Cão-guia

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É difícil achar alguém que não seja cativado pela carinha doce de um cãozinho e comigo não era diferente, ainda por cima um cachorro com a função que está no título, é inevitável que os desejos mudem, afinal eu tô crescendo e é isso o que eu quero agora, já estou tão ansioso por isto que tagarelo oito vezes por dia, pedindo no ouvido de todos e sonhando com esse presente por várias noites, não seria mais um presente legal e vago ou chato e construtivo do natal passado, mas sim um "alguém" a mais, um amigo, um companheiro, um guia, algo que não seja frio, calculista e cedido ao funcionalismo exacerbado deste mundo.

É realmente uma pena que meus pais não tenham dinheiro, tão pouco vontade de me proporcionar essa alegria, acho que meu ar de independência também ajuda na pré-decisão deles, digo "pré" por ainda ter esperança de um dia conseguir resolver esse assunto pendente.

Calado pela timidez de mais um dia pedindo a mesma coisa, a noite fui jantar e devo dizer que a refeição era a mais cinza e desanimada que eu havia presenciado, só se ouvia o garfo batendo no prato sem nenhuma palavra, era mais uma reunião de negócios com pessoas aleatórias comendo do que um jantar familiar propriamente dito, meu pai quebrou o gelo com um comentário frio como o mesmo: - Espero que já estejam todos cientes que vamos nos mudar.


Eu arregalei os olhos indiscretamente e suspirei, preferia que continuassem calados, como sempre eu não sabia de nada, pois ninguém se preocupava em contar essas novidades, as semanas seguintes passavam como as folhas avulsas ao vento de um calendário de desenho animado, eu não ia mudar de escola mas teria que acordar mais cedo, isso não ia me separar  de Iasmim mas nos veríamos menos, como íamos alugar a antiga casa eu não ia ter que dizer adeus aos mesmos caminhos, as mesmas casas, a mesma cerca e aos mesmos pássaros mas teria que me adaptar aos novos caminhos, novas casas, novas cercas, novos pássaros e novos humanos desagradáveis ou não.

A palavra "adaptação" foi o propulsor que faltava para meu querer torna-se realidade, eu ganhei o presente, num belo dia de sol, um dia antes da mudança, claro que chamei minha amada para vê-lo, ela apareceu deslumbrante com sempre....

- Oi amor!

-Oi gata, olha meu amigo novo.

-Nossa ele é lindo, olha esse pelo.

-Quer dar uma volta?

-Sim, podemos ir a um dos lugares favoritos do meu mundo.

-Qual? Achei que conhecesse todos.

-Nem eu ainda explorei tudo que tenho a conhecer, algumas coisas podem estar mais perto do que imaginamos.

Meu amigo peludo me puxava pelos grotescos ladrilhos de pedra escura das calçadas em competição com a linda moça que me guiava antes dele, até chegarmos a um lugar diferente, tinha uma vegetação rasteira, cheiro de pedras, areia e um pouco de lama, tinha a impressão de que era um lugar meio escondido.

-Tira tudo aí vamos nadar um pouco, vamos ver se nosso amigão sabe nadar.

-Você lembras por que eu parei de competir? por que parei de ligar para essas coisas?

-Na verdade eu não recordo muito bem agora mas você deveria superar isso pulando nesse lago, a água está ótima.

A rebeldia que nunca se manifestava em nós, nos obrigou a tirar as roupas ali mesmo e depois nos empurrou para o azul profundo, dessa vez estávamos em três, em meio a latidos e sorrisos daquele fim de tarde, minha dimensão ganhou um ambiente novo e um personagem novo (meu cachorro) e depois da despedida no plano real, rebobinei a cena várias e várias vezes, até cansar e entrar em repouso.

Minha Dimensão InvisívelOnde histórias criam vida. Descubra agora