Armistício

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armistício

substantivo masculino

acordo que suspende temporariamente as hostilidades entre os lados envolvidos numa luta, disputa ou guerra; trégua, indúcias.

O menino observava da janela do barco as ondas se chocarem contra o casco.

A cor azul estava em toda a parte, refletindo os raios de sol pelo caminho.

O vento quase não havia, mas as aves ainda voavam então ele sabia que, enquanto ventasse, sua esperança ainda estaria viva.

Ao seu lado sua mãe acariciava a barriga saliente e mesmo que o barco estivesse lotado, nenhuma palavra sequer havia sido dita.

Sempre que acordava, o mar ainda estava no mesmo lugar.

Os dias eram como a noite: escuros.

O infinito emoldurava o seu próprio reflexo distorcido.

E naquela tarde, quando sua mãe gritou preenchendo o vazio do barco, ele olhou para o céu. As aves tinham desaparecido, porém, uma luz caía lentamente em sua direção.

A luz estava em toda a parte, era como raios de sol queimando todo o seu corpo.

Não havia vento, não havia ave. A esperança era uma morte súbita, esperando o mais frágil homem ceder em seus braços.

Ele imaginava se sua mãe e seu irmão estariam seguros, se as pessoas também estavam como ele.

Mas ele se sentia feliz, pois pela primeira vez em sua vida, não havia escuridão.

Um barulho absconso foi audível, seguido do mais completo nada.

O completo que o acompanhou a vida toda.

[...]

O quanto vale uma vida? Vale uma religião? Uma cor? Uma sexualidade?

Quão refém nós somos do sistema?

Olhe para nós, apontando armas para nossos irmãos.

Isso é ridículo. É ridículo achar que podemos ser melhores que os outros por causa da nossa cor, é ridículo desprezar os outros por religião, sendo que ela une as pessoas '' amai-vos uns aos outros'' foi o que Jesus disse.

As palavras sagradas estão sendo usadas como sinônimos de luta, são disseminações do povo.

Os homens que um dia fincaram uma bandeira de paz são os mesmos que se erguem para derrubá-la.

O mundo está em guerra, e enquanto os soldados empunham suas armas, eu rezo para que elas não engatilhem.

[...]

O menino chorava sobre o túmulo da mãe.

Com a guerra, o sangue jorrava nas ruas como chuva.

As lágrimas que caíam se transformavam em lama ao tocarem o chão, afundando seus pés.

Ele também sentia que estava afundando.

Nota: Cada um sabe o tamanho da dor que carrega no coração.


Poeta FalhoOnde histórias criam vida. Descubra agora