Júlio
Acordo ainda magoado, com a mesma roupa de ontem e morrendo de fome, não quero voltar para a cozinha e ver tudo o que tinha planejado lá, vou para o banheiro e de lá já vou para a rua, nem olho no sofá pra não sentir remorso de ter deixado o Le dormindo nele, passo em uma padaria pra comer alguma coisa e vou à praia, passo a manhã olhando o mar, sentindo a areia fazer cócegas na minha pele, acho que ambos exageramos, ele por não querer nem jantar comigo e eu por tê-lo deixado trancado pra fora do quarto estando machucado; me levanto e vou pra casa pedir desculpas, mas antes molhos os pés na água do mar e peço proteção à Iemanjá, sinto a força da água me encorajar a voltar para casa.
Assim que chego estranho não ver o Le em lugar nenhum, onde ele se enfiou? Vou para a cozinha e vejo que está diferente, tem panquecas e suco sobre a mesa e um bilhete dele dizendo que precisou sair com o Lucas e voltava mais tarde, tem uma manchinha vermelha no papel que penso ser molho de tomate, mas quando olho no chão vejo uma pocinha de sangue e uma trilha indo até o portão, o que aconteceu?
Ligo no celular dele feito um doido, só caixa postal, morrendo de medo ligo para o Lucas, eles estão no hospital, meu coração gela, ele me diz que fisicamente o Leandro está bem, que a cicatrização dos pontos deu errado e que o corte se abriu, algo a ver com esforço além da conta e que o médico quer esperar pra ver se deu alguma infecção. Quero ir correndo pra lá mas ele me impede, diz que o Le está dormindo e que além da dor está triste com alguma coisa – que eu sei o que é, fui eu que fiz isso, se eu tivesse conversado, se eu tivesse feito ele jantar comigo, se eu tivesse aberto a porta quando ele bateu, se eu tivesse ido à cozinha no café da manhã, se, se ,se, pq fui tão idiota? Ele me magoou? Sim, eu poderia ter deixado ele se esforçar tanto? De jeito nenhum; agora por minha culpa ele está assim.
Ligo para o Giu e conto tudo o que aconteceu, ele fica meio puto pq eu tinha prometido cuidar dele e agora ele está no hospital, mas respira fundo e promete me ajudar, me manda limpar a casa, pegar toda a comida que causou a confusão e levar para caridade, vai fazer mal a nós dois comer isso e lembrar de tudo, e estar de volta com tudo pronto antes dele voltar para casa, tenho medo que ele não volte mas não vou contrariar o Giu, faço o que ele mandou, pego toda a comida e levo para uma região pobre da cidade, às vezes venho ajudar a entregar sopa aqui a noite, então alguns me conhecem, deixo a comida com eles e vou embora, olhar aquele sangue no chão me dá desespero, esfrego com toda a minha força até não ter nem um sinal, aproveito o tempo e arrumo tudo, lavo o banheiro, troco a roupa de cama, faço uma faxina geral, tomo um banho e coloco uma roupa simples, na verdade peguei a que estava por cima na gaveta, meu celular toca e o Giu só me avisa que estão chegando.
Fico esperando, pela porta entram um Leandro de muletas, Giu e Risto ajudando, a Fer e o Lucas atrás com as crianças, não entendi mas não questiono, queria apenas ficar sozinho e pedir desculpas. Todos se sentam nos sofás e as crianças já voltam ao seu mundo particular de brincadeiras, a Aninha é toda protetora do irmão, a Fer uma mãezona, os três homens são pais babões e eu apenas observo; Risto me chama em um canto e reforça a ameaça, porém diz que também já errou muito com o Giu – duvido, esse casal parece perfeito – mas que se redime até hoje, e que agora é a nossa vez, que temos que conversar e nos acertarmos, que por mais que o Le seja um adulto no fundo ele é uma criança frágil e que faz birra por qualquer coisa, e eu tenho que aprender a lidar com isso. Me resigno e deixo a Fer tomar conta da casa, ela faz o jantar para todos, nem eu sabia que com o que tinha no armário dava pra fazer tanta comida boa, me contenho apenas em arrumar a mesa e picar as coisas pra ela, o Le não tira os olhos de mim, e os meus são dele, assim que jantamos a Fer manda o Risto e Giu lavarem a louça já que não fizeram nada, o Lucas ficou guardando no lugar enquanto eu ajudava e a Fer ficou sozinha com o Le e as crianças, e uma certa menininha veio me chamar
- Tio, pq o tio Le tá tão triste?
- Aninha, o tio fez besteira e deixou ele triste, agora tenho que consertar
- Já sei, faz igual o tio Risto
- Aé, e o que ele faz?
- Quando ele faz besteira e o Giu fica bravo ele prende o meu irmão em um abraço e beija ele até ele rir e ficar de bem de novo
- Princesa, muito obrigado pela ideia, agora vai lá brincar pq o tio Risto tá me olhando feio
- Tá bom, tchau
E aí quando olhei pro Risto só mexi os lábios "Vou copiar" e ele riu, o Giu ficou vermelho e o Lucas começou a gargalhar alto chamando a atenção da Fer
- Já que tá tudo lindo, tudo limpo e já tão de gracinhas vamos embora pq temos uma pousada pra cuidar e duas crianças que já passaram da hora de ir pra cama
Nisso o Giu já fala o clássico "tá bom mamãe" e leva um guardanapo na bunda do Lucas "ai papai isso dói"... é gente, eu acho que na verdade eram três crianças no lugar de duas. Eles levam os pequenos no colo já que estão morrendo de sono e vão embora, chegou minha vez de me desculpar.
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Recomeçar
RomanceLeandro já sentiu o ódio simplesmente por ser quem é Júlio teve sua vida virada do avesso Ambos tiveram seus recomeços sozinhos Mas não precisa ser assim para sempre