Morrer ou ressuscitar?

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Na cama, o quarto se torna gelado. A tristeza me invade, algo que nunca senti antes, algo que nunca queria sentir, e algo que nunca deveria sentir. Na escuridão que tomou conta da minha alma, adormeço entre as cobertas.

Acordo e com meus olhos doloridos, ainda inchados de tanto chorar, vejo que são 5:00 da manhã, a lareira quase se apagando e o frio tomando conta do quarto. O sol ainda não se levantou. Talvez ele nem quisesse se levantar, assim como eu. Levanto com bastante dor, e noto a mancha de sangue nas coberturas e no lençol. Aquela mancha redirecionou meus pensamentos para a pior noite da minha vida. Na intenção de realmente sumir por mais impossível que seja, resolvo tomar um banho. Me encarando no espelho do banheiro, sinto nojo de mim, mesmo sabendo que isto não aconteceu por que eu quis. Será que eu seria capaz de sentir mais dor do que estou sentindo? Pego uma das lâminas na gaveta do banheiro, e faço um corte fundo e horizontal nas minhas coxas. Sinto uma dor enorme, mas me sinto tão inútil que não consigo forças nem para acabar com o meu próprio sofrimento. - Por que tenho tanto medo? POR QUÊ? - esbravejo comigo mesma.
       Entro no chuveiro com o sangue dos cortes ainda um pouco presente nas minhas pernas, por mais que eu os tenha coberto. Tento esvaziar minha cabeça, nada funciona, tenho vontade de ficar ali para sempre. É como se ali ninguém pudesse me incomodar ou me fazer sofrer. Quase adormecendo em pé saio do chuveiro, me secando visto minha roupa mais normal e discreta possível. Fico sentada na cama até a hora de ir pra escola, não tomo café e nem como nada. Não tenho vontade para absolutamente nada.
Quando está na hora de ir, saio do quarto e meu pai aparece e me coloca contra a parede:
- Nem ouse contar o que aconteceu entre a gente à ninguém. Entendeu, Fanciny? - diz e eu respondo:
- Sim, pai.
Falo quase chorando e ele me solta, saio correndo até o elevador, chorando. Quando o elevador para e Lisa entra, seco rápido as lágrimas para ela não desconfiar, mas mesmo assim ela pergunta:
- Estava chorando Franciny? - diz ela me encarando.
- Não, um fio de cabelo entrou no meu olho. - respondo tentando trocar de assunto.
Vejo que não tenho sucesso na minha mentira, ela fica em silêncio o caminho todo e pode ter certeza que quando a Lisa fica em silêncio, é porque ela desconfia até da sua respiração. A dor ainda me corrói, mas tento guardar mais fundo no meu coração.
Já na frente da escola, Vinícius me vê, vem correndo e diante de mim diz:
- O que você tem? - coloca a mão no meu rosto e em pânico respondo:
- Estou ótima!
Ao dizer isso ele levanta a sobrancelha.
- Você é uma péssima mentirosa dona Franciny! - diz ele me dando um sorriso bobo.
Não consigo responder, simplesmente não consigo.
Vamos para a sala e me esqueço completamente que hoje tinha a prova de história, estudei, mas muito pouco... A professora entrega a prova e começo a fazer com pressa, prevejo uma nota baixa. Não estou com cabeça para pensar. Depois de dois períodos fazendo a prova, a professora nos dispensa para o intervalo mais cedo, todos vão comer, Vinícius pega um sanduíche pra mim e pra Lisa, sentados na mesa ele começa a dizer:
- Não vai mesmo me contar Franciny?
Olho pra ele, contar ou não contar? Não posso. Fico em total silêncio e ele se irrita. Tento minimizar a situação:

- Vinicius, me desculpa, eu realmente acordei muito cedo. Por isso estou assim, não é nada demais.

- Pode persistir com isso o quanto quiser, eu sei que não é isso.
Reviro os olhos e digo:

-Ai, Vinícius, você já está me cansando!

- Você não disse que gostava do meu temperamento? - diz ele me debochando.

- Eu nunca disse isso! - digo e Vinícius não me responde. Lisa finge que nada aconteceu e nesse momento paro e penso:
Nunca discuti com o Vinícius, o que está acontecendo comigo?


Terminamos de comer e Vinícius sai depressa da mesa, sim, magoei ele.
Andando pelos corredores, Lisa fala:

- Eu também estou sentindo que tem algo de errado com você. Por que não quer compartilhar conosco? Você sabe de todos os meus segredos e os dele.
Não sei exatamente o que falar, mas dou uma resposta rápida e automática:
- Olha Lisa, eu já falei o que aconteceu, vocês dois que não querem acreditar!

As palavras, tão doloridas e tão difíceis de se pronunciar. Quero dizer a verdade! Mas não posso.
No vestiário, prestes a começar a aula de educação física, resolvo não fazer. Estou com muita dor e sem cabeça para isso, na verdade, hoje não estou com cabeça pra nada, tudo tem sido um nada. Pensando em que desculpa dar para Lisa, digo:

- Merda! Não estou afim de fazer Educação Física.

Lisa me olha assustada enquanto coloca o uniforme.
- Quê? É sua aula preferida! - diz ela, indignada.
- Sei lá, não estou me sentindo muito bem. Coisa de mulher, sabe? Cólicas - digo, mentindo.
- Tudo bem então - diz Lisa saindo em direção ao ginásio.

Ela vai até Vinícius que está jogando basquete com os outros, assim que vê Lisa, pergunta:
- Onde está a Fran?
Lisa cabisbaixa responde:

- Olha, Vinícius, tem uma coisa muito errada com a Franciny, ela se recusou a fazer Educação Física e você sabe que é a aula preferida dela! Temos que descobrir o que está acontecendo!

- Eu sei... ela não confia em nós, e eu só queria ajudar.- diz Vinícius, e Lisa pergunta curiosa:

- Você está apaixonado por ela, não é Vinícius?
Ele ri e responde:

- Sempre estive, mas ela parece não querer nada.

Ao terminar a frase, a professora interrompe começando a aula.
Aqui no vestiário, começo a chorar me lembrando de cada toque, cada aperto,cada angústia que eu havia sentido naquela noite. Nada, jamais, iria me fazer chegar a ter contato com um homem. Chegar a se apaixonar por alguém, será?
Eu sentia nojo de tudo que envolvesse o sexo oposto a partir daquele dia.

- Vou ficar de olho nela lá no prédio, Vinícius.- diz Lisa, e Vinícius pensativo pergunta:

- Suspeita que seja o pai dela?

- Nesse momento eu suspeito de tudo.- diz Lisa saindo até o banheiro.

O sinal toca e fico assustada. Meu deus, já tocou o sinal? Lisa não pode me ver chorando, cadê o papel para limpar o meu rosto? Seco o rosto e saio pra fora do vestiário, quando dou de cara com a Lisa que assim que me vê diz:

- Estava chorando? - ela me olha desconfiada.

- Não, por que acha isso? - pergunto com medo.

- Você está com olheiras - diz Lisa.

- Deve ser porque acordei cedo!- digo tentando cortar o assunto, e ela me responde insinuando algo:

- Acho que não, Franciny.
Vejo a desconfiança na cara dela.
Sinto que os dois estão prestes a arrancar a verdade de mim.

Por quanto tempo vou aguentar guardar isso?







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