Por favor, me escute!

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- Espere, Fran, só vou tirar esse uniforme. - diz Lisa, se trocando.
Enquanto isso minha cabeça, que tem me atormentado o dia todo, começa a me deixar um pouco tonta, mas esqueço disto muito rapidamente quando Lisa me puxa para fora do vestiário dizendo que já está pronta. Quando estamos prestes a sair da escola em direção ao apartamento, Lisa diz:

- Posso ir na sua casa hoje, Fran?
Olho assustada para ela e não sei o que responder, tenho ficado sem palavras hoje.

- Não dá, Lisa, tenho que limpar a casa. Desculpa! - digo, na esperança dela desistir desta ideia.
Ela me olha, percebendo que estou com medo e demonstrando com seus olhos negros profundos que persistir para descobrir meu segredo mais obscuro, é sua nova obrigação.

Não vejo Vinícius em lugar nenhum, então, simplesmente vou para casa.
Mesmo após ter conseguido impedir Lisa de ir até a minha casa, tenho que aturar ela durante o caminho.

- Você gosta do Vinícius?

Olho tão rápido para ela , que fico tonta, e digo:

- Gosto, como amigo.

Lisa me olha, e demora a me responder.

- Tudo bem... não adianta mentir pra mim, eu sei que você gosta dele, e não apenas como amigo. Faz horas que está rolando um clima entre vocês! - diz Lisa, quase estérica.

Vejo que estou quase perdendo a paciência e respondo:

- Não cria expectativas com algo não real, Lisa!

Lisa dá uma risada sarcástica e depois disto permanecemos em silêncio, quando estou sentada no banco do ônibus uma frase se repete na minha cabeça.

Como poderia amar alguém depois do que aconteceu comigo? Não consigo nem ter amor próprio.

O pensamento voa sobre a minha cabeça. Quando saímos do ônibus, na porta do apartamento, comprimento o porteiro Jarbas. Desde pequena já conheço ele e quando meu pai não estava em casa, era com ele que eu conversava às vezes.

- Franciny querida, está tudo certo com você? - diz ele, desconfiado.

- Estou ótima, e você? Conversamos mais tarde. Tenho que arrumar um pouco lá em cima - digo e ele abre a porta.

Pegamos o elevador e vou até o terceiro andar com a Lisa, quando a porta se abre ela me abraça.

- Falo com você no Skype, pode ser?

- Claro! - digo, e ela sai em direção ao seu apartamento.

Quando entro em casa, dou de cara com o meu pai e mais dois amigos. Todos tão parecidos com ele, altos, idade pairando com a do meu pai. A palavra pai não tem mais significado algum pra mim, e eu acho que nunca teve. Tento passar o mais rápido possível, mas sou impedida por um deles.

- Olha só... a princesinha do papai. Você estava certo, Jorge, sua filha é muito bonita! - diz ele, me olhando de cima a baixo.

Nervosa, as lágrimas começam a escorrer em silêncio no meu rosto enquanto tento ser forte.

- Meu nome é Christian. - diz, se levantando do sofá e chegando mais perto de mim.

Ele se aproxima do meu rosto e tenta me beijar, mas me esquivo rápido dele.

- Você é rápida, gostei de você! Jorge, será que você me liberaria ela durante uma noite? - diz dando risada.

- Sinto muito, ela é só minha.
Responde meu pai, e depois dessa frase meu coração se corrói.

- Posso ir pro meu quarto? - pergunto.

- Vai, mas irá fazer o jantar às 20:00. - diz ele.
Saio correndo para o quarto onde não consigo conter meu choro.

São 18:30 da tarde e está nublado, prestes a chover. Passei a tarde toda estudando, não sai do quarto nem para almoçar. Quando termino Lisa me liga pelo Skype, mas assim que atendo meu pai me chama:

- Se esqueceu do jantar, Franciny? Ele tem que ficar pronto às 20:00. Quer que eu te lembre de uma forma não agradável?

Lisa escuta e pergunta:

- Fran, o que está acontecendo com você tem a ver com seu pai?

Não respondo e fecho o computador. Vou até a cozinha, meu pai e seus amigos estão jogando videogame, pergunto com a voz baixa e suave:

- O que quer que eu faça?

Ele nem me olha, mas responde:

- Qualquer coisa, mas só pra nós. Você não irá comer!
Intrigada, pergunto:

- Por quê?
Ele se vira e diz:

- Você me desobedeceu ontem. Está de castigo.

Fico tão brava que não consigo me controlar!

- Pai, eu fiz tudo o que me pediu! Até contra a minha vontade!!! - digo e ele me responde furioso:

- NÃO FEZ NÃO. AGORA CALE A BOCA E VAI FAZER O QUE EU MANDEI!

Desisto, e vou fazer a comida. Enquanto faço, fico observando com muita fome a carne assar no forno, só que sei que estou proibida de comer. Me levanto e vou arrumar a mesa, quando o forno apita indicando que está pronto, meu pai e seus amigos vem para a mesa.Enquanto comem vou lavando algumas coisas que estão sujas, até que Marcos, amigo do meu pai, diz:

- Eu estou com fome de outra coisa.

Ele fala tão rudemente, mas ignoro enquanto eles riem. Depois de terminarem de comer eles vão jogar vídeogame enquanto eu... continuo a limpar a cozinha.
Meu estômago não para de roncar, não como nada desde de manhã. Mais duas horas se passam, e eu termino finalmente de arrumar tudo. Os amigos do meu pai vão embora e ele vai para o quarto.
Tento pegar um pouco de comida, escondida, mas fracasso. Ele me vê, e me pega pelo braço me colocando contra a parede, diz alto e num tom agressivo:

- VOCÊ ME DESOBEDECEU!

Ele me joga com toda a força no chão, me dá um chute na barriga me fazendo gemer de dor. Levanta um pouco a minha cabeça olhando para os meus olhos azuis claros, diz:

- Eu... não queria ser você.

Ao terminar a frase, me dá um soco no canto do olho, me larga no chão e sai. Me arrasto até o quarto com muita dor... e quando entro, desmaio.

A Profundidade Do SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora