Capítulo 3: Respostas

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Durante todo o trajeto nenhum de nós citou uma única palavra. Eu estava totalmente perdida, não conseguia compreender por que um homem tentou me matar e mesmo me querendo morta, havia cuidado de mim e até me salvou de uma morte trágica. O pior de tudo nem era isso e sim o fato de eu simplesmente ter confiado cegamente naquele homem, tê-lo odiado e perdoado ao mesmo tempo. Eu estava totalmente confusa, tendo um conflito interno.
  Chegamos a casa, e novamente entrei por aquela porta de livre e espontânea vontade. Fui direto para o quarto, naquele momento eu só precisava de um banho quente para colocar os pensamentos no lugar. Depois de toda a perseguição, achei que Leonardo iria me trancar no quarto e me deixar lá eternamente enquanto decidia a pior forma de me matar, mas ao contrário disso ele me surpreendeu.
  — Vai tomar um banho que eu já vou te levar uma toalha e roupas limpas. Mas não demore, depois de você tomar café eu vou fazer um curativo nesses seus machucados.
  Somente assenti com a cabeça. Quando saí do banho encontrei, em cima da cama, uma lingerie vermelha, um vestido florido extremamente lindo, um sapato de salto anabela e um par de chinelos. Me vesti e optei pelos chinelos pois apesar de lindos eu não conseguia andar com o salto por causa das fortes dores que estava sentindo. Caminhei até a cozinha e encontrei Leonardo sentado à mesa.
  — Como eu estava dizendo antes de ser atacado, pode comer tudo que tem na aqui na mesa, menos eu, a toalha, os pratos...
  — Palhaço!
  — Nossa, acabei de salvar sua vida e é só fazer uma brincadeira para você me atacar com toda essa grosseiria. Mas se pensar bem essa grosseiria doeu menos que a jarra de suco que você arremessou na minha cabeça.
  Decidi não respondê-lo, apenas abaixei a cabeça e tomei meu café em silêncio. Quando terminei, peguei as louças da mesa e fui à pia lavá-las.
  — Deixe isto ai! Eu lavo depois, agora a prioridade é cuidar desses ferimentos. Ande, sente-se no sofá da sala.
  Não dirigi a ele uma única palavra, apenas o obedeci. Leonardo lavou as louças, pegou uma caixa enorme e sentou próximo a mim.
  — Coloque sua perna sobre a minha para eu poder desinfectar e enfaixar os ferimentos.
  Foi nesse momento em que percebi, eu estava de vestido, como iria colocar minha perna na dele. Ele veria tudo que não se deve ver.
  — Você não está com vergonha ou está? Lembre-se de que eu já vi tudo o que tenta tanto esconder.
  Isto foi a gota d'água. Como ele ousa me dizer aquilo? Agora as coisas passaram do limite, cansei de apenas esperar Leonardo fazer algo. Preciso de respostas, sem uma explicação vou tentar fugir novamente e nenhuma força misteriosa de idiotice vai me impedir.
  — Não vou fazer nada que disser se você não me der uma explicação.
  — Você não está em condições de exigir nada.
  — Mas mesmo um defunto tem direito de saber do que morreu.
  — Que dramática você! E eu não disse que não te explicaria o que aconteceu.
  — Então pode começar.
  — É difícil. A história é muito complicada.
  — Como estou presa aqui tenho o tempo que você quiser para me explicar, mas não demore ou eu fujo de novo.
  — Eu não posso e você nem vai acreditar!
  — Eu confio em você lembra? - ele suspirou passando a mão pelos cabelos negros.
  — Você jura ouvir e fazer de tudo para acreditar?
  — Juro! - respondi sendo encarada por seus olhos avaliativos.
  — Bom então vamos começar. Fui namorado de uma garota quando tinha 16 anos, e ela ficou grávida de uma menininha. Eu ainda era um adolescente para compreender o que significava ser pai, mas mesmo sem estar preparado, fui pai aos 17 anos. Após algum tempo, me separei da mãe de Luisa que, por incrível que pareça, me disse que não queria uma criança atrapalhando sua vida.
  — Até ai posso acreditar, hoje em dia há muitas mães assim, se é que devo chamá-las de mãe. Mas continue porque ainda não entendi onde eu entro na história ou o que eu tenho com isso.
  — Você precisa entender como tudo começou. - ele disse sério e continuou - Ao contrário dela eu criei um amor incontável por aquela criança então decidi criá-la sozinho. Na época eu estudava administração, e como era um bom aluno um professor me arranjou um estágio em uma empresa de Nova York. Lá eu receberia um ótimo salário para um estágiario e um apartamento para me hospedar.
  — Você teve sorte, porque ninguém hoje em dia dá oportunidade a pessoas com crianças pequenas. Geralmente os adolescentes precisam abandonar os estudos. - quando eu estudava tiveram três casos assim.
  — Na escola e na empresa ninguém sabia. Por isso, sem pensar duas vezes, viagei com a minha filha para lá. Era um apartamento minúsculo, com um quarto, cozinha e banheiro. Já que era um apartamento para um jovem solteiro. Nessa época, Luisa tinha 3 anos, então dividiamos tudo, e ela não era uma criança que gastava demais, muito menos dava trabalho, vivíamos bem com o pouco dinheiro que recebia.
  — Então você mentiu quando disse que ela estava com a mãe! E onde ela está agora?
  — Logo chegarei neste ponto. Mas voltando ao meu raciocínio. Depois de algum tempo eu conheci Camila, ela foi a minha perdição. A conheci em uma praça quando brincava com Luisa na neve, inicialmente ela parecia uma boa pessoa, se aproximou de mim e de minha filha. Acabei me apaixonando por ela. Quando fui promovido na empresa, juntei dinheiro, comprei uma casa e a convidei para morar comigo.
  — O que tem de ruim nisto? Você conheceu uma boa mulher!
  — Mas a partir daí que a conheci de verdade. Ela é uma golpista, no dia a dia ela vendia seguros de vida os quais si colocava como única beneficiária e depois de alguns meses matava as vítimas do golpe. Quando descobri, fiquei louco, a expulsei de casa, vendi meu carro e dei parte do dinheiro à ela com o prazo de 48 horas para que se mudasse.
  — Mas por que você não a denunciou para os policiais? - qualquer ser racional faria isso.
  — Eu a amava na época então não consegui denunciá-la, eu achava que ela iria embora e minha vida voltaria ao normal. Porém ao contrário do eu imaginava, ela não era apenas uma golpista assassina e sim uma psicopata. Nós havíamos discutido durante a madrugada, de manhã como de costume me levantei , preparei o café, levei minha filha para a escola e fui trabalhar. Mas minha vida virou um inferno quando à tarde, fui buscar Luisa na escola. Tive um surto quando perguntei a professora onde ela estava e a ouvi dizer “a Camila já levou ela”.
  — E o que você fez?
  — Primeiramente me desesperei, fui à polícia que ignorou a situação, eu estava totalmente perdido até receber uma ligação de um número restrito. Era ela, me chantageando dizendo que se eu não fizesse tudo o que ela quisesse ela iria matar Luisa, mas de uma forma muito demorada e dolorosa. E a partir deste momento virei seu escravo ou seu assassino particular.
  — Até esse ponto eu compreendi sua história triste, mas onde eu entro nisto?
  — Você não fez algum seguro de vida nos últimos anos?
  — Não.
  — Como não? Ela me enviou sua foto, endereço e etc. Você era a próxima pessoa que ela queria morta.
  — Nos últimos meses a única coisa que fiz foi um contrato no qual todos meus conhecidos tinham de me pagar uma indenização caso revelacem minha identidade. Na noite sou DJ e no dia a dia não passo de uma pessoa comum graças a este sigilo.
  — Você leu o contrato?
  — Não, mas meu advogado de confiança leu.
  — Camila me disse que tinha um novo aliado. Um grande falsificador de documentos, ele conseguia enganar qualquer pessoa, que ele havia conseguido fazer com que até a ratinha de boate assinasse um seguro.
  — Eu sou a ratinha de boate?
  — Por telefone ela sempre inventava um apelido para cada vítima. Aliás, ela me disse que você era o melhor negócio da vida dela, porque ela tinha enganado várias pessoas de uma vez só com o mesmo golpe. Me diz uma coisa, muita gente assinou esse suposto contrato de sigilo?
  Meu Deus! Se toda essa história mirabolante que ele acabou de me contar for verdade minhas amigas e meu EX estão em perigo, se bem que meu EX merecia ser sequestrado, não precisava ser morto apenas apanhar um pouquinho. Foco D, não deixe a raiva tomar conta de você. Tenho de pensar nas meninas.
  — Foram tipo assim: eu, Ari, Lu, Lisbela, Mari, Vic e meu EX.
  — Por que você só se dirigi ao Hugo como "meu Ex"?
  — Não quero falar sobre ele agora. Mas como você sabe o nome dele?
  — Como eu disse ela me enviou uma espécie de dossiê sobre você. E ontem durante a tarde chegou um novo com as informações das outras vítimas.
  Leonardo me mostrou o conteúdo de vários envelopes nos quais continham informações sobre minha vida e da vida de todos meus conhecidos. Ele também me disse que não havia ido à boate me procurar e sim apenas para se distrair e pensar em como me sequestrar e matar. Porém graças a Ari ele me encontrou lá, segundo ele me reconheceu pela foto, mas já sabia toda minha rotina, disfarces entre outros. Perguntei a ele a única coisa que não se encaixava na história. Por que ele não me matou enquanto estava desmaiada e o que ele fez comigo durante este tempo? Então ele me respondeu:
  — Quando eu era criança meu pai seguia um sistema de educação diferente do convencional. Quando um dos filhos fazia algo de errado era obrigado a carregar junto ao pescoço uma corrente onde havia um prego grande e pesado feito de chumbo confeccionado por ele mesmo. Caso aprontasse novamente ele colocava outro prego e ele só retirava quando nos comportávamos. Já cheguei a carregar sete pregos de uma vez! Meu pescoço ficou muito machucado, mas ele só tirou quando pedi desculpas e passei a me comportar.
  — Então quando viu a queimadura em minha coxa não conseguiu me matar.
  — Exatamente, o prego significa para mim algo errado. É como um sinal de meu pai de que estou fazendo tudo errado, que tenho de mudar. Se não fosse por isso você estaria morta boiando em um rio agora. Mas também tenho uma dúvida, por que confiou em mim e teve compaixão apesar de tudo que te fiz?
  — Ainda não sei porquê.
  Acho que ele esperava uma resposta mais esclarecedora, mais no momento esta foi a mais esclarecedora que consegui dar.
  — Tenho uma dúvida que está me deixando louca.
  — Diga.
  — Quanto tempo eu dormi? Quem fez esse curativo em minha perna? E quem me deu banho?
  Ao invés de me responder ele começou a rir loucamente. Parecia que minha pergunta havia sido uma piada.
  — É isso que está te angustiando? Bom então vamos começar, você dormiu o resto da madrugada, o dia todo e só acordou hoje dois dias depois. Eu fiz seu curativo durante este tempo e minha empregada te deu banho. Aliás, eu chamei um médico de confiança para te examinar já que você não acordava e quando acordava tinha delírios, ele disse que você estava bem apesar da queimadura infeccionada, que só teria de te internar se você não acordasse até o outro dia. De vez em quando você acordava delirando gritando vários nomes diferentes, como eu não conseguia fazer você comer quando estava dormindo e quando estava acordada por conta dos delírios. Então eu comecei a fingir ser a pessoa que você estava chamando para fazer você comer. Era só comer que você voltava a dormir. Eu já ia te levar para o hospital mas você acordou e o resto você já sabe.
  — Meu Deus! Onde está meu celular? As meninas devem estar loucas atrás de mim.
  — Estão mesmo! Foi muito difícil enrolar elas. Principalmente uma tal de Ari, tudo que eu dizia ela contestava, dizia que você estava estranha, sofri muito para enganá-la, já as outras foram mais fácies.
  — Me de o celular que vou acalmá-las. Prometo que não vou fazer nada que possa te prejudicar.
  — Eu já acalmei as meninas, disse que o cara com quem tinha saido era um produtor de eventos que descobriu minha identidade ao me ver se trocando depois de um show, e havia me convidado para participar de um grande evento que duraria duas semanas, o tempo que para mim você precisaria para se recuperar e para pensarmos no que fazer, mas que voltaria logo, que estava bem fazendo muitos shows. Mas avisei a elas que se eu não ligasse novamente, era para elas irem atrás de MIM pois havia uma pessoa me mandando ameaças por telefone e cartas. A tal de Ariane ficou muito desconfiada. Ela já queria investigar, mas expliquei que já havia resolvido tudo apenas queria me afastar daquela pressão toda fazendo o que mais gostava: remixando e evitando que este “fã" me perturbasse logo ali onde eu estava me sentindo tão bem.
  Leonardo, me garantiu que ele era o único assassino (toda vez que menciono essa palavra sinto um aperto no coração) de Camila, fiquei mais tranquila.
  — Terminou todas as perguntas?
  — Por quê?
  — Eu ainda preciso fazer seus curativos se lembra?
  — Há, sim! Agora confio em você, pode fazer os curativos.
  — Antes não confiava em mim?
  Dei de ombros, e me sentei no sofá. Leonardo sentou-se na mesinha de centro feita de madeira, pegou minha perna e colocou sobre a dele pois não consegui levantá-la sozinha por causa da dor. Por incrível que pareça as mãos dele estavam quentes ao contrário do que geralmente são: frias, seu toque quente em minha pele me deram a sensação de carinho e aconchego. Os ferimentos ardiam e doiam muito, a cada limpeza eu me segurava para não gritar de dor, não estava mais aguentando quando Leonardo passou um algodão embebido em um líquido desinfectante em um corte mais profundo na lateral de minha cintura, tentando segurar o grito soltei um intenso gemido de angústia que fez Leonardo parar.
  — Se você tivesse tomado banho direito e tivesse lavado bem os ferimentos eu não precisaria desinfectá-los, se quiser posso parar um pouco para você descansar.
  Respondi que sim. Me levantei e fui beber um copo d'água na cozinha, meu pé que ficou preso doía, a queimadura fisgava ao movimentar a perna, eu mancava, estava toda ralada. Que vida! Três bilhões de pessoas no mundo e isso aconteceu logo comigo. Quando voltei percebi que Leonardo tinha um corte na cabeça, provavelmente onde eu acertei a jarra, bom ao menos ele já havia cuidado daquilo pois apesar de comprido era possível ver uma falha no cabelo onde havia um pequeno e discreto curativo.
  — Machucou muito?
  Disse apontando para o local.
  — Não mais do que seus curativos estão doendo!
  — Mas o que você está passando em mim?
  — Água oxigenada e pomada para assadura.
  — O quê? Seu idiota, me fazendo sofrer por pura maldade, cretino.
  — Nossa! Calma nervosinha, nunca vi uma mulher tão revoltadinha como você. Aliás isso é tudo o que eu tenho aqui, melhor isso do que te deixar pegar uma infecção, e a pomada de assadura tem anestésico já já você não vai estar sentindo nada.
  Me deitei novamente, pois apesar de estar doendo muito e eu querer matar aquele imbecil, esta era minha única opção. Reparei que havia uma bolsa térmica ao lado de Leonardo e que de tempos em tempos ele colocava as mãos sobre ela.
  — Por que você faz isso?
  — O quê?
  — Colocar as mãos sobre a bolsa térmica.
  — Ah sim, eu percebi que você ficava arrepiada e desconfortável quando te tocava com minhas mãos, então peguei a bolsa para deixá-las mais quentes.
  Sorri para Leonardo, naquele dia esta já era a terceira vez que ele fazia algo por mim. Mas pensando por outro lado eu só estou passando por tudo isso por causa dele. Fechei a “cara" e o esperei terminar. Porém não deixei que ele visse, eu tinha um corte próximo ao seio, apesar de estar doendo não vou ficar nua na frente dele. Seguindo as ordens do carrasco me obriguei a ir para o quarto, ele me ajudou a caminhar até a cama, ao sair ele trancou a porta. Ao ouvir o barulho das chaves comecei a gritar.
  — Por que você está me trancando?
  Fui ignorada.
  — Por que você está me trancando?
  Perguntei novamente. Desta vez ele abriu a porta, entrou e a fechou.
  — Garota, será que é difícil não dar chilique por algumas horas? Ao contrário de você eu fiquei duas noites acordado ao lado da sua cama sentado naquela poltrona CUIDANDO DE VOCÊ. Agora eu preciso dormir um pouco ou vou virar um vampiro sedento por colchões!
  O jeito com que ele deu uma ênfase quando disse “cuidando de você" me fez recuar.
  — Mas precisa me trancar?
  — Deus o que eu fiz para merecer essa garota chata! Se é castigo eu já sofri o suficiente.
  — Fala comigo e não perturba o Ser de cima.
  Fiquei esperando alguma resposta, mesmo que fosse um coice de jumento eu ficaria menos nervosa do que o silêncio que ele fazia. Leonardo caminhou, sentou-se na poltrona e abaixando o rosto, colocando-o entre as pernas, suspirou.
  — Você pode ter se comportado, me ouvido, mas não posso te deixar solta por aí. Vai que você tem outro chilique, foge e conta tudo para polícia? Não posso arriscar a vida da minha filha!
  Ele se levantou e saiu. Peguei o celular e disquei o número da Ari, enquanto discava ouvi do lado de fora da porta.
  — Seu celular está bloqueado, mas caso você tente fazer algo incriminatório eu mato ela. Nunca se esqueça, sei onde todas elas moram.
  Joguei o celular na poltrona.

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