar quem sou e a conviver com a ideia de que muitos me aceitarão, mas outros não. Podia também fazer com que eu enxergasse,  porém eu não queria isso, não sinto falta da visão a nível sensorial porque nunca a possuí e não preciso dela, me viro muito bem como estou agora, muitos chamarão  esse pensamento de tolice, mas esses continuarão sendo os pensamentos de Sandro, uma criança cega e feliz. A  ideia de aceitação me moveu a tomar uma atitude e conhecer e frequentar lugares que trabalham com pessoas com necessidades específicas e essa convivência me fez evoluir muito como ser humano e me deu segurança.

Na tentativa de aumentar mais ainda minha autoconfiança comecei a me inscrever em vários esportes oferecidos na minha escola, sem mesmo me importar se eles ofereceriam um suporte adequado para que eu pudesse praticá-los, isso sim foi loucura, mas para não perder a inscrição, realmente experimentei  como podia todo o leque de modalidades, contudo em cada um delas me senti como uma peça de um quebra cabeça que está na posição errada mas é forçada pelo dedo de uma criança que não entende a lógica do jogo, até que me encontrei na natação, como sempre fui notoriamente alto e de ombros mais largos, não foi difícil para mim aprender a nadar e desenvolver essa habilidade, o fato dessa modalidade ser uma das únicas que oferecia acessibilidade também contribuiu nessa decisão.

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